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A realização da análise se desenvolveu em três etapas. Na primeira, identificamos o modo como o sujeito, participante 1, se manifesta nas predicações deverbais, se é explícito, correferido por anáfora zero, ou se é restrito em razões de natureza cognitiva. Na segunda etapa, identificamos a função sintática da predicação, se funciona como argumento ou satélite de outra predicação e com que papel sintático (objeto, sujeito, advérbio, etc). Na terceira e última etapa, realizamos o cruzamento dos

números referentes às ocorrências dos três tipos de manifestação do sujeito (explicitação, correferência e restrição) com os tipos de função do predicado deverbal.

4.4.1 Problemas de identificação: as predicações sem participante 1

Um dos problemas da análise refere-se às predicações deverbais terminadas em –ção que não apresentam participante 1. Pode-se dizer, considerando a escala de transitividade de Hopper & Thompson (1980), que a transitividade que envolve o contexto dessas ocorrências é baixa.

No exemplo a seguir, o falante descreve espaços, e utiliza o deverbal ‘direção’ para referir-se à sala em que o diretor trabalha. A atitude comunicativa20 descreve um cenário estático, não há ação ou acontecimentos que envolvam sujeitos:

(20)...uma escola tem muitas classes, tem a direção, a secretaria, a sala dos professores, os Banheiros, o pátio, outras coisas. (DG, ocorrência 863)

Também observa-se baixa transitividade no contexto da ocorrência do deverbal ‘coleção’ no exemplo a seguir:

(21) na minha escola? tem é:: cade/ cadeira dentro da sala ( ) tem ... cadeira ... tem é:: quadro ... tem mesa ... tem livro ... tem coleção ... é tem:: lápis ((pigarro)) ...(DG, ocorrência 969)

No exemplo acima, o deverbal ‘coleção’ parece referir-se a um conjunto físico de livros e não ao processo de colecionar coisas. A referência ao processo poderia tornar possível a possibilidade de semi-ativação de um participante humano.

20 Para Weinrich (1964, apud Koch, 2003) existem dois tipos de atitude comunicativa: “comentar” e “narrar”. Cada atitude leva o ouvinte/leitor a um tipo de comportamento diferente e mobiliza tempos verbais específicos.

Outro caso de baixa transitividade ocorre na predicação a seguir em que o verbo ‘ter’ apresenta como complemento o deverbal ‘condições’, veiculando o sentido de recurso:

(22)...rico tem condições financeiras de subornar qualquer pessoa (DG, ocorrência 679)

O deverbal ‘condições’ parece ter se cristalizado com o verbo ‘ter’, tornando-se um tipo de predicação lexicalizada (Binton & Traugott, 2004), que pode assumir diversos valores semânticos. Nas ocorrências com o auxiliar ‘ter’, verifica-se que esse verbo ora assume valor de posse ora valor existencial, não se observando em nenhum dos casos o traço ação.

Em (23), a predicação veicula estado emocional:

(23) ...não ... nunca entrei lá no centro cirúrgico ... porque eu não poderia ... num tinha condições ... (DG, ocorrência 923)

O deverbal ‘condição’, sem o verbo ‘ter’, pode também referir lugar ou vaga em contextos esportivos:

(24) Disputando com o argentino Guiñazu a condição de maior ladrão de bolas do campeonato, Willians tentou mas não conseguiu disfarçar que a vigilância constante sobre Diego e Cleiton será uma das formas de o Flamengo se impor no clássico de domingo. (O globo, ocorrência 068)

Há também os eventos que não dependem de um sujeito para que o processo que codificam se desencadeie, como em (25):

(25) ... quer dizer ... o coagulante ... ela vai ajudar ... a fórmula química ... vai ter uma reação química na água ... que a sujeira na água vai formar flocos ... flocos de sujo ... entendeu ... aí (DG, ocorrência 720)

Há outros deverbais que são utilizados como formas coletivas de seres:

(26) então ... eu noto que eles são meio indiferente a essas pessoas que correm ... que estão passando ali com freqüência ... só uma vez me assustou ... quando eu corria era inverno ... eu corria ali próximo já o centro de convenções ... e tem uma área deserta grande com ... tem até vegetação tipo caatinga ... (DG, ocorrência 934)

e coisas:

(27) aí a gente ficava até uma hora ... duas horas da manhã jogando e o vigia não reclamava ... né ... as arquibancadas também eram grandes ... bonitas ... por trás da estradas tinha a/arame ... né ... a cerca para proteger a bola ... as traves em perfeito estado ... a pintura da quadra boa ... a drenagem da quadra tinha uma canalização ... uma calha que ... que tirava água da quadra ... (DG, ocorrência 760)

Alguns se referem a entidades que representam grupos ou órgãos sociais como ‘federação’, ‘associação’, ‘instituição’, ‘fundação’, etc:

(28) a educação está indo de:: mal a pior ((riso)) eu acho que faculdade está sem dinheiro pra manter a instituição... os professores estão recebendo mal... (DG, ocorrência 568)

Nesses, a presença de sujeitos não está mais ligada ao processo que eles codificam, mas a um esquema cognitivo, pelo qual se tornam conceitos semi-ativos referentes a pessoas que trabalham ou representam essas entidades.

Em alguns casos, encontramos deverbais dissílabos como ‘noção’, ‘nação’, ‘função’, que perderam a identificação com os verbos dos quais se originaram.

Certas expressões populares também podem levar a inatividade do sujeito do evento deverbal como ‘inflação’ que funciona como instrumento de medida de preços, e não a ação de inflar, embora seja este o seu sentido originário, já que os preços inflam, no sentido de crescer, aumentar de tamanho.

Há o caso do deverbal ‘situação’ que refere um estado de coisas, e funciona como um tipo de nome genérico (Koch, 2002):

(29) é... foi uma situação difícil... né? eu não sei... eu não sei onde que engloba isso... mas... eu fui maior medo... né? meu coração assim disparado... aí a gente desesperada... tirando macaco... macaco... o carro descendo porque estava na serra... o maior desespero... né? (DG, ocorrência 639)

E, por fim, há os casos de deverbais que funcionam como gêneros textuais21 (Marcuschi, 2002; Koch, 2002, Bakhtin, [1953] 1992) como em (30):

(30) Thomas Shannon, que chegou na quarta-feira junto a outros diplomatas enviados pela secretária de Estado dos EUA, Hillary Clinton, para conseguir uma solução para a crise. - Os negociadores são heróis da democracia hondurenha. Os Estados Unidos acompanharão as eleições em Honduras em 29 de novembro - antecipou Shannon. Pouco antes, Micheletti leu uma declaração na sede do governo ordenando seus negociadores para assinar um acordo para impulsionar um governo de reconciliação. (O Globo, ocorrência 186)

Essas ocorrências não foram computadas nos dados, uma vez que não existem sujeitos a serem descritos.

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