• Nenhum resultado encontrado

Primeiramente, o projeto foi encaminhado ao Conselho de Ética da UFRGS, para o exame das implicações éticas desta pesquisa. Dada a aprovação pelo Conselho de Ética da UFRGS, foi feito contato com as Instituições de Abrigo e, posteriormente, com os adolescentes, para a obtenção do Consentimento Livre e Esclarecido (Anexo B), conforme Resolução CFP Nº 016/2000, e descrição dos procedimentos do estudo. O Termo de Concordância da Instituição (Anexo C) foi assinado pelos Diretores dos Abrigos de Proteção, responsáveis formalmente pela guarda dos adolescentes institucionalizados.

Posteriormente, foi realizado um estudo piloto com o objetivo de verificar a adequação do roteiro da entrevista. Após a verificação de que as questões da entrevista eram compreensíveis e atingiram o objetivo proposto, deu-se início a coleta dos dados que compuseram este estudo. A operacionalização da coleta de dados desta pesquisa se deu no ambiente natural das participantes, apoiada pela inserção ecológica (Cecconello & Koller, 2003) da Teoria dos Sistemas Ecológicos, que propõe o estudo do desenvolvimento humano através de um modelo científico envolvendo a interação de quatro núcleos: o processo, a pessoa, o contexto e o tempo, denominado modelo

bioecológico (Bronfenbrenner, 2004; Bronfenbrenner & Evans, 2000). De acordo com essa teoria, o modelo bioecológico constitui-se em um referencial teórico-metodológico apropriado para a realização de pesquisas sobre o desenvolvimento-no-contexto (Cecconello & Koller, 2003). Dessa forma, a inserção nos abrigos se deu através de várias visitas, observações e contatos informais com a equipe técnica e crianças e adolescentes abrigados. Além disso, foram também realizadas atividades de desenho com as crianças e adolescentes abrigados, procurando-se, dessa forma, uma maior aproximação da pesquisadora com o contexto da pesquisa, assim como uma maior familiarização das participantes com a mesma.

Após esse procedimento, as entrevistas foram realizadas individualmente, em salas adequadas, nas próprias instituições nas quais as participantes residem. As entrevistas foram gravadas e, posteriormente, transcritas, para serem analisadas. A coleta de dados envolveu duas entrevistas com as participantes, dado que as segundas entrevistas serviram para complementar as informações das primeiras. Além disso, a segunda entrevista também serviu como um procedimento que legitimou confiabilidade à coleta inicial de informações, pois demonstrou que os dados obtidos na primeira entrevista com as participantes mantiveram-se estáveis.

Além dos procedimentos realizados com as participantes para a obtenção das informações almejadas, os dados deste estudo também foram compostos por informações retiradas dos prontuários das adolescentes, que foram disponibilizados pela instituição e enriqueceram, além de complementarem, as informações obtidas, primeiramente, com elas. Também foram realizadas entrevistas informais com a equipe técnica de profissionais dos abrigos participantes, como monitores, psicólogos e assistentes sociais. A contribuição dessas pessoas foi de grande importância por possibilitar a integração das informações obtidas, assim como complementação para questionamentos surgidos no contato com as participantes ou dúvidas sobre os registros de seus prontuários, garantindo a validade ecológica do estudo.

Capítulo III RESULTADOS

Diante dos objetivos e dos fundamentos teóricos já traçados, a seguir, são apresentadas as descrições e as análises dos dados dos três estudos de caso investigados. Os casos são descritos a partir dos dados obtidos nas entrevistas do apego para adolescentes, nos seus prontuários, nos relatos de profissionais membros da equipe técnica dos abrigos, como, por exemplo, assistentes sociais, monitores e psicólogos e, por fim, pelos diversos aspectos observados durante o processo investigativo, na inserção ecológica, como características do ambiente dos abrigos e expressões não-verbais dos participantes. Cada prontuário contém registros do estudo social e pessoal do caso, realizados pela equipe técnica dos abrigos. Além disso, possuem anotações das datas e circunstâncias de atendimentos realizados com os abrigados, assim como de visitas de pais ou parentes e descrição de acompanhamentos ou tratamentos dos quais o adolescente participou ou está inserido.

Os dados relativos às entrevistas do apego são apresentados, enfatizando-se a fala das adolescentes, no que diz respeito aos pontos de interesse da pesquisa, no caso, às características da organização do apego. Foram realizadas duas entrevistas com cada participante, sendo que a segunda entrevista teve por objetivo complementar os dados coletados na primeira. Assim, foram destacadas e analisadas as verbalizações referentes: à percepção das figuras de apego primárias e da relação vivida com elas na infância, separações e perdas, memórias relativas a situações de estresse na infância e tipo de reação ativada, pensamentos sobre o tipo de cuidado recebido durante a infância, lembrança de algum sentimento de rejeição na infância, considerações sobre a repercussão das vivências da infância e valores de vida atuais, estabelecimento de amizades, conflitos entre pares, relação com irmão e pares, escolha ou não de alguma amizade em especial, relações românticas, relação atual com a figura de apego principal e intencionalidade de ação pessoal em relação à possibilidade de exercer a parentalidade.

Apesar das informações serem obtidas sob a forma verbal, para poder trabalhar de forma mais detalhada, as entrevistas foram transcritas para a forma de texto (Gutiérrez & Delgado, 1994). Olabuenaga e Ispizua (1989) ressaltam que a análise de conteúdo se baseia em uma leitura científica da informação e pela utilização de uma estratégia metodológica de análise. Esta leitura científica envolve o sentido manifesto do texto e o seu sentido latente. Assim, a informação necessita ser codificada para que o sentido do que é comunicado seja compreendido em seu conteúdo. No caso de entrevistas, o processo da análise de conteúdo implica múltiplas leituras, para que a

categorização e codificação dos dados sejam efetuadas.

Neste estudo as entrevistas foram analisadas através da análise de conteúdo (Bardin, 1977) dos relatos das adolescentes, procurando-se classificar as respostas em categorias descritivas, relativas aos pressupostos teóricos sobre os padrões de apego, baseando-se nas características de cada padrão descritas nos estudos de Kobak e Sceery (1988), de Hazan e Shaver (1987), de Kobak e Duemmler (1994), de Crowell, Fraley e Shaver (1999) e de Ammaniti, Van-Ijzendoorn, Speranza e Tambelli (2000). Os critérios de categorização seguiram flexivelmente as idéias que Hazan e Shaver (1987) sugerem sobre as características de cada padrão de apego.

As categorias de agrupamento das unidades de significado foram: 1. Relação com cuidador principal

2. Relacionamento com familiares na infância 3. Separações e perdas

4. Memórias de situação de estresse e reação ativada 5. Cuidados recebidos na infância

6. Sentimentos de rejeição vividos na infância 7. Repercussões das vivências da infância 8. Relações com pares e com irmãos 9. Atitudes pessoais e autopercepção 10. Relações atuais com figura(s) de apego 11. Expectativas para parentalidade

Em seguida à análise de conteúdo, propriamente dita, a discussão dos dados considerou o grau de elaboração do discurso da adolescente em relação às suas experiências com as figuras de apego, quanto a uma demonstração de diferenciação pessoal na construção de sua identidade pessoal e, quanto à capacidade de formar relações íntimas, além de aspectos relativos à coerência do discurso. Posteriormente, os dados foram identificados como característicos e pertencentes aos tipos de padrões de apego, descritos na Teoria do Apego – seguro/autônomo, preocupado/ansioso, evitativo/desapegado e desorganizado/desorientado.

Cabe ressaltar que a análise dos casos estabeleceu-se dentro de uma perspectiva conceitual, baseada na TA, na forma de organização do discurso de cada participante, considerando-se o período vital em que se encontram e as características do contexto em que estão inseridos. Assim, procurou-se dimensionalizar os dados, buscando-se uma compreensão interpretativa de como, porque e de que forma as experiências de apego primárias influenciam e influenciaram em como pensam e vivem suas relações interpessoais, tanto atuais como já vividas.

divergências entre as memórias episódicas relatadas, evocadas na entrevista, e os significados atribuídos às mesmas. Por exemplo, se alguma das participantes considerou que a relação com o cuidador principal era ótima, sendo que a experiência relatada para ilustrar isto foi nitidamente discrepante com a atribuição, isto foi focado na análise. O interesse em examinar cuidadosamente essas incongruências decorre do fato de que elas possibilitam observar a coerência ou incoerência dos relatos e dão subsídio para o entendimento da dinâmica das relações de apego.

Estas discrepâncias podem decorrer do fato de que, as experiências precoces são carregadas de expectativas que fazem com que elas não cheguem a ser lembradas de acordo com o exato significado factual que ocorreram. Assim, parte-se do pressuposto que as lembranças dos episódios relatados acontecem sob uma forma de rememoração processualizada e somatizada do contexto das situações em que ocorreram e que disparam memórias implícitas, relacionadas às representações atuais dos relacionamentos interpessoais e a forma de configuração pessoal dos mesmos (Cortina & Marrone, 2003). Tentou-se observar essas memórias implícitas pelas descrições apresentadas nos relatos, que são, por sua vez, uma representação verbal de experiências da infância carregadas de um conhecimento implícito e manifesto ao mesmo tempo.