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2 ESCOLA CABANA: A PROPOSTA

2.4 AVALIAÇÃO EMANCIPATÓRIA

2.4.2 Procedimentos e instrumentos da Avaliação Emancipatória

Em conseqüência da organização em ciclos e dos objetivos visados por esta organização, a avaliação precisa mudar radicalmente, deixando de ser pensada como atividade meramente formal e burocrática para atender a essa nova dinâmica de organização, sistematizada de forma que permita indicar em que circunstância se dará a progressão. A SEMEC (1999, p. 20) indica duas formas possíveis:

1. O aluno que não apresenta dificuldades, no seu processo de aprendizagem, progredirá, ao final do ano letivo, normalmente dentro do seu ciclo ou para o ciclo seguinte;

2. Aquele aluno que vivencia muitas dificuldades no processo de aprendizagem, demonstrando defasagem na construção de conhecimentos, também progredirá, mas sob a orientação de um plano pedagógico de apoio, o qual orientará o trabalho pedagógico a ser desenvolvido com o aluno no ano seguinte.

Para a SEMEC, a avaliação processual e diagnóstica é a que melhor condiz com o trabalho escolar pretendido nos ciclos, sendo necessário, portanto, a utilização de instrumentos e registros de avaliação que:

 Permitam perceber a avaliação, enquanto inserida na dinâmica de trabalho da escola (planejamento, organização curricular);

 Demonstrem (ou aliem) dimensões da organização do trabalho pedagógico e o processo de formação do aluno; em outras palavras, que deixem clara a proposta (planejamento) da escola, do professor e a forma como cada aluno se envolve (responde) com esse trabalho, construindo seu próprio processo de aprendizagem e formação;

 Envolvam diferentes sujeitos do processo educativo (pais, responsáveis, técnicos, professores), que, enquanto agentes que contribuem com a formação dos alunos, nas suas diferentes dimensões: afetiva, social, cultural e política, devem, continuamente, indicar novos rumos, redimensionando a prática pedagógica (SEMEC, 1999, p.23).

A educação escolar municipal busca “um novo paradigma para a prática da avaliação da aprendizagem”. Nessa difícil procura, a SEMEC sugere e institui duas novas instâncias da avaliação.

A primeira – O Conselho Escolar – se insere em uma perspectiva ampla de avaliação que atende à necessidade de envolver todos os atores que fazem parte do universo da escola, chamando-os a tomar parte do processo democrático. O Conselho Escolar deve refletir os diferentes níveis de atuação dos segmentos da escola que, por meio de seus representantes, precisam trabalhar em parceria a fim de subsidiar e aperfeiçoar o Projeto-Político-Pedagógico. A avaliação desenvolvida no Conselho Escolar é mais institucional.

A segunda – O Conselho de Ciclo – é importante por possibilitar o trabalho interdisciplinar e favorecer a superação de práticas fragmentadas. E é numa perspectiva interdisciplinar que os docentes, com a participação de coordenadores pedagógicos, pais e alunos, devem refletir e construir alternativas pedagógicas em busca da superação das dificuldades apresentadas por seus alunos e por eles mesmos. O Conselho de Ciclo representa, assim, um importante espaço de compreensão dos processos vivenciados na escola, descentralizando as práticas avaliativas fixadas apenas nos alunos. A avaliação desenvolvida no Conselho de Ciclo deveria estar voltada à aprendizagem.

Além dessas duas instâncias de avaliação, a SEMEC também institui dois novos instrumentos de avaliação, pois não aceita mais os antigos registros avaliativos centrados na atribuição de notas. A Avaliação Emancipatória exige registros que tentem dar conta da percepção do processo de aprendizagem. A SEMEC instaura alguns “recursos de apoio” que têm a função de registrar de forma sistemática as diferentes fases de produção de

conhecimento efetivados pelos discentes. Essa atitude é considerada como fundamental para melhor percepção do desenvolvimento dos alunos.

O primeiro instrumento – O Diário de Classe – foi elaborado para que os professores pudessem registrar aspectos importantes do trabalho desenvolvido na turma, considerando o processo de aprendizagem tanto coletivo quanto individual. O Diário de Classe, na perspectiva da Escola Cabana, é um instrumento no qual o professor realiza anotações sobre o desenvolvimento global dos alunos e com base no qual poderá redimensionar sua prática em busca de melhores estratégias para a ação pedagógica, concretizando uma prática avaliativa continua e diagnóstica. O Diário apresenta espaços para os registros que devem ser feitos mensalmente. Esse campo está dividido em três partes: 1) atividades; 2) aspectos significativos do trabalho e 3) apreciação do professor/encaminhamentos. Há outro campo destinado ao registro individual do desenvolvimento do aluno. O Diário de classe é destinado à administração, funcionando como um documento comprobatório do desempenho do aluno na escola.

O segundo instrumento - Registro Síntese do Desenvolvimento do Aluno – é utilizado para registrar de forma sintética aspectos globais do desenvolvimento e aprendizagem dos educandos. Esse registro é entregue aos responsáveis no término de um ano letivo, constando informações a respeito dos avanços e dificuldades do aluno, a forma como se dará a progressão, as providências que deverão ser tomadas no próximo ano do ciclo ou no ciclo seguinte a fim de redimensionar a ação educativa em prol da aprendizagem efetiva do aluno. As informações contidas no Registro Síntese devem ser o resultado das impressões e análises do Conselho de Ciclo. Ele é preenchido ao final de cada ano do ciclo.

O registro é dividido em vários campos que procuram responder a compreensão dos aspectos globais:

1) As interações no grupo: Um dos objetivos da educação municipal é formar

cidadãos críticos e participativos que sejam capazes de intervir na sociedade de forma propositiva, enquanto seres sociais. Obviamente, será necessário criar situações em que os educandos possam exercitar essa competência. Devem ser feitas, no campo das interações no grupo, observações a respeito da participação do aluno nas atividades coletivas de sala de aula. Consideram-se a capacidade crítica, o nível de engajamento nas discussões, a capacidade argumentativa, o interesse em contribuir para o bom andamento dos trabalhos realizados em benefício do coletivo etc.

2) A organização do trabalho pedagógico: As observações feitas nesse campo são de

ordem cognitiva bem mais complexa, pois são avaliadas as capacidades do educando de: compreender a proposta de trabalho do professor; elaborar hipóteses; questionar; encontrar formas alternativas de resolver problemas; estabelecer relações entre diferentes saberes etc.

3) O processo de estudos e elaborações: As competências analisadas aqui são

também provenientes de atividades cognitivas bastante complexas. São avaliadas, dentre outras, as competências em estabelecer relações entre o objeto de conhecimento e o contexto vivenciado; formular questões sobre o objeto de conhecimento a ser investigado; expor idéias com coerência e lógica; construir novos sentidos, significados e referências a partir das informações trabalhadas; organizar sínteses orais.

4) As áreas do conhecimento: Devem constar nesse campo as descrições analíticas e

sintéticas sobre o processo de apropriação/construção do conhecimento nas diferentes áreas do conhecimento: Português, Matemática, Geografia, História, Ciências, Ed. Artística, Ed. Física.

Nenhuma sugestão de como podem ser colhidas e exploradas as observações necessárias para a avaliação das diferentes capacidades elencadas acompanham os referidos instrumentos. Essa lacuna torna difícil, na prática, a implementação da proposta de Avaliação

Emancipatória, elemento central no Projeto Pedagógico da Escola Cabana. É o que mostra a análise do discurso e das práticas dos professores envolvidos, análise essas que faremos a seguir, no capítulo 3, com especial atenção para o Conselho de Ciclo e para o Registro Síntese.

CAPÍTULO 3

ESCOLA CABANA: A REALIDADE

3.1 INTRODUÇÃO

Após oito anos de implementação da Escola Cabana é necessário perguntar até que ponto essa proposta vem conseguindo alcançar os resultados desejados, isto é, até que ponto sua principal diretriz básica – A democratização do acesso e a permanência com sucesso – vem sendo conquistada. De um modo geral, é inegável que aumentou o número de vagas nas escolas. A rede se amplia a cada ano. Hoje em dia, dificilmente, uma criança fica sem estudar. Quanto à democratização do acesso, pois, a Escola Cabana está realmente alcançando os seus objetivos. No entanto, garantir aos estudantes uma permanência com sucesso ainda continua sendo o grande desafio. A proposta, como foi mostrado no capítulo anterior, vem tentando se consolidar com base em concepções modernas a respeito do ser humano e da educação. Todavia, percebemos que a ação pedagógica continua se perpetuando segundo princípios que não condizem com a proposta em nível teórico. Assim, a proposta inicial que era de “intervenção nas velhas estruturas de nosso sistema escolar...”, não conseguiu mudar essas estruturas, resultando numa grande incoerência entre a teoria e a prática. Nos itens que se seguem, tentaremos apontar algumas das causas dessa incoerência. Em nosso entendimento, uma prática mais de acordo com a proposta em nível teórico deveria propiciar um modo bem diferente de ação nas diferentes disciplinas.

As observações, no entanto, restringem-se ao CBII e abordam questões relacionadas à Língua Portuguesa e às possíveis relações que o ensino de Língua Portuguesa pode estabelecer com a Avaliação Emancipatória. Optamos pelo CBII porque é nessa fase que as conseqüências de uma aprendizagem deficitária vão se refletir com mais força. O último ano desse ciclo é a fronteira entre duas fases distintas do ensino fundamental e o senso comum

imputa grande responsabilidade aos ciclos iniciais, pois tem consciência de que um bom desenvolvimento intelectual nessa fase é determinante para um bom desenvolvimento nas outras.

Em nosso entendimento, faz-se urgente discutir acerca das implicações que a Avaliação Emancipatória traz ao ensino/aprendizagem de língua materna. Compreendemos que a percepção de que a Avaliação Emancipatória exige uma mudança na abordagem do ensino de língua materna é determinante para uma verdadeira mudança na prática pedagógica. Na Escola Cabana fala-se muito em resignificar a prática pedagógica, mas no trabalho pedagógico e, na realidade, isso não tem acontecido.

É necessário esclarecermos, também, que no universo da Escola Cabana, em que é dada às escolas liberdade de articulação e realização do fazer educativo, a aceitação da proposta e o comprometimento dos atores sociais têm acontecido de modo diferenciado. Isso resulta, evidentemente, numa melhor ou pior forma de organização do trabalho educativo que, nessa proposta, precisa ser o produto de um trabalho coletivo.