• Nenhum resultado encontrado

Procedimentos metodológicos da pesquisa da Análise do Discurso

CAPÍTULO 1 – UMA PERSPECTIVA TEÓRICO-METODOLÓGICA PARA A

1.3 Procedimentos metodológicos da pesquisa da Análise do Discurso

O procedimento da análise discursiva implica uma performance de escuta no dizer, a partir de uma concepção teórica sobre o objeto em pesquisa. Nesses termos, o funcionamento e a constituição do discurso são processos previstos, movendo-se o analista por meio da descrição e da análise da materialidade linguística até o discurso. De acordo com Silva (2006, p. 184),

A análise, um proceder à procura do funcionamento dos sentidos, difere do curso descarteano de seu emprego, ou seja, o desmonte do todo em partes para se entrever o funcionamento do objeto e, com isso, produzir o conhecimento. A análise discursiva se situa mais próxima à Psicanálise lacaniana, como uma “escuta engajada” da linguagem, a partir da qual se percorre a constitutividade do sujeito.

E percorrer a constitutividade do sujeito é embrenhar-se na movência dos sentidos. Assim, a estrutura é desvelada não unicamente para concepção e produção do conhecimento da materialidade em si, dos objetos visíveis: vai além, perscruta o invisível no dizer, o que na materialidade deixa apenas vestígios, indicações e sinais, mesmo que remotos. Sobretudo, uma sombra dispersa que, reunificada, indica uma unicidade não anunciada, não prevista no esquema da enunciação.

Esse caminho metodológico aproxima-se, portanto, do procedimento analítico, no qual a análise se comporta como caminho: “[...] é um caminho limitado, mas infinito. Limitado, porque sempre se ergue um limite que o faz parar. E infinito,

porque esse limite, uma vez tocado, desloca-se para o infinito, sempre mais distante” (NASIO, 1993, p. 38). Perfaz um caminho espiralado, de idas e vindas, de aproximação e distanciamento, procurando os sentidos na movência dos enunciados, procurando regularidades na dispersão. De acordo com Santos (2004, p. 114), as regularidades são

[...] as evidências significativas, observadas na conjuntura enunciativa da manifestação discursiva em estudo. Essas evidências aparecem como elementos de recorrência, de idiossincrasia enunciativa, ou ainda, de efeito provocado pela natureza na organização dos sentidos na enunciação. É por meio das regularidades que se emoldura com mais clareza o tópico em investigação pelo analista, corroborando, assim, com as projeções determinantes advindas dos objetivos, hipóteses e questões de pesquisa.

Dada uma materialidade discursiva, procura-se evidenciar os sentidos histórico-ideológicos nos discursos que constituem os sujeitos e suas práticas. O corpus – reunião de discursos de uma formação discursiva – expressa a materialidade empírica e objetiva a ser analisada. Trata-se de

[...] um banco de dados relativamente extenso e exaustivo, coletado em documentos grafos condizentes à pesquisa ou documentado (anotado, gravado ou filmado) a partir do dizer dos sujeitos em investigação. O registro do corpus, portanto, refere-se à descrição da ação linguageira, à sua seleção e organização de acordo com uma orientação. (SILVA, 2006, p. 185).

Os discursos do corpus geralmente passam por recortes seletivos, orientados pela intuição do analista quanto a regularidades previstas nos enunciados. Na dispersão, eles calam, mas seus sentidos aproximados, entrecruzados, detidos no âmbito histórico-ideológico, são desentranhados da opacidade e da transparência aparente, evocando outros sentidos que não aqueles encenados na enunciação. Isso distancia os recortes de mera ilustração ou exemplificação, remetendo o analista para o processo histórico-ideológico, para as condições de produção, para a incompletude, para o contingente, isto é, para o discurso.

Esta acepção coloca a análise discursiva no parâmetro de um dispositivo de interpretação, ou seja, “[...] ouvir, naquilo que o sujeito diz, aquilo que ele não diz, mas que constitui igualmente os sentidos de suas palavras” (ORLANDI, 2002, p.

59), apreendendo, deste modo, o funcionamento dos sentidos, a constituição do sujeito.

A performance metodológica desta pesquisa trabalha, assim, com quatro tipos de unidade de análise: o discurso, o fragmento discursivo, a sequência discursiva e o lexema. O fragmento discursivo, a sequência discursiva e o lexema são recortes na extensão do discurso para propósitos da análise: lexema é a unidade básica de um léxico, entendido como oposição a um vocabulário; o lexema é colocado em relação à Língua e o vocábulo em relação à Fala. O fragmento e a sequência discursivos estão para recortes maiores e menores do discurso, respectivamente.

* * *

Como visto neste capítulo, a História das Disciplinas Escolares me permite circunscrever o saber a ser ensinado como recorte dentre outras possibilidades, tais como o saber ensinado e o saber apreendido, o que nos remete diretamente aos manuais didáticos como documentos constitutivos do objeto da pesquisa. Sobretudo, apresenta uma perspectiva pela qual determinados conhecimentos, no ambiente escolar, revelam-se e consolidam-se como disciplinas, sendo ressignificados para um público específico, cumprindo certa finalidade da educação bem como a distribuição dos papeis sociais nas relações de ensino e aprendizagem. E, nessa direção, o currículo e a legislação educacional incluem-se como circunscrição constitutiva do objeto de pesquisa.

As abordagens sobre currículo, em uma perspectiva mais histórica que teórica – embora os laços entre história e teoria não se separem – situam essa tese a pensar historicamente a organização do currículo da Geografia escolar, no período assinalado, quanto aos interesses institucionais de sua proposição, a motivação política, a percepção da aprendizagem discente, o estabelecimento do cotidiano escolar e da metodologia de ensino. A História do Currículo indica que, compreender o currículo e o programa é sondar as relações entre ideologia, poder e saber, bem como a tradição e o constructo histórico inerente à sua composição: a indicação desse caminho faz encontro com a Análise do Discurso como perspectiva teórico-

metodológica, ou a compreensão que tenho do ob jeto em estudo e dos objetivos propostos. A essa discussão se remete o que

compreendo por discurso, sujeito, ideologia, sentido, formação (histórica, ideológica, discursiva), heterogeneidade (constitutiva e mostrada), memória.

No capítulo seguinte, apresento a pesquisa bibliográfica e faço uma discussão descritiva sobre a mesma, expondo aspectos gerais da trajetória do livro didático de Geografia no Brasil.