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Uma perspectiva da investigação psicolinguística diz respeito ao processamento da compreensão leitora, que visa a investigar como se dá a leitura de um determinado texto pelo leitor. Nesse sentido, faz-se necessário explicitar de que forma o processamento da leitura de contos será investigado na presente

pesquisa. Assim, os dois próximos tópicos tratam do resumo, ferramenta utilizada para verificar em que medida se dá a compreensão leitora e, também, dos protocolos verbais, mecanismo de verificação não só da forma como se dá a compreensão, mas também da organização do sujeito para responder a um instrumento de investigação dos conhecimento teóricos que subjazem à leitura.

O processamento da compreensão leitora é formado por um conjunto de processos cerebrais organizados estrategicamente pelos indivíduos para facilitar a compreensão das informações contidas no texto (Fernández, 1992; Kleiman 1989; Solé, 1998). Partindo dessa perspectiva, a tarefa de construir o sentido de um texto, apresenta-se como um trabalho que demanda planejamento de diferentes ordens. Por “processos” entendam-se os acontecimentos que se sucedem durante a atividade da leitura, ou seja, as diferentes operações que compõem uma sequência sistemática para sua realização. Por “processamento‟ entenda-se o conjunto dessas operações, que também são denominadas estratégias ou procedimentos de leitura.

É necessário, quando se propõe uma descrição da leitura, considerar que sua sistematicidade pode ocorrer de maneira diferente de leitor para leitor e que, nesse aspecto, os níveis de processamento serão diferentes entre leitores mais maduros e leitores iniciantes (Pocinho, 2007; MacNamara, 2004; McShane, 2005). Da mesma maneira, as características de cada sequência de estratégias são definidas pela fluência que, por sua vez, define a velocidade da leitura e os níveis de compreensão leitora.

Nesse entendimento, o texto não deve ser visto como um simples conjunto de elementos gramaticais, nem como um repositório de mensagens e de informações (Kleiman, 1996). A leitura é vista como um processo cognitivo que pode ocorrer de forma ascendente – botton up – e de forma descendente – top down (Pereira, 2007). A seleção de uma forma ou outra está baseada num conjunto de variáveis: tipo de texto, objetivo da leitura, conhecimentos prévios do leitor e estilo cognitivo.

Nessa perspectiva, o processamento ascendente se realiza das unidades menores para as maiores. A atenção do leitor se dirige para as pistas visuais do texto. De modo geral, esse processamento é utilizado em situações nas quais o leitor tem poucos conhecimentos prévios sobre o conteúdo ou a linguagem do texto, o objetivo da leitura exige uma abordagem minuciosa e o texto para ler é complexo, exigindo atenção cuidadosa.

Nesse modelo, a leitura ocorre pela ativação de ações psicolinguísticas de decodificação das micro e macroestruturas do texto, envolvendo um movimento que ocorre das palavras para as frases e dessas para períodos. Entende-se que o leitor consegue ler e compreender os diversos textos por meio da decodificação de cada palavra, frase e período, a partir de uma dinâmica que funciona das partes (microestruturas) ao todo (macroestrutura).

O processamento descendente se realiza das unidades maiores para as menores. O leitor se apoia nas informações extratextuais. A leitura é concebida como um processo que se constitui a partir da ativação do conhecimento prévio do leitor, que não apenas contribui com suas expectativas, previsões e conhecimento de mundo como também traz para o texto toda sua compreensão do código linguístico.

O leitor, então, cria hipóteses sobre o texto e a leitura se desenvolve a partir da adição do conhecimento prévio com o do sistema da língua. O texto passa a ser visto como um sistema que funciona pela relação unidirecional do leitor para o texto a partir do processamento de blocos de conhecimento armazenados e ativados no momento da leitura para a construção do sentido global. De modo geral, esse processamento é utilizado quando o leitor tem conhecimento prévio sobre o assunto e a linguagem do texto, seu objetivo exige uma leitura geral, pois o texto é pouco denso, não oferecendo dificuldade de compreensão e possibilitando uma leitura global.

Na década de 80, o texto passa, com o advento da Linguística Textual e em divergência a modelos sistemáticos e subjetivos de leitura, a ser compreendido como uma ação social concebida pelo diálogo entre autor-texto-leitor no qual a leitura se concebe interativa. O texto apresenta-se como uma unidade de significação global construída por meio das relações intrínsecas ao seu sistema. No plano do conteúdo do texto, os significados ordenados oriundos dos signos do conjunto textual podem ser designados pelo sentido desse texto (Fávero e Koch, 2005, 21). A ideia é construir ou reconstruir uma teoria do texto que, entre outros objetivos, diferencie texto, entendido como “mais abstrato, produto de vários componentes, não só gramaticais, como estilísticos, retóricos, esquemáticos” (Fávero e Koch, 2005, 25)

De acordo com Soares (1991), a leitura não é uma atividade de mera decodificação, em que o leitor aprende, compreende e interpreta a “mensagem” do

autor, mas é processo constitutivo do texto: é na interação autor-leitor que o texto é construído, é produzido. Ou seja: o texto não preexiste à sua leitura, pois essa é construção ativa de um leitor que, de certa forma, “reescreve” o texto, determinado por seu repertório de experiências individuais, sociais, culturais.

No que se refere ao entendimento da metacognição, Poersch (1998) destaca a ideia de um monitoramento consciente dos sujeitos sobre suas ações, já que a cognição é um processo mental que permite a apreensão, o processamento e a recuperação de conhecimento, de informação. Assim, os raciocínios metacognitivos e metalinguísticos tendem a potencializar a leitura, uma vez que subjazem a esses conceitos, procurando tecer reflexões sobre a natureza desses processos.

Primeiramente, é necessário distinguir o processo cognitivo e o metacognitivo. Os processos cognitivos dizem respeito aos aspectos pré-conscientes utilizados pelos indivíduos quando desempenham alguma tarefa. São automáticos e inconscientes, portanto, não podem ser controlados ou monitorados.

Por outro lado, os processos metacognitivos são aspectos conscientes. Ao desempenhar uma atividade cognitiva, o ser humano, ao mesmo tempo, utiliza estratégias de ação e de reflexão para atingir o propósito desejado. A partir do uso de estratégias metacognitivas, ele monitora seu comportamento. Ou ainda, como postula Kato (2007), se estratégias cognitivas em leitura designam os princípios que regem o comportamento automático e inconsciente do leitor, as metacognitivas remetem aos princípios que regulam a desautomatização consciente das estratégias cognitivas.

No que diz respeito à cognição e à metacognição em leitura, a autora as diferencia sob forma de máximas. Nesse sentido, propõe o verbo pressupor em atividades que envolvam raciocínio cognitivo, por exemplo: “Pressuponha que o texto seja coerente”; e os verbos explicitar e monitorar em atividades metacognitivas, como em “Explicite claramente seus objetivos para a leitura” e “Monitore sua compreensão tendo em mente esses objetivos”. Assim, o caráter automático fica evidenciado em atividades de leitura com base em pressuposições.

Em contrapartida, o sujeito faz uso de estratégias metacognitivas quando busca monitorar conscientemente sua prática. Quanto à distinção entre metacognição e metalinguagem, Gombert (1992) ressalta que não há um consenso a respeito de a primeira contemplar a segunda. No entanto, objetos da metalinguagem são mais perceptíveis e, provavelmente, manipulados com maior

frequência pelos sujeitos, sendo importantes para o desenvolvimento do pensamento e da metacognição.

Segundo Poersch (1998), a metacognição tem como objeto de interesse a cognição: a busca é pelo saber como se conhece, estabelecer uma reflexão sobre os processos envolvidos nas atividades cognitivas. Saber como se adquire o conhecimento de mundo, como se formam os conceitos, como se abstrai e se generaliza, como se transferem conhecimentos ou como se solucionam problemas são atividades específicas da metacognição.

Para o autor, os objetos da cognição e da linguagem não coincidem: nem tudo que é cognição precisa da linguagem; nem tudo que pertence à linguagem remete à cognição. Enquanto a metacognição focaliza o processo, a metalinguagem detém-se sobre o produto de variadas atividades. Na metalinguagem usa-se a linguagem para compreendê-la, descrevendo os diversos níveis linguísticos, as variedades dialetais, os desvios e as interferências linguísticas, a linguagem infantil, os estilos e as tipologias de discurso, os tipos de argumentação ilustram atividades de metalinguagem. Não obstante, há um elemento imprescindível que estabelece um elo entre elas: a consciência.

Até este ponto do texto tratou-se da cognição e da metacognição. Na próxima seção, serão trazidos os conhecimentos necessários sobre a consciência textual de modo a fazer-se entender como ela se relaciona com uma tese em que se busca uma interface entre Linguística e Literatura.