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Compreendendo que o ser humano é social e suas construções assim o são, a análise dos dados foi feita partindo dessa perspectiva. Para Freitas (2003), a abordagem histórico-cultural e o dialogismo de M. Bakhtin ao compreenderem que o psiquismo é constituído no meio social mediante processos interativos, possibilitados pela linguagem, não há outra trajetória a ser feita se não analisar considerando a necessidade de ultrapassar a dicotomia objetivo/subjetivo, externo/interno, social/individual. O que se deve buscar é compreender o que está além das narrativas situando os sujeitos. Apreender as contradições e as lacunas no material construído é fundamental.

Desse modo, esse processo de apreensão-interpretação-compreensão é feito com o propósito de revelar os temas-sentidos que emergem com maior ou menor frequência – os silêncios são modos de dizer – nos enunciados dos sujeitos – pela repetição ou reiteração – pela importância enfatizada nas falas, ambivalências, contradições, enfim, diante do que muitas vezes não aparece explícito, mas que emergem em uma simples colocação. Assim,

constrói-se um processo que visa a articulação de indicadores, considerando tanto similaridades, complementaridade ou contraposição. Esse percurso ora definido constitui-se como um ponto de partida o qual imaginamos ser fundamental para compreensão dos sentidos dos professores/formadores sobre a formação de alfabetizadores em cursos de Pedagogia.

Como afirmamos antes, para Bakhtin (1988), cada pessoa tem certo horizonte social definido e estabelecido que orienta sua compreensão e que o coloca diante de seu interlocutor com uma forma própria de relacionamento. A partir dessa situação social, do lugar em que se situa é que constrói suas deduções, suas motivações e apreciações. A leitura que faz do outro e dos acontecimentos que o cercam está impregnada do lugar de onde fala. É orientada pela perspectiva teórica que conduz a investigação.

Tudo isso dá um tom específico e diferenciador aos estudos qualitativos na abordagem histórico-cultural, pois na pesquisa, entrevistador e entrevistados não podem fazer desse momento um encontro de psiques individuais, mas como um contexto, onde se desenvolvem experiências produtoras de sentidos. Toda compreensão representa a confrontação de um texto com outros textos: “Um texto vive unicamente se está em contato com outro texto. Unicamente no ponto deste contato é que surge uma luz que ilumina atrás e adiante e que insere o texto dado no diálogo” (BAKHTIN, 1985, p. 384). Nas palavras dos sujeitos há a possibilidade de revelação do que lhe é próprio e muito do mundo que o cerca. Como menciona Vigotski (2001, p. 409), “o pensamento não se exprime na palavra, mas nele se realiza”.

Desse modo, tomando a palavra dos sujeitos, a análise deve concentrar-se não em compreender falas isoladas, o aparente, mas focar no sujeito, seu contexto, por isso, não objetivamos construir verdades absolutas, já que este sujeito e o contexto estão em constante movimento. Não fragmentar as análises nem tão pouco desconectá-las é essencial. Como menciona (AGUIAR, 2006, p. 19), “Esse momento das análises ilumina a construção daquilo que o sujeito atribui como significado e que por isso constitui as bases dos seus sentidos. Revelar e objetivar os conteúdos expressos pelos sujeitos, esse é o papel da análise na abordagem histórico-cultural”.

No processo de análise das entrevistas, após construção e sistematização das falas por meio da transcrição, é preciso extrair os sentidos a partir de expressões, as quais articulem compreensões, concepções, entendimentos em especial sobre alfabetização e formação

docente no contexto estudado. É preciso buscar nas falas aquilo que lhe é mais próximo mais significativo, que revele o movimento do sujeito na pesquisa (AGUIAR, 2006).

Para aprofundar as análises inicia-se adentrando em categorias estruturantes da pesquisa, alfabetização e formação docente, avançando para uma articulação entre ambas a fim de compreender, neste processo, semelhanças e/ou contradições no movimento de constituição do sujeito, de suas concepções, significações, sentimentos, emoções, enfim, daquilo que o forma e o torna o que é ou o que está sendo. Entretanto, as contradições nem sempre estão explícitas no discurso, o que requer do pesquisador analisar o movimento dos sujeitos. É isso que revela suas determinações constitutivas. Como mencionou Vygotsky (1991), um corpo só se revela no movimento, por isso, só é possível realizar uma análise que dê conta de entender como os sujeitos compreendem determinado processo quando integrarmos suas significações.

Em nosso percurso investigativo guiou-nos a premissa de que investigar as questões que nos propomos exige de nós um afastamento, pois na multiplicidade de papéis- posições sociais que assumimos – pesquisadora-professora-formadora – e que se faziam presentes nas situações de entrevista-interlocução com as professoras partícipes, seria preciso buscar assumir, nesses contextos, o papel-lugar de pesquisadora e, portanto, transitar entre dois mundos e interagir com os sujeitos-partícipes nessa condição, tendo a clareza de que esta demarcava nossas interações, nossos discursos.

Mas o que nos conduziu tomou por base o que aprendemos a partir das disciplinas e atividades desenvolvidas desde nossa entrada no Programa de Pós-Graduação em Educação da UFRN, especialmente das atividades realizadas no ateliê de pesquisa da linha à qual estamos vinculadas. Percebemos o quanto o nosso objeto de estudo é constituído em um processo de idas e vindas de retomadas e, especialmente, de desconstruções. As interações estabelecidas com nossa orientadora, com colegas de turma, nos revelaram dentre tantos aspectos a convicção de que, as certezas, no desenvolvimento da pesquisa, são de fato provisórias.

E nesta provisoriedade que somos nós, e que por sua vez são também nossas certezas, expressamos mais uma vez que as construções nesse trabalho, as feitas e aquelas que estão por vir, são, na verdade, reveladoras daquilo que vivemos ou daquelas nossas experiências passadas que contribuíram para o que somos atualmente. Como bem afirma

Exupery: “sou um pouco de todos que conheci; Um pouco dos lugares que fui; Um pouco das saudades que deixei. E sou muito das coisas que gostei.

Assim, definido o percurso teórico metodológico, cabe seguir com o trabalho na direção de construir outras etapas que priorizam revelar os diversos sentidos em torno das questões que envolvem a Alfabetização e a Formação docente para alfabetizar, a fim de compreender os processos de constituição dos sentidos dos professores/formadores de cursos de Pedagogia em relação à formação de alfabetizadores neste contexto.

3 CURSO DE PEDAGOGIA E FORMAÇÃO DE PROFESSORES

O objetivo desse capítulo é analisar o lugar da docência e, consequentemente, da formação de professores em cursos de pedagogia e, ao mesmo tempo, estabelecer relações com a especificidade da formação de professores alfabetizadores. Portanto, nesse capítulo dialogamos com a produção acadêmica no que diz respeito às questões que envolvem a formação docente e de que forma essa questão é assumida nos cursos de pedagogia.

Trilhamos uma trajetória na qual analisamos o que de mais recorrente emerge das produções acadêmicas voltadas para análise do curso de Pedagogia no Brasil, constituindo as bases para analisar os cursos por nós investigados neste estudo – UEMA, UFMA e UVA na cidade de São Luís-MA – dando destaque ao lugar que a docência em sala de aula tem assumido no referido curso, em especial às questões que envolvem a formação de professores, suas concepções e as possibilidades de formar alfabetizadores nesse contexto.

Nossas reflexões estão embasadas na produção acadêmica que discute e problematiza o Curso de Pedagogia como contexto de formação de professores e a identidade do pedagogo a partir das Diretrizes Curriculares Nacionais para o Curso de Pedagogia em vigor. No que se refere à discussão mais específica da formação de professores alfabetizadores em cursos de Pedagogia, dialogamos com alguns trabalhos – Dissertações, Teses e pesquisas – já produzidos e que apontam questões importantes que ajudam a compreender melhor nosso objeto de investigação.

Entendemos que a docência para educação infantil e anos iniciais do ensino fundamental deve ser prioridade para o curso de Pedagogia, por isso trabalhamos com alguns autores que, mesmo não compartilhando desse entendimento, contribuem significativamente em suas produções com reflexões importantes acerca do curso de Pedagogia, sua história e seu processo de constituição.

De início, esclarecemos sobre os documentos oficiais que compõem essa análise. É importante salientar que as Diretrizes Curriculares Nacionais para o Curso de Pedagogia

(DCNCP)6 recebem maior destaque, visto que consideramos fundamental situar nossas reflexões a partir das questões que emergem do referido documento, por entender que a compreensão das questões que envolvem o curso de Pedagogia no contexto atual – a formação de professores – deve tomar como ponto de partida as citadas Diretrizes. Além disso, é importante ampliar a análise para outros documentos que ajudem a compreender os desafios em torno da docência dos anos iniciais do ensino fundamental por ser nesta etapa da educação básica que o processo de alfabetização deve se desenvolver. Portanto, se o curso de pedagogia tem como uma de suas finalidades principais formar este profissional é preciso compreender as bases sobre as quais o ensino fundamental sustenta-se. Por isso, analisamos também as Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Fundamental (DCNEF)7 e As Diretrizes Curriculares Nacionais para Formação de Professores da Educação Básica (DCNFPEB)8.

De um modo geral, a questão que nos mobiliza em torno desse capítulo é a seguinte: por que discutir a formação de professores e, consequentemente, do professor alfabetizador, no contexto de cursos de pedagogia? Para responder a essa questão, nossas análises serão feitas refletindo sobre o curso de Pedagogia em nível nacional e, por sua vez, nos cursos por nós investigados.

3.1 CURSOS DE PEDAGOGIA NO BRASIL E A DOCÊNCIA: ELEMENTOS