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Processo de trabalho em saúde e enfermagem e saúde do(a) trabalhador(a)

4 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

4.1 PROCESSO DE TRABALHO, PROCESSO DE TRABALHO EM SAÚDE E ENFERMAGEM

4.1.2 Processo de trabalho em saúde e enfermagem e saúde do(a) trabalhador(a)

O setor de serviços é parte de totalidades histórico-sociais, e nas sociedades capitalistas é influenciado pela lógica da acumulação de capital, assim como pela tecnologia e pelas formas de organização do trabalho utilizadas em outros setores, especialmente na indústria. A organização do trabalho no setor de serviços foi influenciada pelo taylorismo e fordismo e também pela informática e pela automação microeletrônica (PIRES, 2008).

Para Peduzzi (2003), o trabalho em saúde caracteriza-se como trabalho reflexivo, que objetiva a prevenção de doenças, a manutenção ou restauração de ‘algo’ – a saúde –, essencial ao conjunto da sociedade. Particularmente sobre o processo de trabalho dos profissionais de saúde, Pires (2008, p. 161) refere que:

o processo de trabalho dos profissionais de saúde tem como finalidade – a ação terapêutica de saúde; como o objeto – o indivíduo ou grupos doentes, sadios ou expostos a risco, necessitando medidas curativas, preservar a saúde ou prevenir doenças; como instrumental de trabalho – os instrumentos e as condutas que representam o nível técnico do conhecimento que é o saber de saúde e o produto final é a própria prestação da assistência de saúde que é produzida no mesmo momento em que é consumida.

Desenvolvido no hospital ou no espaço ambulatorial, o ato assistencial em saúde se realiza, na maioria das vezes, na forma de trabalho coletivo envolvendo vários profissionais que têm os conhecimentos necessários para assistir a pessoa ou grupos de indivíduos com carências de saúde (PIRES, 2008).

Na maioria das instituições de saúde cada grupo profissional se organiza e desenvolve parte da assistência de saúde, majoritariamente, com pouca integração de saberes e fazeres. Como refere Pires (2008, p. 172),

a organização dos serviços segue a lógica das especialidades, que é a lógica da fragmentação, do parcelamento do homem, correspondente ao modelo biológico positivista de entendimento das doenças. Esse modelo tem dado sinais de esgotamento, tanto para o entendimento da manifestação das doenças no homem e do seu comportamento epidemiológico, quanto tem sido insuficiente para determinar medidas terapêuticas eficazes.

A enfermagem é uma das profissões da saúde formada e desenvolvida por trabalhadores especializados e qualificados, que realizam atividades socialmente necessárias – o cuidado de pessoas em todo o processo de viver. Como trabalho do tipo profissional esses trabalhadores dispõem de, e produzem, conhecimentos que os capacita para atuar nas três dimensões do trabalho da enfermagem: cuidar, educar e gerenciar (PIRES; KRUSE; SILVA, 2006).

Sendo uma das profissões da área da saúde, a enfermagem, cujo foco é o cuidado ao ser humano, seja individualmente, na família ou na comunidade, atua em equipes desenvolvendo ações de promoção à saúde, prevenção de doenças, recuperação e reabilitação da saúde. A enfermagem se responsabiliza pelo cuidado, coordena setores para a prestação da assistência e promove a autonomia dos pacientes através da educação em saúde (ROCHA; ALMEIDA, 2000).

Conforme Pires,

O cuidar em enfermagem, em termos genéricos, tem o sentido de promover a vida, o potencial vital, o bem estar dos seres humanos na sua individualidade, complexidade e integralidade. Envolve um encontro interpessoal com objetivo terapêutico, de conforto, de cura quando possível e, também, de preparo para a morte quando inevitável (PIRES, 2009, p. 742).

Entretanto, apesar do reconhecimento da importância do trabalho da enfermagem, existe um paradoxo entre esta responsabilidade e as condições de trabalho oferecidas aos(às) trabalhadores(as), o que pode levar ao sofrimento mental e ao adoecimento.

Para Dejours (2003) a organização do trabalho desempenha uma ação sobre o ser humano cujo impacto é observado no aparelho psíquico. Em certas condições, surge um sofrimento que pode ser devido ao choque que ocorre entre uma história individual, constituída de projetos, esperanças e desejos, e uma organização do trabalho que os desconhece. Esse sofrimento, de caráter mental se inicia quando a pessoa no trabalho não pode modificar sua tarefa para torná-la conforme as suas necessidades e desejos. Ocorre, dessa forma, um bloqueio da relação homem-trabalho. A organização do trabalho relaciona-se à divisão do trabalho, sistema hierárquico, conteúdo da tarefa, formas de comando, relações de poder, questões de responsabilidade, dentre outros.

As más condições de trabalho colocam o corpo em risco de acidente, doenças profissionais, aumento do índice de morbidade, diminuição do período de vida, entre outras. Nas condições de trabalho o corpo é que é atingido, na organização do trabalho, o alvo é o funcionamento mental (DEJOURS, 2003).

Os acidentes, a doença e a morte não são acontecimentos isolados em seu âmbito restrito, existindo uma inter-relação entre os fatos, condições e consequências, devendo-se perceber que as relações que se estabelecem nesse âmbito não ocorrem entre iguais. Não são encontrados, apenas, de um lado, alguém que vende a sua força de trabalho e, de outro, aquele que a compra (MENDES; MORRONE, 2002).

De acordo com Azambuja e colaboradoras (2010), trabalhadores da enfermagem desenvolvem suas atividades laborais em diferentes instituições, convivem cotidianamente com diversas cargas de trabalho e estão expostos a situações de risco ocupacional.

Conhecer as cargas de trabalho presentes em um ambiente de trabalho possibilita controlá-las, o que poderá reduzir seus efeitos. Laurell e Noriega (1989) caracterizaram e agruparam as cargas de trabalho em físicas, químicas, biológicas, mecânicas, fisiológicas e psíquicas. Baseadas na formulação desses autores, Kirchhof e colaboradoras (2011) descreveram e subdividiram as cargas de trabalho na enfermagem em:

- Cargas físicas: ruído, calor e frio, umidade, iluminação, contato com fibras vegetais, radiações.

- Cargas químicas: pós, medicamentos, fumaça, vapores, gases, líquidos, como desinfetantes, e pastas.

- Cargas biológicas: micro-organismos (originários de doenças infectocontagiosas, fluidos e secreções, manipulação de materiais contaminados) e vetores.

- Cargas mecânicas: provenientes dos instrumentos de trabalho e materiais que fazem parte do ambiente de trabalho, sem manutenção, ou quando não são projetados e/ou instalados de modo adequado e causam lesões, como contusões, fraturas, feridas.

- Cargas fisiológicas: resultantes do esforço físico, das posições inadequadas e da ruptura no ciclo circadiano provocada pela alternância no turno de trabalho.

- Cargas psíquicas: classificam-se como sobrecarga e subcarga psíquica. A sobrecarga psíquica é ocasionada por situações em que a tensão é prolongada; a subcarga psíquica é causada pelo uso limitado do conhecimento e habilidades do trabalhador na realização do seu trabalho.

Kirchhof et al. (2009) constataram que trabalhadores de enfermagem expostos, ao mesmo tempo, a altas demandas psicológicas e a baixo controle no trabalho, com alta exigência, apresentaram chances duas vezes maiores de ocorrência de Distúrbios Psíquicos Menores do que os não expostos, com baixa exigência.

Magnago et al. (2010) identificaram uma alta percentagem de dor e desconforto musculoesqueléticos como um importante problema de saúde entre trabalhadores de enfermagem de um hospital universitário público. Destacaram-se como significantes para a ocorrência de distúrbio musculoesquelético, nesse estudo, integrar a categoria de auxiliares e técnicos em enfermagem, trabalhar em UTI, unidades clínicas e de urgência e emergência, o trabalho no turno noturno e estar exposto a altas demandas físicas.

Em estudo realizado com auxiliares e técnicas de enfermagem de um hospital público identificou-se uma alta exposição ocupacional a movimentos repetitivos com as mãos, posturas inadequadas do tronco, posturas em pé e andando, e levantamento de carga. Os distúrbios osteomusculares relacionados ao trabalho (DORTs) verificados nessas trabalhadoras, assim como a exposição a demandas físicas e psicossociais, revelam a importância da atenção que deve ser dada à categoria profissional da enfermagem e às suas condições de trabalho (RIBEIRO et al., 2012).

A exposição a cargas de trabalho origina um perfil de morbidade pouco conhecido pelos órgãos da esfera pública e gerentes

institucionais. Da mesma forma pouco se conhece o quanto esses problemas de saúde causam gastos que são pagos pela previdência social. Nesse sentido, o fato de o Estado e seus cidadãos arcarem com um ônus que é das instituições que permitem o adoecimento dos seus trabalhadores é uma questão que requer uma discussão ética e política (FELLI, 2012).

É preciso atentar para as repercussões resultantes do desgaste causado pelas cargas de trabalho, que podem trazer consequências nefastas para a vida do(a) trabalhador(a) de enfermagem, nas suas múltiplas dimensões.

4.2 ASPECTOS LEGAIS: SAÚDE DO(A) TRABALHADOR(A) E