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2.1 O Estado da Arte

2.1.2 Processo de trabalho na Enfermagem

Antunes (2001) apresenta uma expressão contemporânea para o conceito marxiano de classe trabalhadora, ou seja, “classe-que-vive-do-trabalho”, visando abordar a amplitude que envolve o ser social que trabalha, sua efetividade, processualidade e concretude. Para este autor, a “classe-que-vive-do-trabalho” é formada pelos trabalhadores produtivos e improdutivos. O trabalhador produtivo é aquele que produz diretamente mais-valia, atuando efetivamente no processo de valorização do capital, enquanto que o trabalhador improdutivo é aquele que atua em serviços, no nosso caso, os serviços de enfermagem, não constituindo como um trabalhador diretamente produtivo, na criação de mais-valia, pois o trabalho produzido tem valor de uso e não valor de troca imediata.

Este autor afirma, porém, que, no capitalismo contemporâneo, o trabalho improdutivo encontra-se em expansão, havendo uma grande imbricação entre trabalho produtivo e improdutivo, em virtude das grandes mutações que vem sofrendo o mundo do trabalho, fazendo surgir uma maior inter-relação, interpenetração entre essas formas de trabalho e a incorporação de aspectos que envolvem a esfera comunicacional e a intersubjetividade.

O processo de trabalho envolve o ser humano e a natureza. O ser humano, ao agir junto à natureza, o faz de forma preestabelecida, em que o resultado obtido é fruto de sua prévia imaginação do produto final. O ser humano deve ficar alerta, pois ao modificar a natureza está modificando sua própria natureza. Portanto, faz-se necessário, refletir acerca dos elementos que compõem o processo de trabalho, ou seja:

(1) a atividade adequada a um fim, isto é, o próprio trabalho; (2) a matéria a que se aplica o trabalho, o objeto de trabalho; (3) os meios de trabalho, o instrumental de trabalho (MARX, 1982, p.202).

Sob essa ótica entendo como tarefa profissional ou o próprio trabalho da enfermagem - o cuidado terapêutico, ou seja, uma ação de cuidar que visa transformar

um estado percebido de desconforto ou dor em um outro estado de mais conforto e menos dor, portanto tem uma perspectiva terapêutica sobre um objeto animado, que tem uma natureza física e social (LEOPARDI, et al., 2001, p. 39). O cuidado

enfermagem, um ato com intenção terapêutica, tanto no âmbito curativo, quanto preventivo. Exige uma alta competência técnica, compromisso ético, além de uma coerência entre a ação e o conhecimento e, uma percepção de práxis transformadora e emancipadora (LEOPARDI, 1997).

Já, o objeto do processo de trabalho da enfermagem para o cuidar, consiste no corpo do ser humano, o qual, conforme Leopardi et al. (2001) consiste no corpo biológico, vivido, consciente, transformado, possuído pelo espírito e também pela doença. Esse corpo, ao mesmo tempo, une as condições de consumidor, objeto e produto, diferenciando-se dos objetos no sistema de produção material, pois ele não se modifica em um outro produto, com uma nova existência, ao final do processo de trabalho, mas sofre a ação do cuidado terapêutico, dela resultando numa condição ou estado diferente de antes, conforme as suas possibilidades bio-psico-sociais.

Nesse estudo, em virtude do Modelo para o trabalho em enfermagem servir como uma ferramenta mediadora da Teoria dos Vínculos Profissionais e auxiliar o enfermeiro na função gerencial, o objeto de trabalho passa a ser a equipe de enfermagem.

Para ação do cuidado terapêutico, os profissionais de enfermagem necessitam de ferramentas apropriadas, os instrumentos que possibilitam a transformação da condição de sofrimento ou de ignorância sobre saúde para alívio ou cura, ou para uma maior consciência de si e dos meios para alcançar melhores níveis de saúde. Segundo Marx (1982), o meio, os instrumentos de trabalho corresponde a:

... uma coisa ou um complexo de coisas, que o trabalhador insere entre si mesmo e o objeto de trabalho e lhe serve para dirigir sua atividade sobre esse objeto. Ele utiliza as propriedades mecânicas, físicas, químicas das coisas para fazê-las atuarem como forças sobre outras coisas, de acordo com o fim que tem em mira (p. 203).

Arendt (1997) explica a origem dos instrumentos ou ferramentas ao abordar que o “animal laborans” consegue escapar à sua difícil situação como prisioneiro do ciclo infindável do processo vital, à eterna sujeição ao inevitável labor e ao consumo, somente pela mobilização de outra capacidade humana, atribuído ao “homo faber”, ao

tornar possível o fazer, o fabricar, o produzir e o construir instrumentos, os quais têm a premissa básica de atenuar as dores e fadigas do labor, tornando mais fácil a vida do ser humano.

A mesma autora expõe que, com o aparecimento do “homo faber”, nenhum trabalho pode ser produzido sem ferramentas e instrumentos, assim determinando, com relação ao labor, que as ferramentas e instrumentos reforçam e multiplicam a força humana até quase substituí-la, elas também diminuem o esforço e a dor, mudando a percepção, quanto a necessidade inerente ao labor. Não muda a necessidade em si, mas servem para escondê-la de nossos sentidos. As ferramentas e instrumentos que podem

suavizar consideravelmente o esforço do labor não são, eles mesmos, produtos do labor, mas do trabalho; não pertencem ao processo do consumo: são parte integrante do mundo de objetos de uso (ARENDT, 1997, p.134).

Se os instrumentos de trabalho na enfermagem são entendidos, segundo Leopardi (1999), como meios ou suportes para o desenvolvimento de atividades que necessitam de habilidades, e que estas podem ser desencadeadas somente mediante o uso desses meios, é preciso, porém, muita atenção e responsabilidade na sua utilização, para que não se tornem instrumentos de manipulação do coordenador em relação aos demais trabalhadores. O conhecimento se insere como elemento essencial da prática profissional, sendo também, junto com métodos, instrumento de trabalho (LEOPARDI, s.d.).

O “homo faber” inventor de instrumentos, construiu os utensílios e ferramentas para desenvolver e formar um mundo, e não para auxiliar no processo vital humano. Desta forma, a questão principal não está em saber se somos senhores ou escravos de

nossas máquinas, mas se estas ainda servem ao mundo e às coisas do mundo ou se, pelo contrário, elas e seus processos automáticos passaram a dominar e até mesmo a destruir o mundo e as coisas (ARENDT, 1997, p.164).

As primeiras máquinas da era moderna possuíam um caráter independente do caráter humano, mas em seu contínuo processo de desenvolvimento, os aparelhos que antigamente manejávamos tão livremente, agora são como partes integrantes do nosso corpo, como as carapaças das tartarugas. Sob esse prisma, a tecnologia já não é mais vista como um produto do esforço do ser humano visando multiplicar a força material,

mas sim uma evolução biológica da humanidade, sendo que os materiais inatos aos indivíduos são acoplados, de forma crescente, para o meio em que vive o ser humano (ARENDT, 1997).

As ferramentas são projetadas para garantir a existência do produto final, pois que a ele deve ser adequado e, é esse que organiza o processo de trabalho, delimitando a necessidade de especialidades, número de pessoas envolvidas, quantidade e qualidade de cooperação. Assim podemos afirmar que, é justificável, pertinente e necessário desenvolver ferramentas apropriadas ao cuidado terapêutico e à gerência assistencial, para que possamos assegurar um resultado satisfatório.

Na enfermagem existe um número significativo de instrumentos metodológicos para subsidiar o cuidado terapêutico. Este estudo, porém, na direção da função gerencial do trabalho da enfermagem, tem o propósito de construir um modelo para a formação e afirmação de vínculos profissionais, a partir da sensibilização dos enfermeiros para o fato da utilização do conhecimento dos estudiosos das relações interpessoais, visando qualificar a equipe de enfermagem e afirmar a dimensão da subjetividade e, assim, aprimorar o cuidado terapêutico ao cliente.

Acredito que com a utilização do Modelo para o trabalho em equipe na enfermagem, entendido como uma ferramenta mediadora de trabalho na enfermagem, torna mais seguro para o enfermeiro assumir a responsabilidade, no desenvolvimento do cuidado terapêutico, visto que várias vezes não é ele que executa as atividades junto à clientela, mas responde legal e moralmente pelo fazer da equipe.

Conforme Arendt (1997), toda atividade humana exige um certo grau de qualificação. Mas o que é comprado e vendido no mercado de trabalho não é qualificação do indivíduo e sim a sua força de trabalho (labor), que deve ser, em quantidade, semelhante em todos os seres humanos. Com relação ao trabalho manual e intelectual, ou seja, entre aquele que trabalha com as mãos e o que trabalha com a cabeça, mais uma vez a conexão ocorre pelo processo de labor – no último caso, realizado pela cabeça, e no primeiro, por outra parte do corpo. Sob essa ótica, o processo de pensar é menos produtivo que o labor, pois não se materializa em objetos. Sempre que o trabalhador intelectual deseja manifestar suas idéias necessita usar as mãos como qualquer outro trabalhador, para objetivá-las e torná-las úteis.

Essa abordagem nos faz refletir e detectar que a enfermagem, enquanto disciplina profissional, precisa reconhecer a distinção entre trabalho intelectual e manual existente entre os membros da equipe, e ir em busca de meios para minimizar essa distinção, valorizando o agir cooperativo, no qual todos os componentes da equipe de enfermagem concentrem seus esforços para a realização do cuidado terapêutico.

Apesar de levar em consideração que a enfermagem não pode desvencilhar-se de sua determinação social, que produziu, historicamente, a divisão sexual, social e técnica do trabalho humano, é possível, por parte do enfermeiro, enquanto coordenador da equipe, tratar seus companheiros de acordo com pressupostos de simetria e complementaridade, com práticas democráticas no interior da equipe.

Mesmo sabendo que não poderá promover igualdade legal no exercício profissional, no salário, na competência técnica (por conta do ensino diferenciado) e na responsabilização social do exercício da enfermagem, pode incitar um espírito crítico, no qual as situações de conflitos tornem-se visíveis, com vistas a um agir para a solução dos problemas de forma compartilhada com todo o grupo de trabalho, visando promover um espírito de cordialidade, prazer e alegria no ambiente de trabalho e propiciar um clima favorável à promoção do cuidado terapêutico à clientela que procura os serviços de saúde.

Cabe reforçar a configuração plural do trabalho da enfermagem e que, de acordo com Capella e Leopardi (1999), caracteriza-se por envolver:

... diversas categorias profissionais, é também coletivo e ocorre por distribuição de partes dele entre seus diversos agentes [...] as ações são hierarquizadas por complexidade de concepção e execução, o que exige habilidades diferentes, para o manejo dos diversos instrumentos e métodos (p. 145).

Além disso, no conjunto das ações de saúde, é preciso considerar o processo de trabalho do enfermeiro como complementar e interdependente, influenciando e sendo influenciado pelos membros da equipe de enfermagem e pela equipe multiprofissional, tendo como foco uma tarefa bem delimitada, ou seja, a promoção do cuidado

terapêutico à clientela dos serviços de saúde. Para tanto, acredito que os preceitos teóricos das relações interpessoais grupais têm muito a contribuir ao saber e a prática da equipe de enfermagem, no sentido de aproximar o máximo possível o trabalho e a vida, como partes que são dela mesma, abrindo espaço para que os vínculos estabelecidos durante a jornada assistencial, sejam implicados com o desejo de prestar um serviço humano e competente.