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1. PROBLEMÁTICA DA FAMÍLIA NO CUIDAR DE UM DOENTE

1.2. Processo Familiar

O processo familiar é a interacção contínua entre membros da família, através do qual, eles realizam as suas tarefas instrumentais e expressivas, tornando as famílias únicas (Hanson, 2005).

A entrada na família de um membro dependente no autocuidado implica a necessidade de reorganizar as interacções familiares, “…no sentido de se adaptarem ao processo de

transição, com implicações sociais, económicas e estruturais” (Jorge, 2004, p. 26), pois a

interdependência que se gera entre os membros de uma família, justifica que o que acontece a um dos seus elementos se reflicta nos restantes, intervindo na dinâmica familiar e com repercussões no bem-estar de todos.

Em cada família, cada elemento possui um determinado papel e uma determinada função, que se inter-relacionam com os dos restantes elementos, ocupando vários papéis em simultâneo, como por exemplo, marido, mulher, filho ou irmão. Papéis estes, que não são mais do que, “as expectativas de comportamento, de obrigações e de direitos que

estão associados a uma dada posição na família ou no grupo social” (Duvall ; Miller cit. in

Stanhope, 1999, p. 502). Cada família adequa os papéis familiares e os comportamentos esperados dos seus elementos tendo em conta a estrutura e as forças internas e externas à unidade familiar.

Segundo o ICN (2000, p.67) interacção de papéis é “…um tipo de acção interdependente

com as seguintes características específicas: interagir de acordo com um conjunto implícito de expectativas, papéis e normas de comportamento esperados pelos outros”.

Em situações de doença, um indivíduo pode não ter preparação adequada ao desempenho de um determinado papel e não responder às expectativas sociais, gerando-se um conflito, como acontece frequentemente nestas situações, um ou mais elementos da família têm que aprender a cuidar e aprender a ter novos papéis dentro da família, que, até então eram desempenhados pela pessoa afectada, obrigando a uma reorganização familiar rápida, que nem sempre é possível, originando assim disfunções familiares. Na perspectiva de Hanson (2005, p. 94) “Isto frequentemente requer uma

grande adaptação por parte de todos os membros familiares, que é conseguida através da comunicação, da tomada de decisões, e de outras estratégias de coping”.

Podemos identificar no processo familiar os papéis familiares, a comunicação, o poder a tomada de decisão, satisfação conjugal e as estratégias de coping.

Em relação aos papéis e segundo Nye (1976) citado por Hanson (2005), temos como característicos os seguintes:

- Socialização da criança, relacionado com as actividades contribuintes para o

desenvolvimento das capacidades mentais e sociais da criança;

- Cuidados às crianças, tanto físicos como emocionais, perspectivando o seu

desenvolvimento saudável;

- Papel de suporte familiar, que inclui a produção e/ ou obtenção de bens e serviços

necessários à família;

- Papel de encarregados dos assuntos domésticos, onde estão incluídos os serviços

domésticos, que visam o prazer e o conforto dos membros da família;

- Papel de manutenção das relações familiares, relacionado com a manutenção do

contacto com parentes e implicando a ajuda em situações de crise;

- Papéis sexuais, relacionado com as relações sexuais entre ambos os parceiros;

- Papel terapêutico, que implica a ajuda e apoio emocional aquando dos problemas

familiares;

- Papel recreativo, relacionado com o proporcionar divertimentos à família, visando o relaxamento e desenvolvimento pessoal.

Relativamente à atribuição de papéis é de salientar, que deve existir alguma flexibilidade, assim como a possibilidade de troca ocasional desses mesmos papéis, aquando, por exemplo, um dos membros não possa desempenhar o seu. Cada família tem uma pessoa que é perita em determinado papel. Numa situação de doença dessa pessoa vai desencadear na família tensão para alguém o desempenhar. Essa tensão vai ser originada pela falta de capacidade da família não conseguir definir a situação. Isto é originado muitas vezes por a família ter falta de conhecimento desse papel que era desempenhado por essa pessoa afectada.

Ao tentar atribuir esse papel a outro familiar, ou mesmo quando um deles tenta por iniciativa própria o realizar, origina dentro da família a falta de consenso no papel, podendo isto levar ao chamado conflito no papel e por fim resultar na saturação do papel. Isto acontece muitas vezes ao chamado “prestador de cuidados” na família.

A comunicação na família pode ser verbal ou não verbal mas exige uma comunicação eficaz. A comunicação deve ser feita com regras claras, flexibilidade, clareza na verbalização de sentimentos, liberdade para exprimir, receptividade e reconhecimento. O poder é outro item do processo familiar. O exercício do poder é um processo dinâmico e multidimensional. No contexto social este pode fazer-se por duas vias: social e

subversivo. O poder conjugal do homem está relacionado com o processo de socialização, o contrato nupcial e os recursos económicos.

A tomada de decisão resulta da relação entre a comunicação e o poder, devendo ser um esforço colectivo e democrático sendo essencial no processo de doença.

A satisfação conjugal é alta entre os casais recentes e os casais mais velhos. A presença de filhos em casa reduz a satisfação conjugal devido às preocupações que eles trazem e dos papéis que os progenitores têm que desempenhar para a sua socialização, levando a ocupar muito tempo da sua vida relacional. Porque como diz Hanson (2005, p.101), “quando há menos tempo para a interacção, há menos felicidade”. Há autores que para além deste factor, consideram a equidade do trabalho fora de casa da mulher e as restrições de tempo como outros factores que interferem na satisfação conjugal.

Por fim temos as estratégias de coping. Cada família tem as suas próprias vivências que podem ser ou não adequadas em momentos de stress; caso essas vivências tenham experiências positivas no passado, a família numa situação idêntica vai adoptar essa resposta.

Apesar de haver diversas estratégias de coping, elas são agrupadas em três grandes categorias, sendo as respostas que mudam o acontecimento causador de stress, respostas que controlam o significado do acontecimento causador de stress e por fim as respostas que controlam o próprio stress.

Estas estratégias são influenciadas pela estrutura, funções, processos, recursos de tempo, energia, dinheiro, conhecimento, capacidade da família para e as experiências anteriores. Como podemos ver, a situação de doença origina respostas a nível familiar e se esta família tiver experiência destas situações facilmente ultrapassa os problemas impostos por esta.

Em síntese, e no âmbito da unidade básica da sociedade - a família, caracteriza-se pelo seu desenvolvimento processual, que emerge das transformações interactivas resultantes dos processos de reciprocidade que ocorrem no contexto. “Nesta complexa

rede de interacções, o comportamento de um membro da família afecta o dos outros e o da família enquanto sistema; reciprocamente, as mudanças verificadas no sistema familiar afectam o comportamento individual de cada um dos seus membros” (Jorge,

2004, p.17). Daí que a inclusão da família como alvo dos cuidados, requer a compreensão da sua complexidade, tendo em consideração as suas necessidades como um todo, e não apenas as do indivíduo.

O papel da família durante a hospitalização como mediadora próxima da pessoa doente, mas também enquanto elemento da equipa terapêutica e cuidadora, é abordado em seguida.