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4. PRESTADOR DE CUIDADOS versus NECESSIDADES DO DOENTE

5.4. Sentimentos do Cuidador face ao regresso a casa

O cuidador informal é a pessoa que assume a responsabilidade de prestar cuidados. Esta tarefa afecta necessariamente o quotidiano do seu núcleo familiar. Assumir o papel de cuidar de alguém é um processo complexo que revela muitas dificuldades. Perante estas dificuldades os cuidadores transmitem sentimentos que são fruto da vivência deste processo.

A experiência de tomar conta de alguém é nova na maioria dos casos. A família necessita de se adaptar a este novo papel e depara-se muitas vezes com intercorrências a nível pessoal, familiar profissional e social.

No momento da alta, as famílias quando questionadas sobre a sua preparação para receber o membro dependente em casa reagem de diversas formas, pois cada família vivência este processo de forma única.

Quadro 19 – Sentimentos do Cuidador face ao regresso a casa

O sentimento de impotência é gerado pelo desconhecimento da própria situação “Será o

que Deus quiser” (E1). A incapacidade para agir ou alterar o rumo da situação está

presente. A complexidade do processo de cuidar revela sentimentos de insegurança e impotência. Resultados de outros trabalhos sustentam esta afirmação (Pinto et al., 2010). Afirmações como “Que remédio ela não vai ficar lá... ” (E1) podem estar relacionadas

Área Temática – Sentimentos do Cuidador face ao regresso a casa

CATEGORIAS SUBCATEGORIAS UNIDADES DE REGISTO

Sentimentos do Cuidador face ao

regresso a casa

Impotência “Que remédio, ela não vai ficar lá (…) será o que Deus quiser” E1 “Pois, que remédio, que hei-de fazer?” E3

Ambivalência “…e há uma a gente está mortinho que ela venha para casa, por outra a gente fica assim, …” E1

Capacitado para Cuidar “Sinto-me preparada” E2 “… estou preparada…” E4

Insegurança/Incapacitado para Cuidar

“…a gente fica assim (…) será que eu vou conseguir, será que não vou conseguir, …” E1

“ Estou com muito medo, muito frio na barriga, …” E4 “…Eu acho que sinto…” E6

“…há coisas que me metem aflição, por exemplo, ela gemer para mim… o ela se queixar e não saber o que hei-de fazer é complicado,…” E4 Coping/Transição/Dever de

Enfrentar

“Tenho que enfrentar a vida” E3

Incerteza/Rejeição

“Posso dizer que não tenho os medicamentos à mão, ou que não tenho o soro, tenho as ambulâncias e num instante se chamam” E1

“Eu não sei. Eu gostava que tivesse mais uns dias mas a doutora é que sabe. Acho que ele ainda está assim muito (…) não sei” E3

“…isso não sou eu que sei. São os médicos. É assim, nós nunca pensamos que as pessoas quando estão doentes, quando vão para casa que estão preparados para ir para casa, não é? (…) há outras pessoas que concerteza precisam da cama…” E4

Não demonstra Aceitação do Estado de Saúde

“Ele preparado, preparado, não estava. Estaria pior do que está agora, mas como a gente já sabe que eles, estas pessoas não as querem lá, que não estão lá a fazer nada, estão a ocupar o espaço para outros, mas deviam ter avisado com um bocadinho mais de antecedência, e a gente arranjava-se naquele espaço.” E5

“Ao fim de dois dias, já me queriam mandar vir aprender a lavá-la e a limpá-la, vou ter que cuidar dela, porque ao fim desta semana quando lhe deu a paralisia que tinha que ir para casa. Foi um balde de água, não é normal, é de gelo, porque toda esta situação para mim é complicada, porque nunca passei por isto e ao fim de uma semana, dizerem-me que ela já ia para casa, é super complicado” E4

Aceitação do Estado de Saúde

“Acho que sim, acho que está preparada para ter alta, porque está bem (…) Fiquei contente. Acho que estava em condições de ter alta…” E2 “Eu acho que sim, (…). Eu acho que ele está em condições” E6 “…a Senhora Enfermeira que disse (…) ela estava com melhoras e talvez viesse para casa. Então nós a partir daí pedimos à Senhora Enfermeira para nos dizer mais ou menos para nós prepararmos as coisas em casa” E2

“… já contava. Já algumas (…) diziam quem é que ia olhar por ele, que ele ia ficar dependente, elas diziam. Não vou mentir uma coisa que sei” E6

Adaptação/Transição Positiva

“Já sabia que ele ia precisar de ajuda, desde o princípio. A gente vê os outros. Eu fui-me mentalizando, pode recuperar e pode não recuperar,…” E3

“Ao final de quase três semanas, pronto, já vejo a situação de outra forma e já acho que estou mais consciencializada da forma como vou ter que lidar com ela e de tudo aquilo que vai aparecendo” E4

“Muda muito. (…) Entre mim e o meu pai, somos os únicos que estamos a tomar conta dela. (…) É complicado” E1

“Sim, sim, vai mudar…” E2

“Claro que vai, (…) agora vai ser totalmente diferente, já sei” E3 “Vai mudar tudo porque eu tenho que adaptar a minha forma de estar em casa, tenho que saber gerir porque tenho uma pessoa que está dependente de mim para tudo e que não vai ser fácil, …” E4

“Muda sempre. (…) No dia a dia vou notar que vai ser outra coisa diferente, não é o que é agora,…” E006

com a forma como se elege o cuidador, segundo Campos et al. (2010, p.33) “o assumir

do papel de prestador de cuidados é quase sempre uma escolha sem alternativa”.

A ambivalência é caracterizada pela presença em simultâneo de opiniões diferentes sobre o mesmo objecto. Esta situação deixa a pessoa num estado de tensão e ansiedade o que vai prejudicar a acção que irá realizar.

O cuidador, muitas vezes desenvolve sentimentos ambivalentes perante o familiar que lhe é querido, mas também lhe causa problemas, como se pode observar pelas transcrições de um participante “…e há uma a gente está mortinho que ela venha para

casa, por outra a gente fica assim, …” (E1).

Demonstra a existência de dois sentimentos antagónicos em face do mesmo “objecto”; existe a vontade em levar o familiar para casa mas por outro lado surge a dúvida, desenvolve-se um dilema em relação à prestação de cuidados. Pinto (2010, p.75) refere que “Culturalmente a família se assume como responsável pelo bem-estar dos seus

elementos. A própria sociedade impõe à família o papel de cuidadora”.

Os cuidadores face à necessidade de assumir a prestação de cuidados referem sentir-se capacitados para cuidar “Sinto-me preparada” (E2); “… estou preparada…” (E4). Nestas afirmações é visível a assunção da responsabilidade da família para cuidar do membro dependente, ou seja, o reconhecimento das suas funções enquanto cuidadora. Outros estudos contradizem esta afirmação, a maioria dos cuidadores informais não se sentem capazes de cuidar pela falta de informação e pela situação nova com que se deparam.

Na subcategoria insegurança/Incapacitado para cuidar o receio, a falta de confiança devido ao desconhecido está patente. A ausência de informação/formação face a esta problemática pode estar na base deste sentimento. “A transição para tomar conta pode

estar acompanhada de medo, incerteza e aprendizagem por tentativa e erro.”

(Schumacher, 1996; Schumacher et al, 2006)

A este propósito Cerqueira (2005, p.40), refere que “a maioria dos cuidadores são

pessoas que não têm formação específica que lhes permita garantir a qualidade dos cuidados, que são assegurados por eles quando o doente se torna dependente, nem estão emocionalmente preparados para assumir a responsabilidade das mesmas”.

Coping/Transição/ Dever de Enfrentar

Perante uma situação de transição de independência para uma situação de dependência (parcial ou total) a família desenvolve estratégias que vão permitir e/ou facilitar a vivência

desta situação. A transição para o exercício do papel de cuidador é um processo complexo, uma experiência única para cada família.

Segundo Sequeira (2007, p.234) vários autores salientam a importância da utilização das estratégias de Coping de forma eficaz, quer na prestação de cuidados, quer na satisfação do cuidador (Nolan e col., 1996; 1998; Sommerhalder 2001, Brito, 2002; santos, 2003). Desta forma, os cuidadores face a esta situação desenvolveram estratégias de adaptação, verbalizando aceitação da situação “Tenho que enfrentar a vida” (E3).

Perante a dependência do membro, a família apresenta também um estado de espírito caracterizado pela dúvida e pela indecisão - Incerteza/Rejeição, conforme salientado nos seus discursos “Eu não sei. Eu gostava que tivesse mais uns dias mas a doutora é

que sabe. Acho que ele ainda está assim muito (…) não sei” (E3). Como refere Sequeira

(2007, p.125), “o cuidador confronta-se com um conjunto de dúvidas que habitualmente

estão relacionadas com o futuro e a segurança da pessoa”.

Outros cuidadores não demonstram Aceitação do Estado de Saúde do seu membro dependente, reflectindo-se na ausência de atitudes e/ou comportamentos para assumir o processo de doença. Não verbalizam conhecimentos sobre o estado de saúde do membro. Esta falta de conhecimentos leva à verbalização de sentimentos de recusa da situação. Neste sentido Pinto et al. (2010, p.79) refere que ”O profissional de saúde

deverá ajudar o cuidador no sentido de adquirir competências e habilidades que lhes permita prestar cuidados com melhor desempenho disponibilizando a informação e formação necessária.”

A Aceitação do Estado de Saúde entendida como a reconciliação com as circunstâncias de saúde (ICN, 2000, p.50), foi demonstrada por alguns dos participantes

“…a Senhora Enfermeira que disse (…) ela estava com melhoras e talvez viesse para casa. Então nós a partir daí pedimos à Senhora Enfermeira para nos dizer mais ou menos para nós prepararmos as coisas em casa” (E2). Para Petronilho (2010, p.53), “Os cuidadores estão disponíveis para tomarem conta mas fazem-no sem preparação adequada”.

Adaptação definida como “processo de Coping com as características específicas:

disposição para gerir novas situações e desafios” (ICN, 2000,p.50). Nesta caso, a família

ajusta-se à situação através de um conjunto de modificações. É um processo de passagem de uma situação de independência para uma situação de dependência, que quando aceite é positiva - transição positiva. Assim, “famílias e cuidadores informados

significa diminuição de medos e ansiedades no contacto com o doente e, por ouro lado, o doente também se sente mais à vontade” (Cerqueira, 2005, p.44).

6. VIVÊNCIAS IDENTIFICADAS PELO CUIDADOR