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4. RESULTADOS E DISCUSSÃO

4.2. Hidrolisado hemicelulósico

4.2.2. Processo fermentativo do hidrolisado hemicelulósico

A fermentação do hidrolisado hemicelulósico foi acompanhada em função do crescimento microbiológico e das concentrações dos compostos de interesse, como xilitol e os principais subprodutos no decorrer do tempo. O crescimento do micro-organismo ao longo do cultivo, expresso em densidade óptica, está apresentado na Figura 18. A formação do produto de interesse xilitol, de produtos indesejáveis, como etanol e glicerol, e o consumo de substrato, como xilose, glicose e arabinose, ao longo da fermentação podem ser observados na Figura 19.

Figura 18. Crescimento de Candida tropicalis ao longo do cultivo em hidrolisado hemicelulósico do bagaço da cana-de-açúcar, expresso em densidade óptica em comprimento de onda de 600 nm. 0 2 4 6 8 10 0 20 40 60 80 100 120 D ens ida de ópt ic a (λ = 600 nm ) Tempo (h)

a)

b)

Figura 19. Cinética de formação de produtos e consumo de substratos da fermentação do hidrolisado hemicelulósico do bagaço da cana-de-açúcar por C. tropicalis. a) Consumo de xilose e produção de xilitol; b) Consumo de glicose, arabinose e ácido acético, produção de glicerol e etanol e concentração aproximadamente constante de celobiose.

0 10 20 30 40 0 20 40 60 80 100 120 C onc ent ra çã o (g /L ) Tempo (h) Xilose Xilitol 0 2 4 6 8 0 20 40 60 80 100 120 C onc ent ra çã o (g /L ) Tempo (h)

Celobiose Glicose Arabinose

No decorrer da fermentação do hidrolisado hemicelulósico, a densidade óptica (DO) atingiu valores próximos de 9,0, a partir de densidade óptica inicial próxima de 1,0. Nos cultivos realizados, estima-se uma velocidade específica de crescimento máxima (μmax) de 0,06 h-1. Comparando-se com a velocidade específica de crescimento máxima obtida para a fermentação do caldo sintético, com a mesma levedura, tem-se que no hidrolisado essa velocidade é ligeiramente inferior. Isso se deve, provavelmente, à presença de compostos inibidores do metabolismo microbiológico no hidrolisado hemicelulósico. Esses compostos são formados durante a etapa do pré-tratamento do bagaço da cana-de-açúcar em ácido diluído e não foram completamente removidos durante a fase de destoxificação do mesmo (MESA et al., 2016; RAFIQUL; SAKINAH, 2013; RODRIGUES et al., 2010; SILVA; CHANDEL, 2012)..

Analisando-se a Figura 19, nota-se que a concentração de xilitol se elevou ao longo do tempo e atingiu seu máximo em 71 h de fermentação. Houve formação de etanol, que foi iniciada logo no início do cultivo e atingiu a concentração expressiva de 4,8 g/L ao final do mesmo. Apesar de haver evaporação de etanol ao longo do tempo de cultivo (AGRAWAL, 2012; CARO et al., 1992; NGUYEN et al., 2009), a formação do mesmo pela levedura foi suprindo essa evaporação.

Também foi verificada a formação de glicerol, que atingiu sua concentração máxima em 71 h de fermentação. Após esse tempo, o glicerol foi sendo consumido, atingindo a concentração de 0,7 g/L ao final do período.

Quando se analisa o ácido acético, notoriamente considerado como um composto inibidor do metabolismo microbiano e consequente produção de xilitol ou outros produtos biotecnológicos, foi observado que a cepa utilizada de C. tropicalis foi capaz de assimilar o mesmo, utilizando-o como fonte de carbono em seu metabolismo. Esse fato é relevante para a continuidade dos estudos envolvendo a produção de xilitol a partir da fermentação com esta cepa de levedura.

A glicose, que se trata de um monossacarídeo de fácil assimilação por leveduras, foi imediatamente consumida pela levedura, estando ausente do meio fermentado a partir de 14 h de cultivo. A arabinose também foi assimilada como fonte de carbono pela cepa utilizada, em taxa inferior à utilização de xilose. Após 86 h de cultivo, a totalidade deste monossacarídeo foi consumido pela levedura. Para que sejam assimilados, tais açúcares devem ser transportados para o meio intracelular por meio de proteínas de transporte localizados na membrana. A afinidade destes transportadores varia conforme substrato, sendo que o consumo mais rápido de glicose ocorre principalmente em função de maior afinidade dos transportadores pela

molécula de glicose em relação a outras hexoses e pentoses, como arabinose (SILVA; CHANDEL, 2012).

A celobiose, por sua vez, não foi consumida pela cepa utilizada na fermentação. Isso provavelmente ocorreu em função da ligação glicosídica β(1-4) entre as moléculas de glicose na formação da celobiose, que não é clivada pelas enzimas naturalmente presentes no metabolismo de C. tropicalis. Quanto à xilose, substrato principal no hidrolisado hemicelulósico, praticamente a totalidade da mesma foi consumida até 86 h de fermentação.

No caso do hidrolisado hemicelulósico, apesar de a concentração máxima de xilitol é atingida em 71 h de cultivo, neste ponto ainda há a presença de vários subprodutos, como arabinose, xilose e concentração máxima de etanol e glicerol. Dessa forma, faz-se necessário que o cultivo perdure além de 71h. Após esse tempo, a concentração de xilitol permanece praticamente constante, enquanto que a concentração de substratos e subprodutos decaem ao longo do tempo, à exceção da celobiose e etanol, que permanecem inalterados. A partir de 86h de fermentação, a arabinose foi completamente consumida e o consumo de xilose ocorre de forma mais lenta. Dessa forma, é necessário um tempo elevado de cultivo para remover pequena parcela de substratos e subprodutos, sem efetiva elevação de concentração de xilitol. Sugere- se, portanto, que o processo fermentativo seja interrompido neste ponto.

É importante ressaltar também os parâmetros fermentativos obtidos para os cultivos considerando tempo total de fermentação (120 h). O rendimento de biomassa a partir de xilose foi de 0,21 g/g e de xilitol a partir de xilose foi de 0,55 g/g, representando 60,4% do rendimento teórico apontado por Barbosa et al. (1988), de 0,91 g/g. As produtividades volumétricas de xilitol e biomassa foram de 0,21 g/L.h e 0,06 g/L.h, respectivamente.

Na Tabela 15 tem-se um resumo dos resultados obtidos para estes parâmetros em caldo fermentado a partir de meio sintético e a partir de hidrolisado hemicelulósico.

Parâmetro Meio sintético Hidrolisado hemicelulósico Yp/s (g/g) 0,57 ± 0,04a 0,55 ± 0,06a η (%) 63,0 ± 6,3a 60,4 ± 0,5a Qp (g/L.h) 0,18 ± 0,01a 0,21 ± 0,01a Qx (g/L.h) 0,05 ± 0,003a 0,06 ± 0,003a Concentração final de xilitol (g/L) 20,1 ± 1,2 a 19,3 ± 1,0a

Tabela 15. Resumo dos resultados obtidos para os parâmetros de fermentação e concentração de xilitol ao final do processo fermentativo para o caldo fermentado a partir de meio sintético e a partir de hidrolisado hemicelulósico do bagaço de cana-de-açúcar.

*Médias que não compartilham uma letra são significativamente diferentes a 5% de significância (p-valor <0,05).

A variação entre o rendimento de xilitol a partir de xilose e o rendimento teórico ocorre em função das condições microaerofílicas do cultivo, que favorecem a formação de subprodutos como etanol e glicerol, e também devido à presença de outros compostos utilizados como fonte de carbono que não a xilose. A presença de compostos inibidores no hidrolisado reflete em perda de rendimento devido aos distúrbios provocados no metabolismo microbiano. Tais compostos inibidores não estão presentes no meio sintético, o que explica a maior eficiência de conversão de xilose em xilitol para este meio.

O caldo fermentado a partir de hidrolisado hemicelulósico do bagaço obtida por Gurgel et al. (1995) contém 24,9 g/L de xilitol, concentração semelhante ao apresentado neste estudo e 7,0 g/L de proteínas, inferior ao valor de 18 g/L obtido neste trabalho. No trabalho em questão, Gurgel et al. (1995) utilizaram cepa de C. guilliermondii. Uma vez que cada espécie ou família de leveduras apresenta metabolismo único, que varia também em função das fontes de carbono e nitrogênio utilizadas, diferenças nos parâmetros fermentativos são comumente observadas.

Misra et al. (2013) obtiveram um hidrolisado hemicelulósico a partir da espiga de milho com 20,9 g/L de xilose, 3,4 g/L de glicose, 2,1 g/L de arabinose e 0,3 g/L de ácido acético. Nota-se que todas as concentrações encontradas pelos autores no hidrolisado hemicelulósico foram inferiores às apresentadas neste trabalho, o que pode ser explicado pelo fato de que o hidrolisado foi concentrado apenas duas vezes pelos autores, enquanto que neste trabalho alcançou-se um fator de concentração de 3. Além disto, tais autores atingiram uma concentração de xilitol de 10,3 g/L pela fermentação com cepa adaptada de C. tropicalis, representando um rendimento de xilose em xilitol equivalente a 0,5 g/g, 55% do rendimento teórico. Os

experimentos foram realizados em condições otimizadas e utilizando os mesmos procedimentos de destoxificação deste trabalho. Deste modo, o rendimento obtido neste trabalho, de 60,4%, foi superior em relação ao encontrado por Misra et al. (2013).

Vallejos et al. (2016) avaliaram a fermentação e destoxificação de hidrolisados hemicelulósicos de bagaço da cana-de-açúcar e atingiram uma concentração máxima de xilitol de 32 g/L, utilizando C. tropicalis em concentração inicial de xilose de 104,1 g/L. Os autores obtiveram um rendimento de xilose em xilitol equivalentea 0,46 g/g, correspondendo a 50,5% do rendimento teórico. A produtividade foi de 0,27 g/L.h, demonstrando que, apesar do menor rendimento obtido na fermentação em comparação a este trabalho, a levedura produziu xilitol em uma velocidade maior, sendo despendido menor tempo para obtenção do xilitol. Por sua vez, houve menor assimilação da xilose e conversão em xilitol pelo micro-organismo nos estudos de Vallejos et al. (2016).

Os autores Lourenço et al. (2014) avaliaram 28 leveduras isoladas de torta de filtro de cana-de-açúcar e concluíram que uma cepa de C. tropicalis apresentou a melhor eficiência dentre tais leveduras, levando a um rendimento de 61% em relação ao teórico, com 33 g/L de xilitol produzido em 96 h de fermentação. A produtividade obtida por esses autores para essa cepa também foi elevada, de 0,35 g/L.h. Os autores relataram que há um grande potencial biotecnológico nas leveduras que ocorrem naturalmente nesses substratos de torta de filtro. A levedura utilizada neste trabalho também foi isolada da cana-de-açúcar, sendo naturalmente encontrada no bagaço.

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