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PROCESSO JUSTO E EFICIENTE: REFLEXOS METODOLÓGICOS NO CPC/15 E A ANÁLISE PROBATÓRIA RECURSAL

4 A CONSTITUCIONALIZAÇÃO DO PROCESSO, O FORMALISMO VALORATIVO E A PRIMAZIA DA DECISÃO DE MÉRITO COMO JUSTIFICADORES DA

4.3 PROCESSO JUSTO E EFICIENTE: REFLEXOS METODOLÓGICOS NO CPC/15 E A ANÁLISE PROBATÓRIA RECURSAL

O Código de Processo Civil de 2015 foi elaborado com orientação em princípios que aspiram a dotar o Estado Democrático de Direito de um processo justo e que seja capaz de contribuir para que seja garantido a todos o acesso a uma efetiva tutela jurisdicional.

Quanto ao acesso à justiça e a busca por um processo civil de resultados, Hermes Zaneti Júnior assim se pronuncia:

Como princípio: à eleição da finalidade do acesso material não basta a possibilidade de ingresso no judiciário, é preciso garantir a possibilidade concreta de “saída”, do exercício real dos direitos e de obtenção da prestação jurisdicional com justiça, garantindo o “processo civil de resultados”.319

Conforme observa Humberto Theodoro Junior:

A propósito do ideário do processo justo, prevalece na consciência da civilização de nosso tempo a concepção de que um Código moderno, republicano e democrático, há de observar um modelo social de processo, que esteja atento às exigências da instrumentalidade, da efetividade e da presteza na promoção da tutela aos direitos subjetivos em crise.320

319

ZANETI JUNIOR, Hermes. A Constitucionalização do processo: o modelo constitucional da justiça brasileira e as relações entre processo e constituição. 2 ed. São Paulo: Atlas, 2014, p. 216.

320

THEODORO JUNIOR. Humberto. Curso de direito processual civil, v. 1, 54 ed. Rio de Janeiro: Gen Forense, 2013, p. 01

Sem sombra de dúvida, “hoje o que empolga o processualista comprometido com o seu tempo é o chamado “processo de resultados”321

porém, não basta um resultado, é necessário que o resultado decorra de um processo justo e também seja justo. E não há processo nem resultado justo sem ao respeito ao direito fundamental à prova. Nesse sentido, Michele Taruffo assim assevera: “Por acreditar que os processos não se fazem com a mera finalidade de serem processos, mas com a finalidade de resolverem controvérsias com decisões justas, disso deriva que a justiça da decisão é um fator determinante da justiça do processo.” 322

Discorrendo sobre o trinômio justiça, direito e processo e o princípio do resultado justo, Samuel Meira Brasil Junior ressalta que “o princípio do resultado justo deve ser considerado pelo intérprete em todo e qualquer provimento judicial. Sempre que for prestar a tutela jurisdicional, o juiz deverá indagar se o resultado produzido é justo e équo.”323 E, complementa: “Todos têm a garantia constitucional

de acesso à justiça. Não ao Poder Judiciário, mas ao resultado justo que se espera do processo.” 324

Ao explanar sobre verdade e justo processo, Michele Taruffo aponta que a expressão “justo processo” pode ser interpretada sob duas concepções, sendo que a primeira pressupõe a existência de um processo justo quando são postas em prática todas as garantias processuais fundamentais. De acordo com a segunda, “o processo é justo se arquitetado de modo que, além de assegurar que se ponham em prática as garantias, faça cm que nele se obtenham decisões justas.”325

Mas afinal, o que seria uma decisão justa? Michele Taruffo ressalta que a justiça da decisão não deriva exclusivamente da correção do procedimento e nela não se exaure, e que dependeria da subsistência de três condições:

a) que a decisão seja, com efeito, o resultado de um processo justo, visto que dificilmente se poderia aceitar como justa uma decisão produzida em um processo em que tenham sido violadas garantias fundamentais; b) que tenha sido corretamente interpretada e aplicada a norma utilizada como critério de decisão, visto que não se pode considerar justa uma decisão que não tenha sido tomada em conformidade ao direito, em homenagem ao

321

THEODORO JUNIOR. Humberto. Curso de direito processual civil, v. 1, 54 ed. Rio de Janeiro: Gen Forense, 2013, p. 15

322 TARUFFO, Michele. A prova. Tradução de “La prueba” São Paulo: Marcial Pons, 2014, p. 257 323

BRASIL JUNIOR. Samuel Meira. Justiça, direito e processo: a argumentação e o direito processual de resultados justos. São Paulo: Atlas, 2007, p. 148

324

Idem, p. 149

325

TARUFFO, Michele. Uma simples verdade: o Juiz e a construção dos fatos. Tradução de: La semplice verità. Il giudice e la costruzione dei fatti. São Paulo: Marcial Pons, 2016, p. 141

princípio da legalidade; c) que essa se funde em uma apuração

verdadeira dos fatos da causa, visto que nenhuma decisão é justa se se fundar em fatos equivocados. (g.n)326

O processo deve ser justo; e não há justiça sem verdade. A apuração da verdade no processo é possível e necessária, pois dela depende a justiça do processo. O processo será justo, conforme ensina Michele Taruffo:

Se sistematicamente orientado a fazer com que se estabeleça a verdade dos fatos relevantes para a decisão; é, por outro lado, injusto na medida em que for estruturado de modo a obstaculizar ou limitar a descoberta da verdade, já que nesse caso o que se obstaculiza ou se limita é a justiça da decisão com que o processo se conclui.327

Conforme destaca Artur Cesar de Souza:

A justiça e o processo devem ser justos, não apenas no sentido de respeito às prescrições legais, formais e abstratas, (...) mas num sentido mais profundo, de um sistema que deve respeitar os grandes valores e os grandes princípios nos quais as normas devam inspirar-se.”328

Ao discorrer sobre fundamentos dos recursos penais e o duplo grau de jurisdição, Gustavo Henrique Badaró afirma que “não se concebe um modelo justo de processo, em especial de natureza punitiva ou sancionatória, que não trabalhe com a verdade – ainda que inatingível – com o fator de legitimação de seu resultado e critério de justiça.”329

A possibilidade de reapreciação dos julgados é consectário da própria garantia de acesso a justiça, podendo ser viabilizada através de um recurso

Para o processualista José Carlos Barbosa Moreira, “pode-se conceituar recurso, no direito processual civil brasileiro, como o remédio voluntário idôneo a

326 TARUFFO, Michele. Uma simples verdade. O juiz e a construção dos fatos. Tradução de “La

semplice verità. Il giudice e la costruzione dei fatti” São Paulo: Marcial Pons, 2016, p. 142.

327

Idem, p. 143.

328

SOUZA, Artur César de. A parcialidade positiva do juiz. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2008, p. 223

329

BADARÓ. Gustavo Henrique. Manual dos recursos penais. São Paulo: Editora Revista dos tribunais, 2017, p. 59

ensejar, dentro do mesmo processo330, a reforma, a invalidação, o esclarecimento ou a integração de decisão judicial que se impugna.”331

.

No mesmo sentido, Flávio Cheim Jorge: “recurso é um remédio dentro da mesma relação processual que dispõem as partes, o Ministério Público e os terceiros prejudicados, para obter a reforma, a invalidação, o esclarecimento ou a integração de uma decisão judicial” 332

Na visão de Fredie Didier Jr e Leonardo José Carneiro da Cunha, “numa acepção mais técnica e restrita, recurso é o meio ou instrumento destinado a provocar o reexame da decisão judicial, no mesmo processo em que foi proferida, com a finalidade de obter-lhe a invalidação, a reforma, o esclarecimento ou a integração.” 333

Como legítimo direito dos cidadãos, os recursos permitem a averiguação de viabilidade, adequação, coerência, razoabilidade e justiça das decisões judiciais objurgadas a partir da reanálise das questões de fato e de direito que constituem objeto do recurso.

Para viabilizar o enfrentamento das questões de mérito na seara recursal, faz- se necessário proceder à reapreciação dos fatos a partir das teses defendidas e do conjunto probatório. Inobstante a fase instrutória ocorrer em primeira instância, a relevância da prova e da sua avaliação não é mitigada na fase recursal. Apesar de não existir fase específica para produção de provas no Tribunal, diligências e atos probatórios são admitidos, a fim de viabilizar a instrução exigível para a demonstração da verdade provável, através da complementação ou do esclarecimento em relação às provas já produzidas, ou mesmo a produção de outras que se apresentarem necessárias e adequadas.

A nova sistemática processual, que valoriza a justiça material e que adota as premissas do neoconstitucionalismo conduz à necessária priorização das questões

330 O jurista, porém, esclarece que “dentro do mesmo processo, não necessariamente dos mesmos

autos. A interposição do agravo por instrumento dá lugar à formação de autos apartados; bifurca-se o procedimento, mas o processo permanece uno, com a peculiaridade de pender, simultaneamente, no primeiro e no segundo grau de jurisdição.” (MOREIRA. José Carlos Barbosa. Comentários ao Código de Processo Civil. 12 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2005, p. 233)

331

BARBOSA MOREIRA. José Carlos. Comentários ao Código de Processo Civil. 12 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2005, p. 233

332

JORGE. Flávio Cheim. Teoria geral dos recursos cíveis. 7 ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2015, p. 41.

333

DIDIER Jr., Fredie; CUNHA, Leonardo José Carneiro da. Curso de Direito Processual Civil. 13. ed. . v. 3, Bahia: Juspodivm, 2016, p. 87

de mérito no cenário recursal, notadamente a partir da valorização das provas e da própria iniciativa probatória do julgador na fase recursal, o que encontra pleno fundamento e compatibilidade com as premissas do formalismo valorativo e a perspectiva de se obter um processo eficiente, premissas que norteiam a interpretação e aplicabilidade do regramento processual.

Uma reflexão pragmática sobre o Código de Processo Civil de 2015 conduz à percepção de que resta evidenciada uma evolução normativa que convida a uma nova maneira de se lidar com o formalismo, que precisa ser considerado também sob a perspectiva dos princípios e garantias constitucionais e que representam parâmetros norteadores da própria técnica processual.

Convida-se a uma mudança de mentalidade, com o abrandamento da primazia do formalismo exacerbado, em respeito a uma técnica cuja finalidade seja permitir a análise e resolução da questão material posta em juízo.

Não há justiça material sem que a decisão seja compatível com a verdade possível, que somente será demonstrada a partir das provas existentes no contexto material e que deverão ser produzidas, valorizadas e consideradas, tanto pelo juízo singular quanto recursal, inclusive através da iniciativa probatória do julgador na fase recursal.

A partir do momento histórico em que vivemos no qual se postula a existência de um processo justo e équo, legitima-se maior atuação do órgão jurisdicional334. Artur Cesar de Souza defende a “parcialidade positiva do juiz” que tem por finalidade a efetivação material dos princípios fundamentais previstos na Constituição Federal e que representa fator capaz de contribuir para um justo processo,335 que pode ser compreendido como o “conjunto de exigências que permitem ao juiz, como terceiro (im)parcial, ditar uma decisão conforme o direito, em um processo público que garanta um debate equilibrado entre as partes”336

, conforme os princípios que se extraem do conjunto de direitos e garantias processuais constitucionalizadas.

334

SOUZA, Artur César de. A parcialidade positiva do juiz. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2008, p. 106.

335

SOUZA, Artur César de. A parcialidade positiva do juiz. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2008, p. 221. Para o jurista, o “justo processo não está definido em nossa legislação processual, o que não causa qualquer surpresa, posto que não se trata de um conceito legal senão de uma construção jurídica que a doutrina e a jurisprudência constitucional elaboraram mediante um trabalho de hermenêutica a partir dos direitos e garantias do processo constitucionalizado”

336

SOUZA, Artur César de. A parcialidade positiva do juiz. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2008, p. 222.

Para Trícia Navarro Xavier Cabral, a partir da publicização do processo, o juiz passou a assumir um outro papel na vida dos jurisdicionados, pois, na sua visão,

Agora, atua na direção do processo, utilizando-o não só como ferramenta para realização do direito material, servindo à Constituição, mas inserindo no procedimento toda carga dos valores previstos como garantias fundamentais. Sem essa dúplice perspectiva, o processo não se presta a socorrer o direito substancial.337

Enfim, busca-se um processo justo e com um resultado justo e efetivo. Um processo justo pressupõe não apenas a sua adequação procedimental aos preceitos do devido processo legal, mas também compreende a necessidade de que o processo seja capaz de garantir uma decisão justa. E para que a decisão seja justa, ela deve ser pautada na verdade demonstrada no curso da demanda através da máxima instrução exigível.

Os poderes instrutórios do juiz representam atributos relevantes do justo processo, conforme afirma Michele Taruffo: “A atribuição ao juiz de poderes instrutórios adequados, bem como seu efetivo exercício, aparecem como atributos relevantes do justo processo, já que são instrumentos necessários – não obstante acessórios – para a busca da verdade.”338

337

CABRAL, Trícia Navarro Xavier. Poderes instrutórios do juiz no processo de conhecimento. Brasília, DF: Gazeta Jurídica, 2012, p. 15

338 TARUFFO, Michele. Uma simples verdade. O juiz e a construção dos fatos. Tradução de “La

5 MODELO COOPERATIVO DE PROCESSO E A ATUAÇÃO JUDICIAL