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SISTEMA COOPERATIVO E NEGÓCIOS PROCESSUAIS NA FASE RECURSAL

4 A CONSTITUCIONALIZAÇÃO DO PROCESSO, O FORMALISMO VALORATIVO E A PRIMAZIA DA DECISÃO DE MÉRITO COMO JUSTIFICADORES DA

5 MODELO COOPERATIVO DE PROCESSO E A ATUAÇÃO JUDICIAL INSTRUTÓRIA NA FASE RECURSAL: COOPERAÇÃO INSTRUTÓRIA EM

5.1 SISTEMA COOPERATIVO E NEGÓCIOS PROCESSUAIS NA FASE RECURSAL

391

KOZIKOSKI, Sandro Marcelo. Sistema recursal CPC 2015: em conformidade com a Lei 13.256/2016. Salvador: JusPodivm, 2016, p. 34

392 “Art. 282. Ao pronunciar a nulidade, o juiz declarará que atos são atingidos e ordenará as

providências necessárias a fim de que sejam repetidos ou retificados.

§ 2º Quando puder decidir o mérito a favor da parte a quem aproveite a decretação da nulidade, o juiz não a pronunciará nem mandará repetir o ato ou suprir-lhe a falta.”

393

O § 2º do art. 282, CPC/15 repete o disposto no art. 249, § 2º do CPC/73

394

PESSOA, Flávia Moreira Guimarães; CERQUEIRA, Dhébora Mendonça de. Direitos fundamentais processuais e o princípio da cooperação no novo código de Processo Civil. In: Revista Direitos Fundamentais e Justiça.nº34, Belo Horizonte: Editora Fórum, 2016, p. 309

Em vigor desde 18 de março de 2016, o Código de Processo Civil de 2015 implementou significativas mudanças paradigmáticas na aplicação do direito processual brasileiro, dentre as quais se destaca a ampliação da dialética e a valorização da autonomia da vontade das partes no processo, inclusive no que concerne à possibilidade de serem realizados os intitulados negócios jurídicos processuais (art. 190, CPC/15)395, que são convenções extraprocessuais entre interessados ou endoprocessuais entre as partes, tendo como objeto ônus, poderes, faculdades e deveres processuais, nos processos que versarem sobre direitos que admitam a autocomposição.

Fredie Didier Jr e Pedro Henrique Pedrosa Nogueira assim definem o conceito de negócio processual: “é o fato jurídico voluntário em cujo suporte fático confere-se ao sujeito o poder de escolher a categoria jurídica ou estabelecer, dentro dos limites fixados no próprio ordenamento jurídico, certas situações jurídicas processuais.”396

Os negócios jurídicos processuais representam convenções sobre situações jurídicas processuais ou sobre procedimentos, que poderão ocorrer antes ou no curso do processo. Para Paulo Osternack Amaral, “Entende-se por negócio jurídico processual as declarações de vontade feitas pelas partes, cujo objetivo seja disciplinar algum aspecto da relação jurídica processual ou do procedimento judicial.” 397

As pactuações processuais já eram permitidos mesmo na vigência de diplomas processuais brasileiros pretéritos, porém, sem a preocupação legislativa de criar dispositivos específicos regulando a matéria. O art. 190 do CPC/15 consagrou uma cláusula geral de negociação, o que representa significativa novidade, que confere expressamente aos interessados a possibilidade de convencionarem, de forma ampla, sobre questões relacionadas ao próprio processo.

Nesse sentido, conforme rememorado por Pedro Henrique Nogueira:

395

Art. 190, CPC/15. Versando o processo sobre direitos que admitam autocomposição, é lícito às partes plenamente capazes estipular mudanças no procedimento para ajustá-lo às especificidades da causa e convencionar sobre os seus ônus, poderes, faculdades e deveres processuais, antes ou durante o processo.

396

DIDIER JR, Fredie; NOGUEIRA, Pedro Henrique Pedrosa. Teoria dos fatos jurídicos processuais. 2 ed. Salvador: JusPodivm, 2012, p. 59-60.

397

AMARAL. Paulo Osternack. Provas: atipicidade, liberdade e instrumentalidade. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015, p. 134

Os negócios processuais já existiam sob a égide da legislação antecedente, mas nunca se teve tamanho espaço de participação dos litigantes no desenrolar da atividade jurisdicional, a ponto de possibilitar que as partes construam, negocialmente, o próprio procedimento. 398

Os negócios jurídicos processuais representam tema de significativa relevância no contexto do CPC/15, podendo ser típicos, quando expressamente previstos no texto normativo, ou atípicos, quando pactuados livremente pelas partes ou interessados, valendo-se da cláusula geral de negociação, com amparo nos artigos 190 e 200, CPC/15399.

Podem ser citados como exemplos de negócios típicos: acordo para indicação de leiloeiro (art. 883, CPC/15); inversão da ordem de preferência dos bens penhoráveis (art. 835, § 1o, CPC/15); substituição da perícia por simples inquirição do juiz a um especialista (art. 464, §2o, CPC/15); acordo para acareação de testemunhas (art. 461, II, CPC/15); acordo para não realização de audiência de conciliação e mediação (art. 334, §4o, CPC/15); escolha consensual do perito (art. 471, CPC/15); acordo para eleição convencional de foro (art. 63, CPC/15); convenção do ônus da prova (373, §3o, CPC/15); acordo para fixação de calendário processual (art. 191, CPC/15); renúncia expressa da parte a prazo estabelecido em seu favor (225, CPC/15); suspensão convencional do processo (313, II, CPC/15); saneamento consensual (357, §2o, CPC/15); acordo para escolha do conciliador ou mediador (168, CPC/15); acordo para que a liquidação da sentença seja por arbitramento (373, §§ 3o e 4o, CPC/15); acordo para reduzir prazo peremptório (art. 122, §1o, CPC/15); desistência do documento cuja falsidade foi arguida (432, CPC/15); dentre outros.

Quanto ao direito probatório, merecem destaque a convenção para distribuição do ônus da prova (art. 373, § 3º, CPC/15), convenção sobre a divisão do tempo entre litisconsortes para o uso da palavra durante a audiência (art. 364, §1º, CPC/15) e acordo para escolha do perito (art. 471, CPC/15).

No tocante aos negócios processuais atípicos, merecem destaque alguns enunciados aprovados no Fórum Permanente de Processualistas Civis, consolidando o entendimento quanto a situações específicas que permitem a

398

NOGUEIRA, Pedro Henrique. Negócios jurídicos processuais. Salvador: Juspodivm, 2016, p. 225.

399

Enunciado FPPC 261 - O art. 200 aplica-se tanto aos negócios unilaterais quanto aos bilaterais, incluindo as convenções processuais do art. 190.

pactuação processual:

Enunciado nº 19, FPPC: (art. 190) São admissíveis os seguintes negócios processuais, dentre outros: pacto de impenhorabilidade, acordo de ampliação de prazos das partes de qualquer natureza, acordo de rateio de despesas processuais, dispensa consensual de assistente técnico, acordo para retirar o efeito suspensivo de recurso, acordo para não promover execução provisória; pacto de mediação ou conciliação extrajudicial prévia obrigatória, inclusive com a correlata previsão de exclusão da audiência de conciliação ou de mediação prevista no art. 334; pacto de exclusão contratual da audiência de conciliação ou de mediação prevista no art. 334; pacto de disponibilização prévia de documentação (pacto de disclosure), inclusive com estipulação de sanção negocial, sem prejuízo de medidas coercitivas, mandamentais, sub-rogatórias ou indutivas; previsão de meios alternativos de comunicação das partes entre si. (Grupo: Negócio Processual; redação revista no III FPPC- RIO e no V FPPC- Vitória)

Enunciado nº 21, FPPC: (art. 190) São admissíveis os seguintes negócios, dentre outros: acordo para realização de sustentação oral, acordo para ampliação do tempo de sustentação oral, julgamento antecipado do mérito convencional, convenção sobre prova, redução de prazos processuais. (Grupo:

Negócio Processual; redação revista no III FPPC-Rio)(g.n.)

Enunciado nº 262, FPPC: (arts. 190, 520, IV, 521). É admissível negócio processual para dispensar caução no cumprimento provisório de sentença. (Grupo: Negócios Processuais)

Enunciado nº 490, FPPC: (art. 190; art. 81, §3º; art. 297, parágrafo único; art. 329, inc. II; art. 520, inc.I; art. 848, inc. II). São admissíveis os seguintes negócios processuais, entre outros: pacto de inexecução parcial ou total de multa coercitiva; pacto de alteração de ordem de penhora; pré-indicação de bem penhorável preferencial (art. 848, II); pré-fixação de indenização por dano processual prevista nos arts. 81, §3º, 520, inc. I, 297, parágrafo único (cláusula penal processual); negócio de anuência prévia para aditamento ou alteração do pedido ou da causa de pedir até o saneamento (art. 329, inc. II). (Grupo: Negócios processuais)400

Os negócios processuais independem de homologação judicial401 e vinculam o juiz, porém submetem-se a controle de validade pelo judiciário se houver inobservância aos parâmetros normativos previstos no art. 190 caput e parágrafo único do CPC/15. De ofício ou a requerimento, o juiz controlará a validade das convenções processuais, recusando-lhes aplicação somente nos casos de nulidade ou de inserção abusiva em contrato de adesão ou em que alguma parte se encontre em manifesta situação de vulnerabilidade. Deverá verificar, também, se as partes

400

Disponível em: http://portalprocessual.com/wp-content/uploads/2016/05/Carta-de-S%C3%A3o- Paulo.pdf. Acesso em 07 jan. 2017

401

Enunciado nº 133, do Fórum Permanente de Processualistas – FPPC, ao prever que “salvo nos casos expressamente previstos em lei, os negócios processuais do art. 190 não dependem de homologação judicial”

são capazes e se o processo em relação ao qual está sendo feito o negócio processual versa sobre direitos que admitam autocomposição.

A possibilidade de realização de negócios processuais representa, em verdade, a “manifestação de um processo jurisdicional democrático, sem que se vislumbre, com isso, a sacralização do privatismo ou do publicismo; almeja-se, na realidade, a efetiva realização de direitos.”402

O Código de Processo Civil de 2015 criou verdadeira cláusula geral de negociação que, segundo Paulo Osternack Amaral, “Aplicada ao direito probatório, permite-se que as partes celebrem negócio jurídico processual que tenha por objeto, por exemplo, a definição dos meios de prova que serão admissíveis no processo, a ordem de produção de provas”403

Os negócios processuais podem ser pactuados em qualquer fase do processo404 ou em qualquer instância.405 Conforme ratificado por Fredie Didier Jr e Leonardo José Carneiro da Cunha, “No âmbito dos tribunais, também é possível haver a celebração de negócios processuais atípicos”406

.

Por conseguinte, as partes podem, de forma precedente à propositura de uma ação ou no curso dela, inclusive na pendência de um recurso, no Tribunal, firmar negócio jurídico versando sobre a produção ou a complementação de provas, para o esclarecimento de fatos que constituam objeto das teses recursais pendentes de apreciação pelo julgador recursal407. O pacto, inclusive, pode prever que a prova seja produzida no próprio tribunal.

De forma exemplificativa, suponha-se que em ação cominatória de obrigação de fazer versando sobre a pretensão de reparação de danos causados em imóvel na qual tenha sido realizada prova pericial, a parte vencida na demanda interponha o

402

GODINHO, Robson Renault. Negócios Processuais sobre o ônus da prova no novo Código de Processo Civil” In: WAMBIER. Teresa Arruda Alvim; TALAMINI, Eduardo (coord). São Paulo: Editora Revista dos Tribunais: 2015, p. 41.

403

AMARAL, Paulo Osternack. Provas: atipicidade, liberdade e instrumentalidade. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015, p. 218

404

Nesse sentido, afirma Paulo Henrique Nogueira (2016, p. 231, Negócios jurídicos Processuais, Salvador, Juspodivm) “Também existe amplo espaço para negociação processual em qualquer fase do procedimento, inclusive na execução.”

405 Afirma Paulo Paulo Osternack Amaral que “Depois de proposta a demanda, o negócio pode ser

firmado a qualquer tempo ou fase processual. (AMARAL, Paulo Osternack. Provas: atipicidade, liberdade e instrumentalidade. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015, p. 137)

406

DIDIER Jr., Fredie; CUNHA, Leonardo José Carneiro da. Curso de Direito Processual Civil. 13. ed. . v. 3, Bahia: Juspodivm, 2016, p. 69.

407 “A previsão do art. 190 do CPC, ao admitir a realização de negócios jurídicos processuais impõe

uma nova racionalidade no dirigismo processual. Por certo, o universo das convenções processuais alcança o sistema recursal” (KOZIKOSKI, Sandro Marcelo. Sistema recursal CPC 2015: em conformidade com a Lei 13.256/2016. Salvador: JusPodivm, 2016, p. 59)

recurso de apelação questionando o resultado do exame pericial. Durante o trâmite recursal, poderão as partes firmar negócio processual pactuando sobre a realização de novo exame, inclusive pactuando sobre o pagamento dos honorários periciais.

É preciso, porém, alertar para a observância de limites dos negócios processuais entre as partes, inclusive quanto à matéria probatória, pois as pactuações se submetem às diretrizes exigidas para a admissibilidade dos negócios jurídicos, em geral. Questão relevante e que merece atenta reflexão consiste na possibilidade ou não de serem firmados negócios processuais envolvendo pretensões probatórias já preclusas no processo. Não se pode subverter a sistemática procedimental em juízo, porém, é preciso valorizar a autonomia da vontade, notadamente quando pautada em condutas capazes de contribuir para o alcance da verdade provável a permitir a prolação da mais justa decisão possível. Será preciso, portanto, analisar cada caso, porém, não havendo indício de colusão entre as partes, deve-se primar pela admissibilidade da prova pactudada.

O art. 190, CPC/15408 dispõe sobre a cláusula geral de negociação e estabelece que as partes têm a faculdade de estabelecer negócios jurídicos processuais, que podem ter como objeto, inclusive, os meios de prova. A convenção, a propósito, não necessita de homologação judicial, porém, não podem mitigar a atividade probatória do juiz em busca do esclarecimento dos fatos e o alcance da verdade provável no processo, em respeito ao disposto no art. 370, CPC/15, que assim dispõe: “Caberá ao juiz, de ofício ou a requerimento da parte, determinar as provas necessárias ao julgamento do mérito.”

Sobre os negócios processuais, em cotejo com a atividade probatória do juiz, importante enunciado foi aprovado no dia 28/08/2015 pela ENFAM - Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento dos Magistrados, firmando entendimento no sentido de que os negócios processuais não poderão limitar os poderes de instrução do juiz:

408

Art. 190. Versando o processo sobre direitos que admitam autocomposição, é lícito às partes plenamente capazes estipular mudanças no procedimento para ajustá-lo às especificidades da causa e convencionar sobre os seus ônus, poderes, faculdades e deveres processuais, antes ou durante o processo.

Parágrafo único. De ofício ou a requerimento, o juiz controlará a validade das convenções previstas neste artigo, recusando-lhes aplicação somente nos casos de nulidade ou de inserção abusiva em contrato de adesão ou em que alguma parte se encontre em manifesta situação de vulnerabilidade.

ENUNCIADO Nº 36: A regra do art. 190 do CPC/2015 não autoriza às

partes a celebração de negócios jurídicos processuais atípicos que afetem poderes e deveres do juiz, tais como os que: a) limitem seus poderes de instrução ou de sanção à litigância ímproba; b) subtraiam do

Estado/juiz o controle da legitimidade das partes ou do ingresso de amicus curiae; c) introduzam novas hipóteses de recorribilidade, de rescisória ou de sustentação oral não previstas em lei; d) estipulem o julgamento do conflito com base em lei diversa da nacional vigente; e e) estabeleçam prioridade de julgamento não prevista em lei. 409

Em respeitosa e salutar divergência, Fredie Didier Jr, Paula Sarno Braga e Rafael Alexandria de Oliveira entendem que “[...] diante de negócio processual probatório unilateral que, sendo válido, deve ser respeitado: a prova não será produzida.”410

É preciso discordar. Os negócios processuais não podem limitar ou impedir a atividade probatória do julgador em busca da verdade possível de ser alcançada no processo. A possibilidade de convenções processuais em matéria probatória encontra respaldo no modelo cooperativo de processo.

Robson Renault Godinho afirma que “as convenções sobre ônus da prova não interferem nos poderes instrutórios do juiz e, se é verdade que condicionam a aplicação de regra de julgamento, há de se considerar também que precipuamente se dirigem ao aspecto subjetivo do ônus probatório.”411

Portanto, o sistema cooperativo permite também a pactuação negocial interpartes versando sobre matéria probatória, inclusive na fase recursal. Desse modo, mesmo na fase recursal as partes poderão, consensualmente, deliberar sobre alguma prova a ser produzida. Robson Renault Godinho, chega a afirmar que “os limites e possibilidades das convenções sobre ônus probatório concentram a essência do modelo cultural do processo contemporâneo.”412

409

ENFAM. Enunciados sobre o Novo CPC aprovados pela Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados. Disponível em: http://www.enfam.jus.br/wp- content/uploads/2015/09/ENUNCIADOS-VERS%C3%83O-DEFINITIVA-.pdf. Acesso em: 23. Jan. 2016.

410

DIDIER JR, Fredie; BRAGA, Paula Sarno; OLIVEIRA, Rafael Alexandria de. Curso de Direito Processual Civil. v.2. 10 ed. Salvador: Jus Podivm, 2015, p. 136

411

GODINHO, Robson Renault. Negócios Processuais sobre o ônus da prova no novo Código de Processo Civil” In: WAMBIER. Teresa Arruda Alvim; TALAMINI, Eduardo (coord). São Paulo: Editora Revista dos Tribunais: 2015, p. 229.

412

6 O PODER INSTRUTÓRIO DO JULGADOR NA FASE RECURSAL A PARTIR DO