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Um dos principais fenômenos sobre o controle monetário está em relação ao processo de emissão de moeda, principalmente os efeitos que isto causa no nível de preços. O processo de senhoriagem, apesar de pertencer aos primórdios da cunhagem de moedas, é um fenômeno que se mantém presente e gera discussões ainda na atualidade. Como colocado por White (1999), em termos simples, senhoriagem representa o lucro gerado ao produzir moedas a um custo menor do que a moeda produzida possui. Antigamente a senhoriagem podia ser interpretada como os ganhos gerados pelo aviltamento das moedas metálicas, ou seja, a diminuição do conteúdo metálico das moedas pelos reis ou governantes de forma a inflar a receita dos mesmos. Com a moeda fiduciária (fiat money) não é diferente. Os ganhos gerados a partir da “impressão” de papel-moeda ou mesmo através do aumento da base monetária por registros contábeis pelo banco central representam a senhoriagem hoje em dia. Logicamente que o processo de manipulação da base monetária não segue mais a simples alteração do conteúdo metálico de moedas, o banco central ou a autoridade monetária do país em questão normalmente faz uso de operações de mercado aberto, onde ocorre a negociação de títulos do governo a uma dada taxa de juros, de forma a aumentar ou diminuir a base monetária. A base monetária

também pode aumentar simplesmente pagando as contas do governo, ou ser reduzida com arrecadação de impostos. Outras técnicas mais sofisticadas, como o quantitative easing, também funcionam como mecanismos de estímulo à economia ao aumentar a base monetária através da compra de ativos financeiros por parte dos bancos centrais.

White (1999, p. 144) elaborou um modelo intuitivo sobre o funcionamento do processo de senhoriagem, utilizando como base notações algébricas derivadas do clássico artigo de Bailey (1956) e de McCulloch (1982), de forma que o fluxo de senhoriagem do governo é representado por:

A =∆C& .

Sendo que A representa o valor da senhoriagem real, ∆C a variação nominal da base monetária e & o nível de preços. É possível transformar esta expressão de forma a isolar os dois diferentes aspectos da senhoriagem: a “taxa de imposto” e a “base tributária”,

A = D∆CC E DC&E.

Onde (∆C C⁄ ), a taxa de crescimento de C, representa a “taxa de imposto” e (C &⁄ ), o estoque real de moeda, representa a “base tributária”. A equação anterior pode ser simplificada por,

A = Fℎ,

onde F representa a taxa de expansão da base monetária (∆C C⁄ ) e ℎ representa o estoque real de moeda (C &⁄ ). White (1999, p. 145) assume que tanto a taxa de inflação efetiva quanto a esperada variam na mesma proporção que a taxa de expansão da base monetária. Assim, uma equação de crescimento derivada da equação de troca H = &I pode ser definida como,

∆C

C +∆HH ≈∆&& +∆II , onde é possível assumir que,

∆&

& =∆CC + (,

sendo ( uma constante que representa a diferença entre a taxa de crescimento da velocidade das transações e a taxa de crescimento do produto real,

( =∆HH −∆II .

Dada estas suposições, um aumento da taxa de crescimento da base monetária implica diretamente em um aumento da taxa de inflação. O estoque real de moeda (ℎ) se ajusta de acordo com a demanda por moeda do período (ℎK), através do ajuste do nível de preços (&). Assim, se ocorrem mudanças em F, ou seja, mudanças na taxa de expansão da base monetária, diretamente ocorrem mudanças na taxa de inflação esperada. Quanto maior a taxa de inflação esperada, maior o “preço” pago, na forma de perda de poder de compra, o que significa que a quantidade real de demanda por moeda cai à medida que a taxa de expansão da base monetária F aumenta. Desse modo, um governo que tenta maximizar a sua senhoriagem, ou seja, procura maximizar A em relação a F, deve levar em consideração o efeito negativo que um maior valor de F causa na quantidade real de demanda por moeda (WHITE, 1999, p. 146).

Quanto maior a taxa de expansão da base monetária F, maior serão os ganhos de senhoriagem do governo, porém isto tem um efeito contrário que reduz o estoque real de moeda ℎ devido ao aumento na expectativa de inflação. Assim, um ponto maximizador de senhoriagem pode ser definido por F∗, onde o nível de senhoriagem atinge um valor que não pode mais ser elevado sem que a diminuição de ℎ afete os ganhos totais de senhoriagem do governo, como ilustrado pelo Figura 1.

Figura 1: Nível de senhoriagem máximo representado pelo retângulo abaixo da curva de demanda h.

Fonte: Adaptado a partir de White (1999, p. 147).

A área do retângulo abaixo da curva de demanda ℎ representa o ganho de senhoriagem obtido pelo governo dada a taxa de crescimento da base monetária. Como o governo é monopolista e detentor do poder de emissão de moeda, este exemplo também pode ser relacionado com a teoria monopolista de maximização de preços, principalmente quando interpretado em termos de elasticidade.

Um outro modo de visualizar os efeitos da senhoriagem na economia é através da Curva de Bailey (figura 2), que representa o ganho real de senhoriagem dada a taxa de crescimento da base monetária, algo que se assemelha em alguns aspectos a possivelmente mais conhecida Curva de Laffer. Bailey (1956) utilizou da função elaborada anteriormente por Phillip Cagan para demonstrar o ponto maximizador de senhoriagem do governo. Desse modo, a Curva de Bailey pode ser é definida por,

L ℎK = − MF.

Assim, o formato da Curva de Bailey indica o estado- estacionário da senhoriagem real, steady-state of real seigniorage ou simplesmente SRS. Quanto maior mais íngreme será a Curva de Bailey na origem, o que levará a uma senhoriagem (A∗) mais alta. Quanto maior o valor de M, mais rapidamente a curva se aproxima do eixo horizontal assintoticamente à medida que F tende ao infinito.

O formato da Curva de Bailey permite a nível teórico a visualização de como diferentes políticas afetam os ganhos de senhoriagem de um governo. A

Figura 2

representa uma política onde ocorre a imposição de restrições sobre bens substitutos da moeda nacional, ou seja, medidas que dificultem o uso de outras moedas pelos indivíduos para realizar transações. Tais restrições forçam um aumento de demanda pela moeda nacional, o que aumenta a senhoriagem real do governo para qualquer taxa de expansão da base monetária. A curva ‘A’ na

Figura 2

representa a SRS onde existem outras moedas competindo com a moeda nacional, enquanto a curva ‘C’ representa a SRS com menos bens substitutos, ou seja, onde existem restrições por parte do governo na utilização de outras moedas além da nacional.

Figura 2: Comportamento do nível de senhoriagem do governo.

As conclusões de White (1999) implicam que quanto maior o número de bens substitutos para a moeda nacional, ou seja, quanto mais moedas estiverem competindo dentro de uma mesma economia, menores serão os ganhos advindos de senhoriagem para o governo. Em contrapartida como ilustrado pela

Figura 2

, maiores restrições ao uso de outras moedas deslocam a curva SRS para cima e para direita, aumentando o nível de senhoriagem. Proibir a utilização de moedas estrangeiras de uma economia é uma forma de proteger os ganhos de senhoriagem. Como apontado por White (1999, p. 154):

A seigniorage-motivated government would certainly seek to prevent a widespread substitution from domestic to foreign currency, a phenomenon known in Latin America as the “dollarization” of the economy. Dollarization shrinks the real demand for domestic currency and, thereby, reduces potential seigniorage.

Logo, o processo de senhoriagem é algo que afeta o comportamento das estratégias econômicas de um governo em vários aspectos. O controle monetário continua sendo necessário para a implementação de políticas, permitindo desde o próprio financiamento via emissão de moeda, controle da inflação e realização de políticas monetárias de forma a estimular a economia. Porém, a existência de um trade-off entre se autofinanciar e o consequente aumento da expectativa de inflação, coloca os governos e instituições monetárias em uma posição oportuna, na qual combinada com os incentivos errados podem gerar crises econômicas5.