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PROCESSOS DE INCLUSÃO ESCOLAR: VIVÊNCIAS MARCADAS PELO GÊNERO

PART BAIRRO ONDE

5.2 PROCESSOS DE INCLUSÃO ESCOLAR: VIVÊNCIAS MARCADAS PELO GÊNERO

Diante das condições enfrentadas pelas mulheres no constante desafio em prol dos seus filhos(as) e netos(as), serão analisados, nesta subseção mais precisamente, os dados coletados a respeito da inclusão escolar das crianças com deficiência visual, tendo em vista a participação feminina e as implicações das questões sociais e político-econômicas nesse processo.

5.2.1 Posicionamentos femininos e masculinos frente ao processo de inclusão

A quem coube a decisão de incluir? Esta subseção, iniciada com um questionamento, dá conta de posições subjacentes a ele, assumidas pelos pais e pelas mães diante da responsabilidade de optar pela entrada da criança na escola.

A partir das entrevistas, foi possível perceber alguns aspectos significativos sobre a participação feminina e masculina, do ponto de vista das mulheres.

A escola, eu escolhi. Quer dizer, eu escolhi não, a única que eu achei. Porque eu procurei várias escolas, tive em várias escolas. (M1).

M1 experimentou diversas situações de rejeição da matrícula da filha em função da deficiência, fato que será melhor explicitado na página 162. Nos momentos difíceis, não encontrou suporte do marido, conforme ilustra o recorte a seguir:

É porque também ele [pai] não se adaptava muito a esse negócio de botar S. [filha] na escola e ele também é muito acomodado. Por ele, eu parava ali mesmo, entendeu? Ele dizia: deixa a menina crescer mais. Se eu fosse pela conversa dele, hoje em dia minha filha não estava como está, desenvolvida como ela está, né? Ah, hoje ele acha maravilhoso. Quando ele vê o desempenho de S., aí ele acha maravilhoso. (M1).

Bom, a escola... A escola quem escolheu foi T. [pai]. (M5).

No caso de M5, a escola a que ela se refere foi a segunda frequentada pelo filho, pois a família mudou-se de Minas Gerais para Salvador. O marido veio primeiro e ela somente pode vir depois, no final do ano, já no período de matrículas. Ela justifica que essa ocorrência foi determinante para a indicação da escola pelo marido, enquanto todo o restante do processo foi assumido por ela, conforme seu relato:

Quando ele me falou da escola, primeiro que, quando eu cheguei aqui, eu cheguei meio perdida, né? Eu já cheguei em dezembro. Finalzinho de novembro, início de dezembro. Já era período de fazer matrícula. Eu tinha olhado uma outra escola que eu não tinha gostado e a gente também achou o valor muito alto. Então, quando eu cheguei lá no I. [escola], ele já tinha me dado essa referência, eu fui bem acolhida. Pra quem tá chegando de fora, essa questão de acolhimento é muito importante, né? Ela é importante pra qualquer um, mas quando você tá vindo... (M5).

Quando questionada sobre a razão pela qual ela ficou responsável por efetuar a matrícula, responde enfaticamente, fazendo alusão à divisão de tarefas em função do sexo.

Ah, é a divisão, né? (M5).

De todas as participantes, apenas M2 e M6 dividiram a responsabilidade sobre a inclusão da criança com os pais, e somente elas relataram encontrar apoio dos mesmos na realização de tarefas escolares com a criança. As demais mães consultadas tomaram, sozinhas, a decisão de incluir as crianças e não contaram com o suporte do genitor nesse momento. A9 informa que também coube exclusivamente à sua filha definir o momento de incluir a criança.

Percebe-se que a participação no processo decisório não significou o envolvimento paterno nas demais etapas da escolarização da criança, tais como: visita à escola para conhecer o espaço e a equipe docente; efetuação da matrícula, levar e pegar a criança na escola, apoio nas atividades escolares, idas à escola e ao

centro especializado a fim de saber sobre o desempenho do(a) filho(a). No discurso de M5 emerge a falta de implicação paterna no processo de escolarização do filho.

Uma vez a gente conversou [com a professora] porque a gente foi buscar, né? Fomos nós dois buscar o L. [criança] e aí a gente encontrou ela na saída. Ela [professora] acabou e falou: Ai L, eu tinha que aproveitar a oportunidade de conversar com o T. [pai] ali. Porque ele, por livre e espontânea vontade, não vai. Tem que ser numa ocasião assim, que as coisas coincidem pra ele poder ter contato. (M5).

É necessário, portanto, levar em consideração dois aspectos: a opinião do pai no momento de incluir talvez se apoie no fato de que, sendo o provedor da casa, o recurso financeiro destinado à escolarização da filha origina-se da sua remuneração. Outro aspecto a ser considerado é que, em função do trabalho, o genitor geralmente encontrava-se ausente boa parte do dia, o que dificultava acompanhar a criança nas atividades pedagógicas realizadas em casa ou nas solicitações de comparecimento às reuniões promovidas pela escola. Além da questão laboral, a divisão de tarefas, com base nos papéis tradicionalmente atribuídos a homens e mulheres, faz com que historicamente recaia sobre a mãe a função de educar, o que inclui auxiliar a criança nas atividades escolares.

Na verdade, J. [pai] não é muito participativo, porque lá em casa quem toma as decisões sou eu, né? Eu que resolvo tudo, eu que corro atrás de tudo. Muitas vezes, até a gente briga por causa disso. Eu tento conversar com ele, passar as coisas pra ele. Ele escuta ali, se você perguntar a ele, daqui a dez minutos, o que eu falei, ele não sabe lhe dizer. Então ele é desse tipo. Se você chegar pra ele e falar alguma coisa, ele lhe escuta, ele grava, ele conversa, debate. Mas se eu falar, ele ouve ali, saiu dali, acabou. Inclusive às vezes até a gente discute, porque eu reclamo que ele tem que participar mais. Quando tem reunião na escola, sempre sou eu que vou. Quando tem reunião aqui [CIP], sou eu sempre... (M1).

M1 demonstra não concordar com a atribuição exclusiva de responsabilidades que recai sobre ela e contesta o posicionamento do marido, confrontando suas justificativas:

Sempre a desculpa dele é que tá trabalhando, tá trabalhando, mas se eu tivesse trabalhando também? Eu também não teria que largar o trabalho pra ir? Ele não trabalha de carteira assinada. Ele trabalha avulso. É, eu acho que na verdade ele não quer ter responsabilidade. Ele não se acha capaz de resolver certas coisas. Acho que é isso. (M1).

Em seguida, surge um dado ainda mais relevante, quando M1 compara a postura do marido em relação à primeira filha, que não tem deficiência, e sua atitude frente às questões que envolvem S.

Com S., eu acho que ainda é pior porque ele sabe que é mais responsabilidade, entendeu? Ele tem medo de errar, eu acho que o medo dele é esse: medo de errar. (M1).

Percebe-se o estigma associado à deficiência perpassando a relação entre pai e filha, gerando nele o sentimento de incapacidade, de ―não saber‖ como lidar com as situações cotidianas. No entanto, alguns pais ajudavam e compareciam às escolas, quando solicitados, não se caracterizando, portanto, um comportamento espontâneo.

Eu mesmo que escolhi. Eu mesma [sobre quem matriculou]. Porque estou à frente de tudo dos meninos. Se for necessário ir pra uma reunião da creche, ele [pai] vai. Quando eu necessito da ajuda dele, aí eu falo com ele. Ele vai. Porque ele não... ele não gosta muito não... Assim, dele mesmo, ele não gosta de participar. (M7).

A9 informa que a decisão de incluir a criança, de matriculá-la, foi da genitora, sem a participação do pai, que comparece apenas quando solicitado Separado da genitora, ele se mostrava alheio ao cotidiano e às necessidades do filho, mas vai à escola em momentos pontuais, como a comemoração do dia dos pais ou em reuniões.

Foi a mãe. Ela mesmo. Ele não se interessa. Já foi [na escola], já participou, dia dos pais. Já foi em, já foi em reuniões também. (A9).

A9 encontra, no temperamento do pai e na educação que ele teve, a justificativa para essa atitude paterna, conforme comprova o seguinte discurso:

Eu acredito que é o jeito dele mesmo. Entendeu? O temperamento, o tipo de criação que teve, né? Eu acredito que seja... Até assim nas outras coisas ele é meio... Ele chega assim todo calado. Não é aquela pessoa de procurar ver. Assim... ele era mais levado por ela, vamos fazer, vamos fazer. (A9).

5.2.2 Sobre escolas e processos de inclusão

Assim como em algumas das categorias analisadas anteriormente, e visando a uma melhor sistematização das informações coletadas, recorreu-se à estruturação dos Quadro 4 e Quadro 5. O primeiro caracteriza os locais de ensino nos quais as crianças encontravam-se incluídas. O segundo fornece alguns dados sobre o processo de inclusão escolar. Contudo, tendo em vista a complexidade dos fenômenos em análise, os quadros trazem informações pontuais que serão contextualizadas através dos relatos das participantes e das considerações feitas a partir da literatura sobre o tema.