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Processos de ocupação urbana 48 

CAPÍTULO I IDENTIFICAÇÃO DO DISPERSO 5 

1.2. Anatomia do Disperso 41 

1.2.4. Processos de ocupação urbana 48 

Debruçar-nos-emos, agora, sobre os processos de transformação que possibilitam as tipologias de urbanização, que por sua vez configuram as estruturas de povoamento.

Tomando, mais uma vez, como ponto de partida o trabalho de Cidália Silva, verifica-se que os processos de transformação identificados resultam da reinterpretação do trabalho de Solà Morales53. Para o efeito considera que os processos de transformação resultam da combinação de três factores: o Parcelamento (P), a Infra-estruturação (I), e a Ocupação (O). Substituiu o factor urbanização por infra-estruturação, dado o primeiro conceito estar intimamente ligado a um ambiente urbano, no sentido clássico, isto é, de malha organizadora do espaço público. Substituiu, ainda, o factor edificação por ocupação, para poder abarcar os diferentes usos e funções que as parcelas detêm, independentemente de conterem edificação, dado que nos povoamentos dispersos, desta natureza, os espaços verdes (vazios) são tão ou mais importantes que os espaços edificados (cheios).

Fig. 13 – Ocupação no Vale do Ave

Fonte: Silva, “Saber ver o Difuso no Vale do Ave”

A combinação destes factores ao longo do tempo tem como consequência o aparecimento de tipologias distintas. Os processos que resultam da combinação dos factores podem ser agrupados em dois grandes grupos: o que decorre de processos lentos e cíclicos, normalmente associados a processos de auto construção promovidos por proprietários e agentes locais, parcela a parcela; e o que decorre da introdução de um procedimento jurídico distinto, onde a reconfiguração da(s) parcela(s), a infra-estruturação e a ocupação ocorre quase em simultâneo, com promoção, na maior parte dos casos, por promotores e imobiliários de esferas supra locais.

No contexto desta dissertação, procura de bases para o ordenamento dos povoamentos dispersos, os processos de ocupação devem corresponder, não tanto a processos históricos de formação das paisagens, mas aos processos e procedimentos legais que originam as edificações em parcelas com ocupações

agrícolas, pastoris, e / ou florestais. Conciliando a análise comparada entre o estudo para o Vale do Ave e o que lhe serviu de referência, e o enquadramento legal proporcionado pelos nossos regimes jurídicos, constatamos serem cinco os factores que intervêm nos processos de ocupação determinantes para a expansão da ocupação urbana e conformação dos povoamentos dispersos.

Considerando que a ocupação tem lugar sempre sobre uma parcela, e que para tal ocorrer a mesma tem de estar previamente servida por uma infra-estrutura de mobilidade, por muito singela que seja, os factores a considerar para a equação de uma matriz relativa aos processos de ocupação são:

- Parcelamento (P), sempre que a ocupação resulte da divisão da parcela inicial ou da união de duas ou mais parcelas, isto é, sempre que haja necessidade de reestruturação do parcelar;

- Infra-estruturação (I), sempre que haja a necessidade de abertura de novos arruamentos e novos espaços de usufruição pública, e/ou a dotação do espaço público (caminhos e vias) de infra- estruturas básicas complementares (redes de abastecimento de água e saneamento);

- Cedências (C), sempre que no processo de ocupação se verifiquem melhoramentos / ampliações do espaço público existente sem que tenham ocorrido obras de infra-estruturação (nos termos anteriores);

- Edificação (E), sempre que a ocupação principal se concretize na edificação;

- Ocupação (O), sempre que se verifique uma alteração da ocupação inicial (natural ou rústica) em função da proximidade de nova edificação.

A combinação destes factores, ou apenas o reconhecimento da ocorrência de alguns deles, auxiliam na percepção da configuração de tipologias de urbanização e das figuras jurídicas que as possibilitam. O que não poderão nunca traduzir são as morfologias adoptadas por cada intervenção, ou seja, não retractam a tipologia da edificação (unifamiliar isolada, geminada ou em banda; multifamiliar; blocos de apartamentos ou mistos; pavilhões industriais ou armazéns; comércio ou serviços) nem a sua relação face ao espaço público. Para melhor compreensão do quadro seguinte, a introdução do factor tempo será representada por um sinal +, e a probabilidade de ocorrência de um factor, para além dos que caracterizam, sem sombra de dúvida, determinado processo fica expressa utilizando parêntesis.

Note-se que este quadro também não expressa os factores que sustentam a selecção dos processos de ocupação, nem o universo de legalidade em que ocorrem. Poder-se-á afirmar que as condições para a expansão através de processos não reconhecidos pelo planeamento, como refere Solà Morales, são cada vez mais escassas, até porque nas últimas duas décadas os povoamentos dispersos surgem com o consentimento da Administração Pública, Central e Local, resultado de elásticos meandros legais.

Quadro 4 - Processos de Ocupação Urbana Tipologia

Urbanização

Processo Ocupação

Combinação Procedimentos / Figuras jurídicas

Uni

dad

es A

utó

nom

as A PI+E Loteamentos urbanos ou planos de pormenor

B P+E+(I) Loteamentos clandestinos

C (I)E+(C) Edificação em parcelas de maior dimensão D PIE Loteamentos urbanos Propriedade Horizontal (condomínios ou resorts)

Utilidade Pública (em solo rural)

Li ne ar / Espr ai ad o

E I+(P)E Quando decorre da abertura de uma nova via, ou transformação de um caminho em via pública pela Administração Local

F E+(C) Edificação apoiada em infra-estrutura existente G PC+E Loteamento apoiado em infra-estrutura existente A PI+E Loteamentos para extensão de troços viários

H O As parcelas tendem a perder a sua ocupação rústica para se tornarem expectantes / parques de estacionamento / stands

Avulso F E+(C) Edificação apoiada em infra-estrutura existente

Sobre a caracterização e consequências “das transformações informais”, ou não reconhecidas, em Portugal transcrevo dois pequenos textos de Bruno Soares e Fonseca Ferreira.

Para Bruno Soares “os processos informais atingem todo o território nacional, seja através da construção ilegal dispersa nas zonas rurais de pequena propriedade, dos loteamentos que envolvem muitas das nossas cidades ou que alastram na costa alentejana e na região de Lisboa, ou das construções que aparecem sobre as praias de norte a sul do país. (...) A deficiente selecção dos terrenos em função da sua aptidão para uso urbano, a má implantação das malhas de arruamentos e de construções em relação aos sistemas naturais existentes e à configuração e topografia dos próprios terrenos, a má organização do tecido urbano e do espaço público dos bairros, denotam a “falta de cuidado” dos loteadores na promoção destas novas áreas urbanas.”54

Fonseca Ferreira destaca que “o loteamento ilegal e a construção não licenciada (usualmente designados de ‘clandestinos’) têm constituído a principal forma de expansão dos grandes aglomerados populacionais, nos últimos 25 anos. E constituem o ‘reverso da medalha’ da inexistência de uma política habitacional produtiva e acessível.

Na base da expansão da construção clandestina estão factores sócio-económicos: baixos rendimentos da população, preços elevados dos terrenos e das casas, estrangulamentos do sistema de crédito e monopolização da promoção. Mas estudos recentes têm demonstrado, igualmente, a influência da inadequação das tipologias habitacionais produzidas pelos sectores público e privado na expansão dos ‘clandestinos’. Uma parte significativa da população, recém imigrada dos campos bem como estratos médios urbanos, cansados da cidade, procuram na periferia um modelo de habitat unifamiliar e em forte relação com a natureza. Resumidamente estas são as causas que determinaram a forte proliferação da habitação clandestina.”55