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Processos de Solubilização e Formação das Feições Cársticas em Rochas

2. GEOMORFOLOGIA DOS AMBIENTES CÁRSTICOS

2.3. Processos de Solubilização e Formação das Feições Cársticas em Rochas

A formação das feições cársticas em rochas siliciclásticas é ocasionada pelo conjunto de processos composto por dissolução da sílica e remobilização mecânica dos grãos alterados.

2.3.1. Dissolução da Sílica

A dissolução, principal processo na carstificação, está relacionada à circulação da água no sistema e ocorre a partir da reação da sílica com a água, por meio da hidrólise, formando o ácido silícico (EQUAÇÃO 2.1). Conforme Martini (1984), a acidez da água envolvida nesta etapa do processo de intemperismo químico, pode ser considerada leve e produz pouca solubilidade.

SiO2 (s) + 2H2O H4SiO4(aq) K=1,1.10-4 (25°C)

EQUAÇÃO 2.1 - Hidrólise da sílica

Fontes: Martini, 1984; Urbani, 1986b; Gunn, 2004; Ford e Williams, 2007

Na forma alternativa, Si(OH4) aq, o ácido silícico corresponde a quatro grupos de

hidroxilas (OH) ao redor de um átomo central de silício (Si). Essa reação é lenta e a solubilidade do quartzo em temperatura ambiente compreende entre 6 e 10mg/l. Em condições ambientais de temperaturas elevadas ou água quente, as reações ocorrem rapidamente e solubiliza, em média, 60mg/l a 100ºC (FORD; WILLIAMS, 2007). Entretanto, essa temperatura não ocorre naturalmente na superfície da crosta terrestre.

O ácido silícico (H4SiO4) é muito mais fraco que o ácido carbônico6 (H2CO3); e a sua

constante de ionização é mais de mil vezes menor que o carbônico (KRAUSKOPF, 1972).

      

Em condições alcalinas de pH acima de 9, o ácido silícico passa por quatro etapas de dissociação, liberando moléculas de hidrogênio (H+) (EQUAÇÃO 2.2).

H4SiO4 H+ + H3SiO4- K=10-9,7 (A)

H3SiO4- H+ + H2SiO42- K=10-13,3 (B)

H4SiO42- H+ + H3SiO43- K=10-32,8 (C)

H4SiO43- H+ + SiO44- K=10-45,9 (D)

EQUAÇÃO 2.2 - Dissociação do ácido silícico

Fontes: Martini, 1984; Urbani, 1986b; Gunn, 2004; Ford e Williams, 2007 (A,B). Lindsay (1979); Melo e Perez (2009) (C e D)

A liberação dos íons de H+ na solução é importante neste processo, porque o poder de dissolução da água é denominado agressividade (SWEETING, 1972). A agressividade da água pode ser mensurada pela concentração de íons H+ na solução, expressada através do pH.

Em condições de pH acima de 9, a solubilidade da sílica pode ser excedida e sílica amorfa (SiO2.nH2O), precipitada. Esse processo é comum em zonas secas de solo. A sílica

amorfa (K = 10-2,7) solubiliza, em média, 100mg/l em água de pH normal do carste e esse índice pode elevar para, aproximadamente, 300mg/l em água muito alcalina ou quente. Em condições ambientais de água subterrânea supersaturada, a sílica amorfa pode precipitar (FORD; WILLIAMS, 2007). Vale ressaltar que estes valores, resultam de experimentos laboratoriais, mas em condições ambientais, raramente são alcançados.

Martini (1984) mostra que devido à taxa de dissolução da sílica ser baixa7, a dissolução pode atuar através de diaclases e intergranularmente, permitindo a transformação das rochas maciças e duras em massas friáveis, porosas e permeáveis. Esse processo é denominado arenização (MARTINI, 1979; 1984). Isso, geralmente, ocorre em pequenas quantidades até que a coesão diminua exponencialmente e, assim, permite a atuação do processo de remobilização mecânica. A FIG. 2.1 demonstra a arenização e registra que a água penetra na massa da rocha, preferencialmente ao longo de lineamentos estruturais e planos de acamamento, e permite a dissolução da sílica ao longo das arestas intergranulares. Com isso, a rocha perde ou diminui a consistência e se reduz em areia.

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FIGURA 2.1 - Processo de Dissolução da Sílica e Formação de Feições Cársticas8 Fonte: Ford e Williams (2007). Adaptação: Souza, F. C. R. (2012)

O processo de dissolução produz volume significativo de material residual se comparado aos carbonatos. Esse material é remobilizado de modo a produzir canalículos que caracterizam uma rede de drenagem via “piping” (JENNINGS, 1985). Entretanto, há pouco conhecimento sobre os mecanismos iniciais desse processo, sendo considerado na literatura científica (MARTINI, 1979; 1984; URBANI, 1986b) como análogos aos processos de pipes observados em sedimentos inconsolidados.

2.3.2. Remobilização Mecânica dos Grãos Alterados ou “Piping”

Diferentemente do que ocorre em rochas carbonáticas, onde o intemperismo químico é responsável por até 80% da remoção do material durante o processo de carstificação, em rochas siliciclásticas a dissolução é responsável por reduzir o volume de 10 a 20% do material (MARTINI, 1979). Porém, embora os processos mecânicos sejam dominantes no ambiente subterrâneo, a preconização por dissolução é crucial (FORD; WILLIAMS, 2007).

A remobilização mecânica em rochas siliciclásticas, designada “piping”, consiste em remover mecanicamente partículas sólidas, resultando na formação de condutos, que podem

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Silcrete é um material silicoso natural formado em zonas de acumulação de sílica. Essa acumulação é produzida por processos físico-químicos superficiais (mudança de pH, por exemplo) e não por processos sedimentares, metamórficos, vulcânicos e plutônicos (SUGUIO, 1998). 

evoluir formando galerias subterrâneas. A ocorrência dessa etapa erosiva está associada a dois fatores, que ocorrem de forma integrada: disponibilidade hídrica e alto gradiente hidráulico (MARTINI, 1979; GALÁN, 1991).

Quando a zona arenizada porosa e permeável alcança ou é alcançada por uma superfície aberta (parede das escarpas ou a superfície de vale a uma cota inferior, por exemplo), o processo de formação de condutos (tubificação ou piping) começa a atuar. Essa etapa requer alta pressão da água (MARTINI, 1984). A remoção da sílica é eficiente onde a circulação de água é significativa. Caso contrário, a sílica é pouco removida e pode ser reincorporada ao sistema através da formação de clastos (YOUNG et al., 1992). Assim, as cavidades em rochas siliciclásticas ocorrem geralmente em locais de elevado gradiente hidráulico, como borda de falésias, favorecendo o “piping”, principalmente se a camada carstificável estiver mergulhando em direção à escarpa (AULER, 2004).

Com o início da etapa de formação de condutos, originam-se galerias em algumas partes do sistema (FIG. 2.2). As galerias podem funcionar inicialmente em condições freáticas, o que facilita a formação dos condutos. Posteriormente, com o aumento das seções (e/ou diminuição a volume de água), o conduto pode passar a condições vadosas. Neste caso, a erosão e os colapsos são fatores importantes para aumentar as dimensões do conduto (URBANI, 1986b).

FIGURA 2.2 - Modelo de formação de galerias por arenização e piping Fonte: Wiegand et al. (2004). Adaptação: Souza, F. C. R. (2013)

À medida que os condutos ampliam, os colapsos intensificam e os blocos desprendidos podem ser removidos por intemperismo e erosão. Nesta etapa de crescimento volumétrico das cavidades, podem ocorrer diferentes variações morfológicas internas dependendo dos fatores litológicos, estruturais e hidrológicos locais. Esses fatores explicam a

 

diversidade de formas geradas, desde cavidades até pequenos sistemas, ou abismos (URBANI, 1986b).

Quando a circulação hídrica diminui significativamente ou acaba, a cavidade deixa de ser ativa. Assim, os processos de dissolução intragranular, formação de condutos e erosão são interrompidos ou atuam de forma reduzida. Com isso, nestas cavidades podem atuar majoritariamente outros processos como colapso ou exfoliação9 (URBANI, 1986b). Portanto, o processo de dissolução e formação do relevo cárstico está relacionado a conjunto de fatores geológicos, geomorfológicos, climáticos, orgânicos e inorgânicos.