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5.3.1 Apanhar

Nas ocorrências com o processo “apanhar”, notamos uma passividade inerente ao próprio processo, isto é, ninguém pode praticar ação de apanhar, ou ainda, ninguém pode ser o responsável pelo próprio ato de apanhar.

Meu pai me dizia que se eu voltasse apanhada da escola, eu apanhava de novo em casa e que ele mesmo me batia(...).

E92

Eu apanhava de novo em casa.

Participante processo material Circunstância Circunstância

Parece-nos claro que “apanhar” se trata de um processo material. Entretanto, justamente em função dessa passividade inerente ao processo, torna-se inviável identificar o participante “Eu” como Ator. O traço de agentividade comum ao Ator de

processos materiais pertence a um participante não explícito na oração, mas identificável no contexto, o pai do participante “Eu”, o que se torna claro na oração “e que ele mesmo me batia”, que sucede o exemplo analisado.

Lincoln apanhava da mulher, diz biografia.

E93

Lincoln apanhava da mulher.

Participante processo material Ator

Em E93, temos uma análise semelhante a anterior. “Lincoln” não pode ser Ator, já que não pratica a ação. No entanto, aqui o participante que poderia denotar a agentividade aparece explícito na própria oração: a mulher. Ela é a responsável pela ocorrência do processo que é sofrido por “Lincoln”.

5.3.2 Levar

O processo “levar” apresentou, pelo menos, duas diferentes análises, conforme o sentido com que é empregado, sob a ótica sistêmico-funcional. Com a presença de um Escopo, tem um sentido passivo que destaca o participante obrigatório como não podendo ser o Ator do processo. Com um sentido próximo ao do verbo “receber”, carrega uma passividade inerente que, consequentemente, também impede o participante obrigatório de ser identificado como Ator.

Tadeu Paes, um dos coordenadores da campanha de Marta no Tucuruvi, tentou apartar a briga e levou uma garrafada na nuca.

E94

Tadeu Paes (...) levou uma garrafada na nuca.

Participante processo

No exemplo E94, temos mais um caso de impossibilidade de identificar o participante ligado diretamente ao processo como Ator. Afinal, “Tadeu Paes” não pratica ação de levar uma garrafada, isto é, não tem traços de agentividade sobre o processo. A pessoa que o deu a garrafada, se identificável no contexto, é que, talvez, poderia ser identificada como Ator do processo.

Pentatlo: Ghada Shouaa, da Síria, levou o ouro.

E95

Ghada Shouaa (...) levou o ouro.

Participante processo material Meta

A mesma possibilidade temos nesse exemplo. Contudo, não percebemos a presença de um Escopo, e sim de uma Meta (o ouro), com o verbo “levar” tendo proximidade semântica do verbo “receber” e, assim, apresentando análise semelhante, devido à passividade inerente do próprio processo.

5.3.3 Partir

Com o processo “partir”, encontramos mais referências de como alguns verbos impossibilitam a ocorrência de um Ator diretamente relacionado ao processo. É o caso desse verbo quando possui sentido sinônimo ao de “despedaçar-se”. Observemos como se configuram os exemplos.

Um jornalista no local disse que o avião partiu em dois quando bateu contra uma colina com plantações de coco e banana e pegou fogo.

E96

o avião partiu em dois.

Só não passaram inteiramente despercebidos porque forçaram a entrada no Congresso e, na confusão, três vidraças partiram com os pontapés.

E96

três vidraças partiram com os pontapés.

Participante processo material Circunstância

Parece-nos coerente considerar que nem “o avião”, nem “três vidraças” possam ser considerados participantes que carregam traços de agentividade em relação ao processo “partir”, ou seja, eles não praticam voluntariamente uma ação. Antes, o processo de partição é algo que lhes acontece. Então, ambos são participantes não identificáveis como Ator. Sendo assim, percebemos que o Ator do processo fica implícito ou explícito no restante da oração (ou da frase). No primeiro exemplo, o Ator é omitido por provável desconhecimento do autor da frase, isto é, não se pode afirmar quem foi o responsável por o avião ter se partido. Já no segundo exemplo, oferecem-se pistas para quem foi o responsável por partir as vidraças, destacando que foi alguém que usou pontapés para cometer tal ato.

Nesse ponto, convém observar um detalhe que parece percorrer a quase totalidade de análises: a intenção do autor de frases que se incluem nos casos que abrangem a nossa investigação parece ser sempre o mesmo (ou aproximadamente o mesmo), a saber, “não dar ênfase ao Ator do processo, mas sim a outro elemento diretamente ligado a esse processo, o qual não carrega nenhum traço de agentividade”.

5.3.4 Receber

“Receber” é mais um caso dentre os já citados verbos que carregam uma passividade tal a ponto de se tornar inviável identificá-lo como um processo material que tem um Ator como participante obrigatório. Afinal, se alguém recebe algo, é porque não está praticando tal ato.

Por conta desse comportamento, ele recebeu uma nota baixa na avaliação feita pelos seus alunos no 1º semestre do ano passado.

E97

ele recebeu uma nota baixa

na avaliação feita pelos seus alunos

no 1º semestre do ano passado.

Participante processo

material Meta Meta Meta

O cotexto nos permite identificar que “ele” se trata de um professor que recebeu uma nota baixa dos alunos em uma determinada época. Sendo assim, parece lógico que afirmemos ser um caso em que o professor não é o Ator. Se ele recebeu uma nota baixa, é antes o Beneficiário do processo. Mas já esclarecemos ao longo deste estudo que não possui estrutura de Beneficiário. Então, se existe um Ator específico nessa oração, essa posição é ocupada pelos seus alunos, os verdadeiros desencadeadores da ação ocorrida.

No primeiro bimestre deste ano, com um novo sistema de cobrança (automação), o estacionamento recebeu 80.809 veículos e arrecadou R$ 844 mil, mostram

documentos obtidos pela Folha.

E98

o estacionamento recebeu 80809 veículos.

Participante processo material Meta

O exemplo E98 é um dos raros exemplos em que entendemos que o participante obrigatório poderia ser entendido como Ator, se fosse um participante animado. Assim, se tivéssemos “o dono do estacionamento” como participante do processo, então teríamos características suficientes para identificá-lo como o responsável por abrir as portas do seu estacionamento e receber tais veículos. No entanto, destacamos que um estacionamento não pode ser o agente responsável por desencadear ação alguma. Diante disso, o exemplo reforça mais uma vez a discussão apresentada neste trabalho.

Os exemplos com o processo “rolar” deixam clara a distinção de interpretação dos participantes que compõem o processo conforme forem animados ou não animados. Quando animados, são claramente o Ator do processo, quando não animados, comportam-se com características que não se enquadram em nenhum dos participantes já descritos pela bibliografia atual à luz da teoria sistêmico- funcional.

A banca de Gaspar rolou pelo asfalto.

E99

A banca de Gaspar rolou pelo asfalto.

Participante processo material Circunstância

Ouvindo o tiro e os latidos, Sinhá Vitória pegou-se à Virgem Maria e os meninos rolaram na cama, chorando alto.

E100

Os meninos rolaram na cama.

Ator processo material Circunstância

Observando os exemplos, podemos comparar que, enquanto “A banca de Gaspar” não pode ser considerada Ator do processo, dada a ausência de agentividade sobre o verbo “rolar”; “Os meninos” são claramente Atores do processo, já que praticam voluntariamente a ação de rolar na cama.

5.4 PROCESSOS MATERIAIS COM ANÁLISE DEPENDENTE DE