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Produção de conhecimento multifacetada: a Universidade Livre Feminista

6. Feminismo brasileiro a construção de redes e confluências (120) 1 Trajetórias da pesquisa e considerações sobre o ideário feminista (120)

1.4. Produção de conhecimento multifacetada: a Universidade Livre Feminista

Delimitar um único aspecto para estudo da produção de conhecimento feminista nas universidades no Brasil é um trabalho complicado em relação à amplitude dessa produção. Várias são as formas de produção e divulgação de conhecimento feminista que desencadeiam no acesso a outros circuitos de armazenamento, produção e circulação de conhecimento distribuídos em blogs, festivais, fanzines, rádios, marchas, encontros, simpósios, cartilhas, criação de bandas e grupos de intervenção por arte, música e várias outras propostas, apontando para uma correlação entre formas de conhecimentos nas universidades e formas de conhecimento em espaços diversificados.

No entanto, essa diversificação não é pensada em trabalhos que avaliam os circuitos acadêmicos de produção. Ocorre, ao contrário, a centralização nas práticas acadêmicas sem considerar a correlação dessas com mais espaços, o que corresponde narrar as universidades como único espaço de produção e distribuição de conhecimento, consolidando hierarquias sociais entre 'os que conhecem e os que não conhecem', em um percurso colonial de acesso e legitimidade de conhecimento.

Nas produções feministas que avaliam a história do feminismo no Brasil são apontados circuitos de grupos de encontro e mais tarde grupos de estudos antes da entrada das mulheres nas universidades (GROSSI; MIGUEL, 1995; COSTA, 2008; FIGUEIREDO, 2008). Também é possível localizar a produção de fanzines, boletins, manifestos e mais textos que formavam movimentos solitários e coexistentes e uma imprensa feminista a todo o vapor desde o surgimento dos primeiros grupos feministas no Brasil no século XIX (PINTO, 2003; TELES e ROSALINDA, 2013) e que perduram até hoje (CORRÊA, 2001; SIMÕES, 2010).

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A importância da imprensa feminista e da produção de textos e saberes fora dos circuitos universitários pelos movimentos sociais antecipa e antecede a produção universitária, como na tradução e divulgação de textos de autoras feministas por ONGs. Nesse contexto estão textos amplamente reconhecidos e citados em trabalhos diversos, tais como Tráfico de Mulheres, de Gayle Rubin, e Gênero: uma categoria útil de análise histórica, de Joan Scott, ambos traduzidos no Brasil pelo SOS Corpo de Recife, para uso exclusivo de atividades e oficinas nas ONGs, e que só depois tiveram a tradução publicada na revista Cadernos Pagu, UNICAMP, e na Revista Educação e Realidade da Universidade Federal do Rio Grande do Sul.

Nesse cenário de produção ampla, a Universidade Livre Feminista é um dos exemplos atuais de reinvenção, ampliação e alternativa feminista às universidades e saberes institucionais, e por isso seria estudada. Criada em 2009, pelo Centro Feminista de Estudos e Assessoria (CFEMEA), seu estudo se fazia possível graças a alguns marcadores comuns ao sistema de ensino em universidades: sistema autoral de ensino, são usados textos, artigos, livros, apresentações de autoras e autores; cursos oferecidos com tutoria de docentes; certificação dos cursos. Mas conta também com diferenças via outros marcadores: ausência de pré-requisitos para cursar os cursos; cursos de curta duração, 80 ou 64 horas; cursos predominantemente voltados para o empoderamento e participação social das cursistas. Desde 2009 a 2013 foram ofertados 8 cursos com etapas presenciais e a distância ou totalmente a distância (FEMINISTA, 2014).

Os cursos ofertados foram sobre pedagogia feminista, empoderamento feminista via sistema de eleição, participação social e gestão pública feminista (FEMINISTA, 2014). De forma ampla, os cursos refletem as ONGs feministas que compõem a Universidade Livre Feminista, o CEFEMA, e as ONGs associadas a ela como o SOS Corpo de Recife. O CFEMEA é uma ONG fundada em 1989, sediada em Brasília, que trabalha com os eixos de “advocacy, articulação política, comunicação política, produção de conhecimento, educação e formação política” (CEFEMEA, 2014, s.p). O SOS Corpo – Instituto Feminista para a Democracia, fundada em 1981, tem por atuação áreas de educação, comunicação, pesquisa e assessoria (SOS Corpo, 2014) e propôs cursos de formação feminista política a mulheres do nordeste via Universidade Livre Feminista, sendo o último em 2014, Jornada de Educadoras Feministas do SOS Corpo (FEMINISTA, 2014).

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A participação e atuação do CEFEMEA e do SOS Corpo, que já foram também sedes dos encontros presenciais de formação dos cursos, mostra, ao contrário de uma vinculação exclusiva a essas duas ONGs, a proposta de uma universidade coletiva que como aponta a descrição do site tem por objetivo “catalisar e fomentar ações educativas, culturais, artísticas; de produção de conhecimento e compartilhamento de saberes acadêmicos, populares e ancestrais, numa perspectiva contracultural feminista, antirracista e anticapitalista” (FEMINISTA, 2014). A Biblioteca virtual e a TV Feminista, que contam com milhares de produções textuais, entre livros, artigos e vídeos em várias línguas, demonstram a amplitude da proposta de catalisação de conhecimento na produção do acervo da Universidade Livre Feminista sobre os diversos temas feministas.

No entanto, mesmo com todo o encantamento e novidade para realizar a pesquisa também sobre a Universidade Livre Feminista, a dificuldade em estudá-la, pela amplitude dos acervos e cursos, conseguiu trazer nesse breve apresentar o quanto a produção feminista nas universidades é ampla, não restrita aos grupos e núcleos de pesquisa, mesmo quando estão em universidades, apontando, portanto, que ao estudar somente os núcleos e grupos de pesquisa incorre o risco de uma produção que só reflete a si mesma, um estudo de comunidades acadêmicas que demonstrará a comunidade acadêmica e não as demais redes que a compõem. Esse aspecto, tratado mais adiante, é recorrente na análise dos grupos de pesquisa via Diretório de Grupos de Pesquisa do CNPq e mostra um processo de homogeneização dos grupos e núcleos de pesquisa a partir da identificação da universidade como lugar do saber ora mais legítimo, ora mais afastado da vida das pessoas, o que por vezes aponta a relação de divisão hierárquica entre: universidade, saber neutro e objetivo x comunidade, militância, saber político interessado.

1.5. O caminho percorrido: a Plataforma Lattes e as limitações nos bancos de dados

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