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5.   Metodologia: O desenvolvimento do corpus 133

5.5.   Produção de relatórios 150

Uma das formas utilizadas para apresentação dos dados de análise nesta pesquisa é a proposta elaborada na experiência-piloto do projeto de formação de corpus (McCleary e Viotti, 2007). Nesse trabalho, foi proposto um sistema de notação, que aparece ilustrado na figura 18 abaixo.

Figura 18. Sistema de notação proposta em McCleary e Viotti (2007).

A pauta como um todo representa uma (possível) UE na libras, na época segmentada de maneira mais intuitiva, considerando-se basicamente a forma da oração simples. No centro da pauta, em letras maiúsculas, aparecem as glosas referentes aos sinais manuais, que, quando marcadas em itálico, indicam que o sinal se encontra dicionarizado (Capovilla e Raphael, 2001). Marcações morfológicas nominais no português são substituídas pelo sinal de ‘@’ – desde que não comprometam a

151 inteligibilidade da transcrição – e as marcações verbais são substituídas pela desinência de infinitivo. O hífen que aparece em OBJETO-REDONDO indica que ambas as palavras se referem a uma única glosa, isto é, a um único sinal da libras. Os números subscritos junto às glosas servem para diferenciar sinais que recebem o mesmo “nome” (i.e. a mesma glosa), mas que na verdade apresentam formas diferentes.112

A organização da pauta é relativamente icônica, tendo em vista que os articuladores do rosto aparecem nas trilhas acima da glosa em ordem similar à que existe no corpo: cabeça, sobrancelha, olhos, boca, ombro, tronco. Na figura 18 acima, apenas as trilhas da sobrancelha e olhos estão anotadas.113 A primeira trilha refere-se à sobrancelha, que apresenta convenções icônicas tal como o sinal ‘/\’, indicador de sobrancelha levantada. A trilha imediatamente abaixo refere-se ao olhar e também envolve sinais que buscam representar de maneira icônica o seu direcionamento, tal como ‘<’, indicador de olhar para a esquerda e ‘|’, indicador de olhar direcionado ao interlocutor.

A trilha abaixo da glosa refere-se às características do sinal manual: se ele é feito com a mão direita (md), esquerda (me) ou as duas mãos (2m); quantas vezes o seu movimento é repetido (1x, 2x, etc); e em que lugar do espaço ele foi realizado (e.g. ‘<’ indica que foi realizado à esquerda). Na trilha logo abaixo, são anotados sinais manuais que co-ocorrem com outros sinais, como no caso em que o narrador sinalizou simultaneamente RESTAR e VAZI@ com a mão direita, e BASE-OBJETO com a mão esquerda. A marcação em cinza, assim como o pontilhado nas trilhas da sobrancelha e do olhar, indica a permanência aproximada do sinal manual ou não-manual em relação à sucessão das glosas. Por fim, a última trilha abaixo da glosa traz a tradução da passagem para o português, destacando entre colchetes elementos da língua portuguesa cuja fonte não provém dos sinais manuais, mas de outros aspectos significativos da libras ou da situação de fala (e.g. o uso icônico do espaço, o contexto da narração).

112 Os nomes dos sinais são mantidos fixos, independente de o contexto onde emergem sugerir um

significado incompatível com o nome convencionalmente adotado. Embora os nomes dos sinais sejam dados buscando o máximo de generalidade possível a fim de evitar precisamente tais discrepâncias, a possibilidade desse tipo de incongruência resulta da falta de correlação unívoca entre o léxico da libras e o léxico do português, que serve de recurso para a glosagem.

113 Por dificuldades técnicas de manipulação do vídeo-cassete, utilizado na época, esse sistema não

envolveu a transcrição da cabeça, boca e bochechas, ombro e tronco. Essa segunda etapa está sendo agora desenvolvida com a exploração do ELAN.

152 Entre os pontos fortes desse sistema de notação está a representação relativamente icônica de vários dos aspectos que compõem a sinalização fluente, o que facilita a sua leitura uma vez que as convenções sejam explicitadas ao leitor; a sua principal fraqueza, porém, está na impossibilidade de uma representação precisa da temporalidade, captada de maneira vaga pelos pontilhados e o espaçamento. Nesse aspecto, a opção de produção de relatórios diretamente do ELAN também não contribui muito, tendo em vista que tais relatórios não preservam a temporalidade das transcrições e as anotações acabam todas justapostas umas às outras em série.

Por esses motivos, nos casos em que a temporalidade for crucial para as análises – como, por exemplo, nas análises da seção 6.4 desta tese – a alternativa adotada foi a de reproduzir diretamente a transcrição do ELAN utilizando o recurso “PrintScreen” do teclado e, em seguida, recortando a parte relevante para análise, como mostra a figura 19 abaixo:

Figura 19. Foto tirada da tela do ELAN com a passagem relevante para discussão recortada.

Essa outra forma de apresentação dos dados, porém, apresenta as suas próprias fraquezas. Diferentemente do sistema adotado na pauta acima, as convenções emprestadas do projeto VisiCast que aparecem na transcrição no ELAN não são icônicas, constituindo-se, em geral, de iniciais das palavras correspondentes aos valores das anotações em inglês (e.g. ‘rb’ refere-se a ‘raised brows’). É importante manter tais convenções nesse processo de informatização do corpus, no entanto, em vista da importância de uma futura integração do corpus numa base de dados internacional.

Na verdade, a dificuldade de representação de dados de LSs não é tão distinta da dificuldade de representação das LOs. O mesmo sistema de escrita que, de um lado, facilita a transcrição das LOs, de outro lado apaga dimensões próprias da corporalidade,

153 como a prosódia e a gestualidade, que, se seriamente consideradas, trariam problemas similares de transcrição e produção de relatórios para os pesquisadores de LOs. A importância crescente que essas dimensões de uso da língua têm adquirido nos últimos anos, porém, tem sido acompanhada – e, em certa medida, é uma conseqüência – do surgimento de tecnologias que viabilizam o registro da língua e a disponibilização de gravações em seus aspectos auditivos e visuais. Como afirmam Armstrong et al. (1995: 13-14):

Looking back, it appears that linguistics was made possible by the invention of writing. Looking ahead, it appears that a science of language and communication, both optic and acoustic, will be enabled … not by refinements in notational systems, but by increasing sophistication in techniques of recording, analyzing, and manipulating visible and auditory events electronically.

Confirmando essa previsão, a presente tese opta por utilizar os diversos recursos tecnológicos atualmente disponíveis para a representação dos dados nas análises. Ainda que se apóie sobre o sistema de notação do grupo ECS, o trabalho envolverá vários outros recursos, tais como fotos de imagens dos participantes surdos e links para arquivos de vídeo contendo os trechos analisados das gravações – arquivos esses adaptados com velocidade reduzida, legendas e recursos gráficos sobrepostos às falas originais. Afinal de contas, não há por que permanecer preso à bidimensionalidade da escrita quando hoje podemos disponibilizar ao leitor, para averiguação das análises, versões digitais de relatórios, artigos e livros, contendo, em áudio e/ou vídeo, as passagens originais analisadas (McCleary, 2003).

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