• Nenhum resultado encontrado

A produção dos assentamentos comparada com a produção do município de Jóia

Mapa 6: Localização aproximada do Assentamento Simão Bolívar no município de Jóia

3.6. A produção dos assentamentos comparada com a produção do município de Jóia

As produções dos assentamentos da reforma agrária são muito significativas para a economia municipal. Terras que antes geravam riquezas ou eram improdutivas passam a servir de sustento para 589 famílias. A tabela abaixo nos mostra toda a área, numero de famílias e suas respectivas produções.

Tabela 6: Produção dos assentamentos. Assentamentos

Produção Rondinha Ceres Botão de Ouro Tarumã Barroca Simão Bolívar Totais

Área 4.200 1.951 1.154 1.053 514 1.161 10.033 Famílias 232 114 64 55 29 85 589 Bovinos Corte 468 158 192 60 ND 50 928 Vacas Leiteiras 2.060 1.073 84 720 143 ND 4.079 Vacas Ordenhadas 1.030 562 56 78 288 269 2.310 Leite (Lts/mês) 278.000 132.000 16.800 77.760 23.400 67.000 594.960 Ovelhas 117 18 90 50 21 ND 296 Suínos 936 250 640 280 90 ND 2.196 Aves 8.170 3.250 1.200 1.400 1.150 ND 15.170 Equinos 15 15 14 03 ND ND 47 Animais de Tração 90 24 06 20 ND ND 140 Abelhas (cx) 1.300 ND ND ND ND ND 1.300 Hortas 223 ND ND ND ND ND 233 Soja (Has) 1014 955 500 450 290 300 3.509 Soja (Sacas) 31.028 26.000 15.000 10.350 8.700 9.000 94.078 Milho (Has) 413 100 72 80 32 200 897 Milhos (Sacas) 15.694 3.100 2.250 2.400 800 5.000 29.244 Feijão (Has) ND 11 4,5 20 08 ND 43,5 Feijão (Sacas) ND 132 45 285 100 ND 562 Tratores 50 16 09 02 08 05 90 Colheitadeiras 10 04 02 ND 01 ND 10 Caminhões 06 ND ND ND ND ND 06 Ordenhadeiras 93 55 10 35 22 20 235 Resfriadores 134 60 14 30 15 03 256 Pomares 209 ND 03 ND ND ND 212

Fonte: Emater – Escritório local, 2010.

Tabela 7: Produção do Município de Jóia.

Produtos Área Produção Porcentagem da área total

Feijão 170 Ha 2.100 sacas 0,13%

Milho 4.500 Ha 295.750 sacas 58,92%

Soja 75.000 Ha 2.325.000 sacas 3,53%

Feita a comparação da produção dos assentamentos com a produção do município, segundo os dados do IBGE, temos nos assentamentos cerca de 19,93% da produção de milho, a produção de soja nos assentamentos é de 4,67% da produção do município. A maior produção em comparação é a de feijão que é muito significativa e alcança mais de 25%. Nos assentamentos temos 30,63% dos suínos do municípios, os ovinos em menor quantidade representam 2,39% e o rebanho total corresponde à 15,4%. A porcentagem de vacas ordenhadas é de 28,87%. Num município em que tem 75.000 hectares plantados de soja, ou seja, 58,92% da área total e os assentamentos que tem apenas 7,88% da área total não estão abaixo da média de produção. Como as famílias tem como produção principal o leite e o soja, o leite tem mais expressão, no qual a sua produção chega a 28,87% do total produzido no município, deixando claro que mesmo que essas áreas antes dos assentamentos fossem produtivas, não produziam o que se produz hoje e elas atendiam poucas famílias. Hoje com os assentamentos, são 589 famílias que tem condições de viver dignamente produzindo seu próprio alimento , desenvolvendo e diversificando a economia municipal.

4 A DIMENSÃO SUBJETIVA E SOCIAL DA LUTA PELA TERRA

Sadi é um colono, descendente de imigrantes europeus que, em fins do Século XIX, atravessaram o Atlântico em busca daquelas condições de vida que na Europa daquela época não era possível alcançar. Lá eram camponeses, pobres, semi-servos, submetidos ao poder dos grandes senhores de terra, os “junkers”, na Alemanha e “i Signori” na Itália. A unificação alemã, embora tenha dado origem à Alemanha como nação, não transformou esses camponeses em cidadãos e, sobretudo, em proprietários das terras que cultivavam. Na Itália, a formação do Estado-Nação coincidiu também com uma emigração de camponeses pobres.

“Saúdo-vos em nome de meus oito mil administrados, dos quais 3 mil emigraram para a América e 5 mil preparam-se para seguí-los” (Sereni, 1977, p. 351).

Essa frase foi pronunciada pelo Síndico (prefeito ou administrador) da pequena cidade de Moliterno, pertencente à província de Basilicata, sul da Itália, por ocasião da visita à localidade do Presidente Zanardelli. A frase não exprimia apenas a realidade do burgo do síndico de Moliterno. Aplicava-se quase literalmente a toda a Itália. A sociedade italiana tomava assim consciência da fuga em massa de seus compatriotas:

“Por toda a parte, na Itália, ouve-se falar, nos últimos anos do século XIX e nos primeiros do século XX dessa fuga dos italianos das províncias mais pobres; e o fluxo emigratório assumira um volume tal que o fenômeno pode ser computado entre os mais extraordinários movimentos humanos, e não há outro semelhante a ele por seus traços característicos, pelo número de homens que envolveu, pela continuidade em larga escala e pelos efeitos que isso teve em outros países” (idem, p. 351)

Para Emílio Sereni, embora não se possa negar este e outros aspectos do problema emigratório, é preciso ir à origem do problema:

“Não é possível falar do processo de evolução capitalista da agricultura e da formação de um proletariado agrícola de massa sem esclarecer este fato fundamental: que

esse desenvolvimento e este processo realizaram-se em condições tais que uma parte considerável da população italiana é violenta e definitivamente expulsa do processo produtivo nacional e constrangida a buscar em outros países as condições elementares de vida que a Itália lhe negara” (ibidem. p. 351).

Os números da emigração européia do século XIX são simplesmente assustadores. Supõe-se, com boa dose de certeza que, entre 1815 a 1820 nada menos do que 40 milhões de europeus abandonaram a Europa para viver na América, Austrália e Nova Zelândia.

Compreende-se então que os antepassados de Sadi, entre muitos outros milhões, tenham decidido aproveitar a oportunidade que lhes era oferecida pela América. Vieram ao Brasil como poderiam ter ido aos Estados Unidos, Argentina, ao Chile, Austrália, Nova Zelândia ou ao Kênia. Aqui, instalaram-se nas chamadas “colônias velhas”, primeiros núcleos coloniais de imigrantes, em pequenos lotes de terra medindo, em média 25 hectares. Migraram, depois, sucessivamente, a cada geração em busca de novas terras para os filhos, que eram muito numerosos.

Sadi nasceu em Rodeio Bonito (RS), de uma família que não mais podia dar a seus filhos, quando casassem, como era o costume, um lote de terra para trabalhar e formar sua família. Sadi, porem não era o único que precisava de terra para construir sua trajetória de vida e continuar a saga de sua família. Muitos outros, descendentes de imigrantes alemães, italianos, poloneses, ou descendentes de famílias luso-brasileiras, caboclos, índios viram seus horizontes de acesso à terra fechar-se. Poucos viram seus desejos realizar-se. A estrutura da propriedade da terra, altamente concentrada, é praticamente uma muralha impossível de remover. O Movimento dos Sem Terra, herdeiros de séculos de luta pela terra no Brasil, organiza-se na década de 80 e canaliza as aspirações de acesso à terra de uma população muito pobre, mas que via na terra sua realização pessoal, cultural e social. É no Movimento dos Sem Terra que Sadi e seus companheiros se integram para lutar coletivamente pela terra.

José Antonio Gomes, assentado no mesmo projeto de assentamento de Sadi, afirma que “eu sempre trabalhava de empregado de granja, desde os onze anos. Sempre trabalhando em granja...nunca tinha conseguido juntá, fazê nada, tinha nada e eu era sozinho (solteiro). Aí resolvemo í acampá prá vê se conseguia melhorá um pouco a vida. Então comecemo o acampamento no trevo de Tupã com Cruz alta, depois fumo prá Cruz alta, fiquemo seis méis parado sem fazê nenhuma mobilização. Fizemos uma ocupação na Fazenda Boqueirão, em Cruz Alta, tivemo onze dia, tivemo bastante conquista. Daí voltemo pro acampamento na berrada da estrada de novo, lá perto de Ponte Queimada, acho que é Boa Vista (do INCRA). Daí tivemo mais um tempo, (então) mudemo o acampamento prá Júlio (de Castilhos). Fizemo

mais duas ocupação e aonde fomo sorteado daí pro Assentamento Ceres...”

Antonio Augusto Dias Sherer, tal como José Augusto, nos conta que “em 1994 tive a idéia de í acampá no sem terra. (Eu) era filho de pequeno agricultor, trabalhava de empregado. Só simplesmente fui acampá prá adquirí a terra. E assim foi feito, seis méis na fazenda Boqueirão que seria em Cruz alta, e quando fazia um ano na Fazenda Santo Antão em Júlio de Castilhos e quando fazia um ano e seis méis na fazenda Taquarembó em Júlio de Castilhos, aí que saiu, que foi liberada a área da VARIG, aí fumo sorteado e viemo 15 de outubro e viemo prá cima da área dia 26 de janeiro”

Diferentemente de José Antônio e de Antonio augusto, Sadi, cujo nome completo é Sadi Adelar Maurer, nos conta detalhadamente sua saga de sem terra, uma verdadeira navegação por imensas terras que estavam tão fechadas a ele e a seus companheiros quanto o eram as terras dos junkers alemães ou i Signori da Itália. Eis sua história:

“Bom, meu nome é Sadi Adelar Maurer, sou do município de Rodeio Bonito. Sou casado com Nelci Zanchin Maurer. Tenho três filhos: Erton, Dejane e Alan ... nóis resolvemo se acampá no ano de 1990. A gente deu a idéia de saí de lá porque a situação lá não tava fácil. Então a gente resolveu de í se acampá. Procuramo algumas pessoas do MST da época, que tava raro, e aí a gente lá por noventa já começamos as mobilizações ... se preparando prá gente se acampá com o objetivo de conquista um pedacinho de terra. Esse era nosso objetivo inicial porque se sabia que naquele nosso lugar lá não tinha mais como sobreviver. Então esse foi o principal objetivo, foi isso, né.

Aí a gente acampo. O primeiro acampamento foi dia vinte e nove de junho de mil novecentos e noventa e a gente acampou na (fazenda) Plínio Dutra, em Palmeira das Missões. Foi uma área de um latifúndio. Entremo de madrugada e ficamo lá por entorno de quatro, cinco dias e daí nos fomo despejado. Agente entrou lá de madrugada e na outra noite já choveu muito e aí a gente saiu num domingo de manhã, em caminhada rumo a Palmeira das Missões aonde que a gente foi teve assim como um inicio, um principio de nois í prá cidade, mas já com idéia de nois ocupá a FEBEM, que é o Centro de Menores, que existia na época. Daí a gente veio até a entrada de Palmeira das Missões e deu uma diblada na policia. A polícia achava que nois ia prá cidade e ocupamo a área da FEBEM. Ficamos lá por três meses mais ou menos e aí a gente fez a segunda ocupação,.. não, nóis ficamos mais (na propriedade da FEBEM), ficamos dez meses lá, daí fizemos a segunda ocupação e ocupamos a área de Não – Me - Toque.

Não-Me-Toque era uma área, era uma (área da) Embrapa. (Não foi todo o mundo prá Não-Me-Toque), ali ficou uma parte em Palmeira outra parte foi pra Não-Me-Toque prá

gente garantí se em causo de despejo a gente tivesse onde voltá. E aí ficamo lá em torno de quatorze a quinze dias e daí fomos despejados e saímo de lá e fomo prá berrada do asfalto. Daí, saímo da área da Embrapa e fomo prá berrada do asfalto já com idéia de nois ocupá a sede depois. Aí ficamo por mais ou menos oitenta dia na BR que ligava Não-Me-Toque a Carazinho, BR ou RS, não sei, que ligava a Carazinho a Não-Me-Toque entre meio e aí ficamo. Aí, entre meio desses dias, eu fui buscá a minha família toda. E o único que ficou por lá era Erton (seu filho mais velho) na época lá.

E aí a gente ficou oitenta e um dias na berrada (da estrada) e daí foi dia vinte e nove de julho (ou) junho do outro ano já, a gente ocupô a sede. Daí ficamo lá por um ano e acabou ficando um grupo lá e nois saímo na direção da Capela Santa Ana. Capela Santana, aquela área saiu (foi desapropriada), depois o pessoal ocupou e aquela área saiu, isto é foi tê um assentamento lá de vinte famílias, (ou) dezenove, uma coisa assim. Bom, são coisas assim, meio meio, não sei... aí noís fomo prá Capela Santa Ana. Entremo, ocupemo ela, fiquemo lá por um meis e pouco e aí a gente fez a ocupação da sede também da área. Era uma área grande e ocupemo a sede, fiquemo uns dia lá e aquela área acabou saindo também. (Lá) já ficou um grupo de Bagé, que nóis já se juntemo com Bagé, na época eram um pessoal que tinha ficado de Bagé (sem serem assentados) e eram os últimos de lá, em torno de não sei quantas famílias, mas eu sei que ficou um pessoal de Bagé assentado e nóis (que) ocupamo, fiquemo um tempo lá também, em torno de uns dez meis também.

E aí nóis fomo prá..., passamos (por) Porto Alegre e fomo pra São Pedro do Sul, que ficava no município de Eldorado do Sul e ocupemo aquela área também. Fomo numa área de assentamento lá... fiquemo lá por um tempo e aí, de lá que agente foi..., de lá saiu mais uma área que é Encruzilhada do Sul, saiu uma área que saiu um grupo de lá também foi pra Encruzilhada do Sul e nóis fiquemo quase um ano ali, fiquemo numa área de assentamento, aí eles não podia tirá nóis. Fiquemo num barranco lá e aí nesse tempo, nesse meio tempo, a gente fazia bastante mobilizações: Porto Alegre, INCRA, Chocolatão.

E então lá foi onde que o Alan nasceu, ali em Arroio dos Ratos. Nóis tava era Eldorado e aí que foi no ano de mil novecentos e noventa e quatro, eu acho já e em final, aí então nóis resolvemo de ocupá essa área aqui (em Jóia). Foi dezembro de, acho, de noventa e quatro, a gente ocupou essa área aqui e lá daquele nosso pessoal, o que sobro, veio então aqui, nóis se juntamo. De lá nóis viemo por aqui por dentro, por Santa Maria e Julio e Tupã. Nem sei na verdade porque nóis viemo de noite, agente não sabia nem onde tava indo, algum sabiam NE... Aí, nóis cheguemo aqui em dezembro, foi, de noventa e quatro. É, foi em noventa e quatro e ocupamo essa área..., .. eu tô resumindo o fato né, ... e essa área nóis ocupemo,

Fiquemo quatro dia... Nóis tava quatro dia lá em cima na entrada. Nóis ocupemo a sede ali né. Ai então nos fomo despejado. Foi uma humilhação terrível aquele dia, aqui na Jóia, onde eu passei a maior humilhação. E a Nelci já tava no Centrão (em Palmeira das Missões), ... a Nelci a Dejane e o Alan, ... então eu fiquei sozinho. E daí então nóis fiquemo aqui quatro dia, fomo despejado. ... Nóis não tinha rumo mesmo aí, nóis fiquemo meio atiradão ali, nóis não sabia nem o que fazer naquele dia porque não tinha nem mais contato com o pessoal de fora. Isso aqui foi muito difícil aquele dia porque o Bolo entrou prá dentro... o Bolo entrou prá dentro e não deixaram (ele) mais sair ... não tinha mais contato com ninguem e os cara tavam prá surrá mesmo, tinha muito soldado ali ... era milico daqueles de choque, tinha um monte de gente, então era terrível ...

Mas daí nosso pessoal na hora assim pensou de (...) ai o pessoal... nóis não sabia o que fazê... daí foi cochichado entre nois lá e aí dissemo (prá polícia) que nóis tinha um acordo com os assentados de Tupã, que ninguem de nóis sabia onde que era. E aí nóis falamo prá eles: nóis queremo saí, mas nos vamos em caminhada e aí nóis vamo prá Tupã, no assentamento ali e aí os cara não acreditaram em nois e aí, bom, ou apanha ou apanha, nóis resolvemo então dizê: nóis temo indo, não entremo nos ônibus de vocês... O pessoal de Tupã nem sabia que nóis chegava lá ... aí nóis se mandemo ... isso já era duas da tarde no sábado de tarde e aí nóis fomo pra Tupã ... Cheguemo lá e nem sabia onde í. Aí entremo lá num mato e fiquemo uns minuto lá e não era onde nóis queria ficá. Aí nóis entremo dentro daquele frigorífico, num mato do frigorífico (de propriedade) da prefeitura de Tupã ...era muito bom mato... mato né. Daí nóis entremo lá dentro, fiquemo lá, fizemo as barraca, fiquemo nos barraco (e) se aprontemo. Na segunda ou terça, aí só que a prefeitura entrou com reintegração e nos tivemo que saí de lá.

E aí sim entremo numa área provisória lá dos assentados. Fiquemo lá até... Nisso nóis negociemo a (fazenda da) VARIG. Ela entrou em pauta de novo (de desapropriação) e daí conseguimo então de nois sê assentado, de saí essa área. E aí então foi lá por abril ou março é que a gente peguemo no rádio, de madrugadinha, que o governo Fernando Henrique tinha liberado essa área.

Então a partir dali foi muita festa porque nóis de Não-Me-Toque, que eram os mais antigo, se juntemo com o pessoal (acampado) de Vacaria e o pessoal ...dali... como que é... (acampado) de São Miguel das Missões. E se juntemo com esses treis. E daí tinha nóis (que) era os mais antigo, daí tinha a preferência dessa área já e nóis dai estava assentado. Aí saimo (do assentamento de Tupã)... Era mais um piquenique a partir dali né, aí nóis tava assentado. ... Isso daí, daí então nóis fomo assentado.

Nóis, infelizmente, peguemo esse Bolsão (parcela) 4, que nóis não queria. (Mas) nóis fomo assentado (aí), se considerava que aqui era o pior lugar do assentamento né. O 4 é, por causa das dificuldade de terra, muito banhado. Nóis, (então se) localizemo no Um (na parcela 1), fiquemo aí. Nóis tinha nossos barracos lá (no 1) e nóis vinha fazê a horta ali (no 4).

No princípio, no começo, aqui foi vim (só prá) fazê horta, porque nóis queria comê, nóis tinha vontade de comê né, e daí viemo. Nóiss vinha lá de cima, os homem principalmente, todo dia nos vinha aqui, dava oito quilômetro. Essa foi nossa história.

Daí nóis comecemo fazê horta. nóis tinha um grupo coletivo na época. Nóis tinha vinte e uma família e aí nóis vinha todo dia e a gente fazia isso com o maior prazer, com a maior alegria. Isso fazem quinze ano. E aí então nóis iniciemo. Como nóis não sabia (ainda) onde morá (localizar as casas) nóis fizemo nossa agrovila lá no rio (beira do rio), lá em baixo, prá lá do ginasião, prá baixo do campo (de futebol). Aí nóis tinha uma agrovila de lona, mas era coisa mais organizada do mundo... todo mundo. Fizemo tudo, tudo barraquinho prá cada um, com nosso refeitório (comum onde) nóis comia. E daí então nóis fizemo a aqueles barracos. E daí começou a enchente e nóis não conhecia do lugar e nossos barracos começaram a ser inundado, de baixo pra cima. Nóis achava que (a água) não tomava conta (não inundava) de tudo aquilo lá. E aí nóis comecemo (dizê): bom, nois vamo tê que saltá, nóis vamo tê que í atris de um lugar onde morá, aqui não dá mais. Um barraco, o (o do) refeitório, pegou a água numa noite. Daí nóis tiremo (formamos) um grupo e viemo aqui. Nóis era muito organizado! Viemo aqui, olhemo esse lugar aqui (o novo lugar para os barracos). Já balizemo tudo, númeremo e sortiemo. Cada um foi sorteado. Aqui, eu fui sortiado nesse lugar. Nóis lotiamo tudo e nóis sortiemo de um por um. ... Daí nos peguemo os barracos inteiro (de) cada um ... nóis arranquemo os barraco, tranquemo tudo e trouxemo, trazia eles tudo inteirinho. Daí nóis fazia só os buraco, media o barraco, largava dentro e tava prontinho ... Tão interessante né, só que nóis não tiremo uma foto, ninguém tinha uma máquina prá nóis fotografá nóis trazendo (os barraco). O refeitório era (um barraco) pesadão, era coisa grande. Daí nóis taquemo ele e botemo até a mulherada, truxemo ele interinho pra cá prá cima. Larguemo nos cepo já.

Então essa foi nossa história. No princípio nóis começamo a pensar (...), aí assim, nóis, a horta. Foi o princípio, nóis fizemo uma horta boa, uma horta grande. E aí nóis, (n)o primeiro ano, nóis já fumo atrás de vaca de leite, já mandemo um grupo í pra Bagé, fomo prá Bagé. (Foi) ali que nóis compramo setenta novilha, .... que era prá todo grupo né, e até foi o Balduino nosso comprador. E aí nós foi pra lá, trouxe (as novilhas) prá cá. Nóis fizemo pastagem, depois nóis plantemo muito milho naquele ano, muito milho. Prá nós era muito porque era uns trinta hectar de milho, nóis era acostumado a plantá um (hectare)... E daí nóis

tinha muito milho plantado e daí, depois, já veio uma seca, já detonou com tudo. Nóis não colhemo nada naquele ano. Já foi assim um (ano). Mas nóis nóis tinha tanta vontade de vencê que prá nóis isso não era nada...

Então nóis era um grupo que tinha (organização), o grupo dos mais organizado... Como nóis tinha refeitório, organizado, coletivo, (e) essa casinha (aí) do Cenci, era nosso refeitório. E aí nóis comia. Nóis pesava nossa bóia. Nóis tinha o custo de bóia, nóis tinha (calculava o) custo. Nóis tinha uma secretaria montada, que era uma coisa invejável. Nóis sabia o custo dum pé de mandioca, dum pé de salada. Tudo tão organizado! Mas com o tempo isso foi se, ... assim, não dando certo. Nóis não tinha serviço prá toda mão-de-obra. Nóis não se achava (não se entendia) direito.(Por isso) ... nóis enfrentemo muito problema. Nóis se juntemo um monte de famílias, de tudo que canto do Estado e a cultura (de cada família) era bastante diferente. Do segundo ano im diante, já começô a dar problema, (sem contá que) já tinha algumas famílias que nem entraram no coletivo. Mas nóis tinha que dar um jeito. Nóis comprava todo o rancho junto. O rancho saia do dinheiro do coletivo. Mas acontece (por exemplo) que como, (que) eu comia tantos quilos de bóia. Então eu tinha tantos quilos de bóia prá acertá. E daí (que) tinha muita gente (que) já não conseguia mais nem pagar o que comia. ...porque (não é que) nóis tinha mão-de-obra sobrando, nós não tinha era trabalho pra compensar (os gastos) (d)a mão-de-obra. E ai foi começando arrebentá, ... Aí (alg)um já sairam e já começou (com) o Balduíno, ele já saiu no começo. ... já não era mais aquela mil maravilha.

No momento que começô a se vê que o pessoal queria é lucro. Nóis (já) não pensava

Documentos relacionados