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A contribuição dos assentamentos de reforma agrária para o desenvolvimento econômico e social do município de Jóia

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UNIJUÍ – UNIVERSIDADE REGIONAL DO NOROESTE DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL

A CONTRIBUIÇÃO DOS ASSENTAMENTOS DE REFORMA AGRÁRIA

PARA O DESENVOLVIMENTO ECONOMICO E SOCIAL DO

MUNICÍPIO DE JÓIA

NAIRA LETÍCIA GIONGO MENDES

IJUÍ (RS) 2010

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NAIRA LETÍCIA GIONGO MENDES

A CONTRIBUIÇÃO DOS ASSENTAMENTOS DE REFORMA AGRÁRIA

PARA O DESENVOLVIMENTO ECONOMICO E SOCIAL DO

MUNICÍPIO DE JÓIA

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Curso de História da Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul – UNIJUÍ, como requisito final para a obtenção do grau de Licenciatura Plena em História.

Orientador: Dinarte Belato

IJUÍ (RS) 2010

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DEDICATÓRIA E AGRADECIMENTOS.

Dedico esse trabalho aos assentados da reforma agrária no município de Jóia.

Agradeço aos professores da Escola Estadual de Ensino Médio Joceli Corrêa, pelo apoio na realização da pesquisa.

Agradeço de forma particular aos assentados Zulmir Poltronieri, Vilmar Lindermaier, Sadi Mauerer, José Antonio Gomes e Antonio Augusto Dias Sherer que concordaram em conceder as entrevistas sobre suas trajetórias da luta pela terra.

Agradeço também a colaboração e as informações prestadas pelas seguintes entidades: Escritório local da EMATER - RS, Cooperativa Mista de Pequenos Produtores de Jóia Ltda – COOPERMIS - e Cooperativa Agrícola Tupanciretã – AGROPAN.

Agradeço igualmente ao professor orientador Dinarte Belato e aos demais professores do Curso de História da UNIJUÍ pelos conhecimentos e apoio recebidos durante o curso.

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LISTA DE TABELAS

Tabela 1: População do município de Jóia 1982 – 2008. ... 18

Tabela 2: Distribuição da propriedade da terra segundo estratos de área. ... 18

Tabela 3: Área, porcentagem da área total e número de famílias assentadas em assentamentos da reforma agrária em Jóia. ... 39

Tabela 4: Produção Agropecuária do Município de Jóia - 2009 ... 41

Tabela 5: PIB, PIB/ Capita Jóia e PIB/Capita Rio Grande do Sul 2000/2006. ... 41

Tabela 6: Produção dos assentamentos. ... 46

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LISTA DE MAPAS

Mapa 1: Localização do Assentamento Botão de Ouro. ... 22

Mapa 2: Localização do Assentamento Rondinha no Município de Jóia. ... 23

Mapa 3: Localização do Assentamento Ceres no Município de Jóia. ... 33

Mapa 4: Localização do Assentamento Barroca no município de Jóia. ... 34

Mapa 5: Localização do Assentamento Tarumã no município de Jóia ... 35

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ... 6

1 A LUTA PELA TERRA ... 11

1.1 A Reforma Agrária ... 13

2 O MUNICÍPIO DE JÓIA ... 17

2.1 Assentamento Botão de Ouro: O primeiro Assentamento de Jóia ... 20

2.2 O Assentamento Rondinha ... 22

2.3 O Assentamento Ceres ... 30

2.4. Assentamento Barroca ... 33

2.5 Assentamento Tarumã ... 34

2.6. Assentamento Simão Bolivar ... 35

3 ANÁLISE ECONÔMICA DO MUNICÍPIO DE JÓIA ... 38

3.1 Produção do Assentamento Rondinha ... 42

3.2 Produção do Assentamento Ceres ... 42

3.3 Produção do Assentamento Botão de Ouro ... 43

3.4 A Produção dos Assentamentos Tarumã, Barroca e Simão Bolívar ... 43

3.5 Comercialização da Produção, Capacitação e Crédito ... 44

3.6. A produção dos assentamentos comparada com a produção do município de Jóia ... 45

4 A DIMENSÃO SUBJETIVA E SOCIAL DA LUTA PELA TERRA ... 48

CONSIDERAÇÕES FINAIS ... 61

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INTRODUÇÃO

A terra é um bem dado, isto é, existente antes do aparecimento dos seres humanos e de suas diversificadas e históricas formas de organização. Este aspecto da terra como bem dado esteve fortemente presente em todas as sociedades pré-modernas como identificação da posse da terra por um ser, normalmente de caráter religioso, e que se exprimia no refrão: a terra só a Deus pertence. Esta tipo de posse, digamos, transcendente, da terra, bem entendido, transcendente à uma determinada sociedade concreta, tinha como objetivo evitar a apropriação deste bem por parte de uma fração da sociedade e, por intermédio dela, submeter e oprimir o restante da sociedade. Portanto, o refrão: a terra só a Deus pertence pode ser traduzida do seguinte modo: ninguém, individualmente, ou famílias singulares ou ainda clãs, podem apossar-se com a exclusividade da terra que pertence a todos. Sabiam o povos antigos que os que perdessem o acesso à terra, perdiam também todas as demais prerrogativas de pertencimento à sociedade e acabavam reduzidos à escravidão, ou a uma das muitas modalidades de servidão.

Pode-se ler a história das sociedades antigas a partir do modo como ocorreu a expropriação da comunidade ou parcela dela da posse e do acesso à terra e como, a partir disso se instauraram, como tem demonstrado de forma pioneira Engels, a propriedade privada, as classes sociais e o estado: a civilização grega e romana evoluíram para a mais profunda e duradoura forma de escravidão da antiguidade; a civilização egípcia, mesopotâmica, Hindu e chinesa e mesmo Inca constituíram sociedades despóticas, isso é, sociedades em que uma classe social, com controle rígido da terra exige um estado burocrático dominado por sacerdotes, guerreiros e administradores votada ao controle da massa de camponeses voltadas à produção irrigada. É por esta razão que esse tipo de sociedade se chama também, de um ponto de vista político e econômico, “impérios teocráticos do regadio”. A sociedade feudal constituída na Idade Média européia a partir de

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uma longa evolução após a queda do Império Romano e da contribuição das sociedades bárbaras se fixa num sistema que embora seja uma variante do despotismo oriental tem como característica própria uma estrutura fortemente descentralizada, aliado a um controle rígido do excedente produzido pelo camponês e um elevado grau de autonomia na organização do trabalho da família, aliado ao direito consuetudinário de acesso à terra. Esta formula dá origem ao servo da gleba, isto é, a um sujeito social que cujo sentido profundo era, por seu trabalho, dar valor à terra. Dito de outro modo, sem o trabalho do camponês, a terra a terra recebida em feudo pelo senhor não tinha nenhum valor.

O sistema feudal desmorona quando os senhores não são mais capazes, com seus instrumentos de poder, submeter os camponeses, nem resguardar-lhes o direito de acesso à terra. A ruptura se dá quando uma classe de capitalistas começa “fechar” a terra em propriedades a cujo acesso estão privados todos os demais, nasce a propriedade capitalista privada da terra. Esta propriedade é despojada de todas as prerrogativas sociais e jurídicas anteriores e se torna propriedade absoluta. A terra, evidentemente, perde também seus atributos de propriedade divina, a terra não é mais de Deus. Pertence a um empresário capitalista, rendeiro ou não, que a explora unicamente com o objetivo de obter lucro.

Os europeus quando chegaram à América já haviam firmado alguns princípios jurídicos a respeito das terras e de sua propriedade por parte dos seu habitantes autóctones. Por não serem europeus, por não serem cristãos, por serem diferentes em suas culturas, os europeus estavam autorizados a “tomar posse de todas as terra que pertencessem aos infiéis (muçulmanos) e pagãos (povos africanos e americanos). É isto que explica o ato “jurídico-político” efetuado pelo comandante da esquadra portuguesa quando chegou ao Brasil em 1500: tomou posse em nome do rei de todas as terras, plantou uma cruz e mandou rezar uma missa.

Uma vez tomada a posse das terras, a monarquia portuguesa inicia o processo de sua ocupação e o faz de três modos distintos: mediante a distribuição de gigantescos lotes de terra a capitães que, em nome do rei e com todos os seus poderes a eles delegados inicia distribuição da terra e sua exploração que rapidamente toma a configuração de trabalho compulsório e logo a seguir escravo. O sistema teve um sucesso modesto porque Portugal não tinha gente suficiente para promover uma ocupação suficientemente densa para criar as condições de uma exploração econômica vantajosa no paradigma mercantilista vigente na época. Só duas capitanias prosperam. Uma, porque se inseriu na lucrativa produção de açúcar, outra porque a única alternativa para efetivar a produção sendo o trabalho escravo, a captura e o comércio de escravos índios e africanos se converteu num negócio tão vantajoso quanto o

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do açúcar.

A solução para ampliar a ocupação das terras e sua exploração foi viabilizar uma sistema de capitania de proporções reduzidas. Ao invés de distribuir grandes lotes de terra que requeriam somas avultadas de capital para viabilizá-las, o governo português implantou no Brasil, de forma modificada, o sistema de sesmaria, que vigorava em Portugal desde o século XIV. O sesmeiro recebia do rei a concessão de uma porção de terra, que deveria por em produção no prazo de cinco anos. Uma condição indispensável para a concessão era a comprovação de que o sesmeiro tinha o número adequado de escravos para pô-la em produção. A uma concessão se sucedia outra e ainda outra. O sesmeiro se tornava rapidamente num grande senhor de terras e homens e impedia que a terra fosse distribuída a quem a quisesse simplesmente trabalhar. Fechar o cerco do acesso à terra implicava ter o controle do trabalho e de sua exploração.

O sistema de sesmaria começou a tornar-se incompatível no século XIX quando a sociedade brasileira já sentia o forte impulso do capitalismo. O sistema de sesmaria impedia, por sua natureza, a propriedade privada da terra. A Lei de terras de 1850, veio exatamente para resolver este impasse. Converte posses, sesmarias e intrusões em propriedade privada num ritual a que só tinham acesso aqueles que haviam acumulado poder econômico e poder político.

Fecha-se, então, com este terceiro e último passo, o arcabouço brasileiro da propriedade privada da terra altamente concentrada e altamente excludente para a maioria da população. Mesmo a distribuição de terras a imigrantes europeus executado pelo Império e pela Republica no século XIX, não moveu o perfil latifundiário da estrutura de propriedade da terra porque a distribuição efetuado foi de tal forma parcimonioso que nenhuma família recebia mais do que uma parcela minúscula não superior a 30 hectares.

A luta dos pobres pela terra, embora surda e permanente como prática dos índios e negros e mesmo europeus sem terra, ganha um alento significativo a partir da década de 30 quando simultaneamente se acirra, por um lado, a luta pela terra por parte dos “brasileiros” que reclamavam um tratamento do mesmo tipo que fora dado e estava sendo ainda dado aos imigrantes europeus e seus descendentes. Índios, caboclos, rendeiros, assalariados, posseiros começaram a exigir terra e, por outro lado, começa-se a falar, pelo primeira vez no Brasil em reforma agrária, reforma de uma estrutura agrária que tivera desde o século XVI a única lógica da concentração. A luta toma mais corpo na década de 50 e 60 quando foi interrompida violentamente pela instalação do regime e ditadura militar. Na década de 80, a luta pela reforma agrária se avoluma, mas os latifundiários conseguem bloquear na constituinte todos

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os mecanismos que pudessem revogar os velhos princípios da dimensão absoluta da propriedade da terra.

Mesmo assim, como nunca antes, a luta pela terra avança, impulsionada por movimentos sociais bem organizados e capazes de reunir os sem terra e os apoios necessários para ampliar a pressão sobre os governos pra executar a reforma agrária. Entre esses, estão, o movimento indígena, voltada à recuperação/devolução de suas terras, dos quilombolas visando garantir suas posses e o Movimento dos Sem Terra que lutavam para abrir a terra para todos.

Estudo os assentamentos de reforma agrária implantados no município de Jóia (RS) como um caso de luta bem sucedida do Movimento dos Sem Terra e de todos aqueles que os apoiaram. Pretendo demonstrar que o processo social que resulta na reforma agrária não só muda as condições de vida de agricultores sem terra, destituídos das condições elementares de se manter como trabalhadores rurais, como representa um avanço extraordinário de realização humana e cultural, de promoção de cidadania e de autonomia e de significativo impacto na produção e na economia do município. Este último aspecto merecerá nossa atenção especial através da analise e interpretando dos dados econômicos e da produção dos assentados.

A reforma agrária e sua luta, entretanto, vem sistematicamente sofrendo pressões enormes vindas da classe capitalista proprietária das terras e dos seus “agronegócios”, dos governos conservadores, do poder judiciário que sistematicamente criminaliza as ações dos movimentos sociais que lutam pela terra. A reforma agrária, como movimento social de extraordinário vigor na década de 80, perde vigor, e vê distanciar-se a possibilidade de modificar o paradigma histórico da propriedade da terra. Ficam, entretanto, os testemunhos daqueles que lutaram para mudá-lo, em particular a obra concreta que realizaram nos assentamentos.

Meu trabalho foi construído a partir de três fontes fundamentais: a literatura existente sobre a história da terra no Brasil; informações, dados econômicos e estatísticos dos poderes públicos e das entidades e organizações dos assentamentos e, principalmente o depoimento dado por aqueles que participaram das trajetórias completas da luta em busca da terra até chegar ao assentamento e à sua subseqüente viabilização.

Divido o trabalho em quatro capítulos: no primeiro, faço uma breve história da terra no Brasil e da luta histórica pela reforma agrária, no segundo capítulo escrevo sobre o município de Jóia, resgatando a história de seis assentamentos da reforma agrária que aqui chegaram e transformaram grandes latifúndios em propriedades de agricultura familiar auto-sustentável. O terceiro capítulo aborda as transformações ocorridas na economia do município

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e descreve toda a produção agrícola e pecuária das famílias assentadas. O quarto capítulo escrevo sobre a dimensão subjetiva e social da luta pela terra a partir da entrevista com o Sr. Sadi Adelar Maurer, que como todas as famílias assentadas no município de Jóia, passaram por grandes dificuldades até conseguir um “pedaço” de terra para produzir e ter uma vida digna.

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1 A LUTA PELA TERRA

“Era de paz e sossego a vida brasileira antes começar a nossa História”.

Os portugueses “descobrem” o Brasil e esse fato se torna um dos mais importantes para o processo de expansão marítima e comercial portuguesa. De início, foi avistado somente nativos, nada que dava lucros a metrópole, porém mesmo assim o território seria útil para garantir o monopólio da Rota do Cabo.

Antes disso, com o interesse dos espanhóis pela terra, demarcaram-se as áreas pelo Tratado de Tordesilhas em 1494, cabendo a Portugal as recém descobertas a leste da linha imaginária e à Espanha as terras a oeste. Portugal continua com o lucrativo comércio de especiarias que tinha com o Oriente e em 1511 descobre nas matas brasileiras o Pau Brasil, árvore que passou a ser explorada, da qual era extraída tinta vermelha comercializada na Europa para tingir tecidos. Nessa exploração é usado o trabalho indígena, chamado de escambo pago com bugigangas de pouco valor, contas de vidro colorido de Murano – Veneza – espelhos, colares, que os índios apreciavam muito, assim como machados, serras e outras ferramentas de ferro, de cujo valor os índios rapidamente se deram conta.

A partir de 1530, Portugal vê-se forçado a colonizar as terras com receio de perdê-las para outros países europeus interessados que ficaram fora do Tratado de Tordesilhas. Assim, colonizando, garantiria a posse e a proteção de seu território. Inicia-se a experiência do plantio da cana-de-açúcar visando o comércio com a Europa. Também já se comentava a descoberta de ouro e prata. Em 1532, o rei decidiu definitivamente ocupar as terras através do sistema de capitanias hereditárias, pelo qual vastas áreas de terras eram doadas a capitães – donatários que seriam responsáveis por controlar e desenvolve-las economicamente. Foram criadas quinze divisões, doadas a doze pessoas membros do estado com supostas condições financeiras de colonizar sua área de terra. Alberto Guimarães afirma que

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Sob o signo da violência contra as populações nativas, cujo direito congênito à propriedade da terra nunca foi respeitado e muito menos exercido, é que nasce e se desenvolve o latifúndio no Brasil. Desse estigma de ilegitimidade que é o seu pecado original, jamais ele se redimiria (GUIMARÃES, 1968, p19)

A maioria das capitanias fracassou e apenas duas progrediram, pois era grande a dificuldade de atrair colonos para as terras brasileiras e até mesmo porque a população de Portugal no século XVI era muito pequena e em muitas regiões os índios ainda defendiam suas terras, começando assim a luta pela terra que dura até os dias atuais. Da exploração do Pau Brasil, passou ao cultivo da cana-de-açúcar, organizando nas grandes propriedades os engenhos de açúcar que utilizavam extensas áreas de terra, mão-de-obra escrava, técnicas complexas, mas davam pouco rendimento.

Findando o ciclo da cana-de-açúcar, inicia-se o ciclo do ouro já no final do século XVII em São Paulo e Minas Gerais, durando até o século XVIII, quando mudou a estrutura econômica, mas continuou com o trabalho escravo e o favorecimento dos grandes senhores, aumentando assim a revolta dos desfavorecidos que começou com os índios e depois continuou com os escravos que buscavam sua libertação, o que só ocorreu gradativamente até 1888, quando a Princesa Isabel assinou a Lei Áurea.

No século XIX inicia-se o ciclo do café, momento que se impunha novo estatuto da propriedade, que é a propriedade privada, a qual necessitava da legalização de sua propriedade e a obtenção de mão-de-obra em substituição ao escravo, incentivando a imigração de colonos europeus. Os novos colonos serviram as necessidades da produção do café. Ao fim desse ciclo ficaram negros libertos e colonos sem recursos e acesso à terra, postos em segundo plano. A Lei de Terras de 1850 nascida juntamente com a proibição do tráfico negreiro, e o declínio da exploração de metais preciosos, momento em que a economia precisava ser redirecionada para um novo ciclo, passando para o cultivo do café. João Pedro Stédile afirma que.

Foi dentro desse contexto que dom Pedro II promulgou a Lei nº 601 de 18 de setembro de 1850, conhecida como a primeira Lei de Terras, que definiu a forma como seria constituída a propriedade privada da terra no Brasil. Essa lei determinava que somente poderia ser considerado proprietário da terra quem legalizasse sua propriedade nos cartórios, pagando certa quantidade em dinheiro para a Coroa. (Stédile, 1997, p.10).

No inicio do ciclo do café, a Lei de Terras que seria para regularizar o acesso à terra para todos, acabou servindo somente aos interesses dos latifundiários, permanecendo o regime de posse e a passagem das terras devolutas à propriedade privada, centrando a posse

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das terras nas mãos de poucas pessoas, dificultando aos negros e colonos o acesso, impondo - lhes enormes restrições, que transformaram a terra em mercadoria para poucos, predominando a grande propriedade. Segundo Belato, com a Lei de Terras de 1850 “prevaleceu a lei dos mais fortes e estes agora, livres até de solicitar formalmente as sesmarias, apropriam-se previamente de gigantescas glebas. A lei de terras de 1850 legitimou as velhas sesmarias, as posses e intrusões que se deram de 1822 até 1850.” (BELATO, 2004, p. 145).

Escravos, imigrantes e trabalhadores livres desempregados do campo vão para as cidades em busca de melhores condições de vida nos empregos que as industrias nascentes oferecem. Lá acabam se instalando nas periferias, onde vivem subempregados, de trabalhos esporádicos, com baixa remuneração, necessitando às vezes desempenhar atividades marginais. Pois conforme afirma Belato

a Lei de terras de 1850 confirmou as práticas anteriores, dificultando, quase que impossibilitando, outra estrutura agrária que não a do latifúndio, derrotando a pequena posse, origem da pequena propriedade, pela exigência de formalidades a respeito dos quais os posseiros pobres sequer ouviram falar, ou se delas soubessem, não teriam dinheiro pata pagá-las. Continuaram posseiros até que um grande reclamante, munido de papéis amarelados pelos grilos, os expulsassem, pacificamente ou a tiros. É o sistema de grilagem de terras. (BELATO, 2004, p. 147. Além do apoio que o governo deu aos grandes proprietários com a Lei de Terras, também estimulou a modernização da agricultura, dando-lhes facilidades de acesso ao crédito. Andrade afirma que “esse desenvolvimento foi conseguido graças a proletarização e do empobrecimento do trabalhador rural, sem que houvesse a menor preocupação com a preservação dos recursos naturais ou com a degradação do meio ambiente.

No período de 1889 a 1930 incorpora-se mais áreas de terras e trabalhadores ao processo produtivo, porém sem alterar a estrutura fundiária. A Revolução de 1930 derruba a oligarquia cafeeira e impulsiona-se a industrialização. Com Getúlio Vargas no poder passam a ser reconhecidos direitos dos trabalhadores urbanos. Nessa década começam a ser tomadas algumas medidas que visam mudar a situação definida e legitimada pela Lei de Terras de 1850, pensando em modernizar as relações de trabalho e permitir o acesso a terras para os trabalhadores que incharam as cidades.

1.1 A Reforma Agrária

O processo de produção capitalista, à medida que se ampliava, serviu para agravar ainda mais a situação de miséria da população. Começou-se a discutir, pela primeira vez a

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reforma agrária na Constituinte de 1946, proposta pelo Partido Comunista do Brasil. Logo depois, em 1950, a Igreja Católica elabora pelo bispo Dom Inocêncio Engelke, de Campanha - MG a primeira manifestação programática em defesa da reforma agrária, esse apoio recebido da igreja foi muito importante, pois admitiu a desapropriação para a reforma agrária e fez sugestões para que não fosse ferido o direito a propriedade. Segundo Martins.

Essa decisão era importante porque toda a controvérsia sobre a realização da reforma agrária decorria justamente do artigo 141, da Constituição de 1946, que só admitia a desapropriação por interesse social, desde que houvesse indenização justa, prévia e em dinheiro, o que tornava a reforma inexeqüível. Nesse documento, há uma reformulação da concepção de bem comum, presente em várias manifestações da Igreja. Até então, o respeito pelo bem comum significava evitar que a pressão pela reforma agrária se constituísse num atentado contra a propriedade privada. Agora, o bem comum é constituído pela função social que deve desempenhar a propriedade rural (Martins, 1995, p. 89).

No Brasil até então as organizações camponesas da Europa não haviam influenciado nenhum movimento. É a partir de 1950 que o Partido Comunista do Brasil junto com a Ultab – União de Lavradores e Trabalhadores Agrícolas do Brasil começam a se organizar país a fora. Na década seguinte, a combinação com a crise do modelo capitalista de industria também organizam-se em nível nacional junto com a Ultab, as Ligas Camponesas e o Movimento dos Agricultores sem Terra, do Sul chamado de MASTER. A Igreja Católica contribuiu com seu Movimento de Educação de Base – MEB organizado pela CNBB na criação de várias teses e programas em prol da reforma agrária.

Muito se escreve, se discute, se defende e pouco acontece na prática além do fortalecimento dos movimentos sociais, também várias correntes políticas passam a defender iniciativas como a de Leonel Brizola até o golpe militar em 1964, momento em que se produz a primeira lei da reforma agrária, o Estatuto da Terra. Foram 20 anos de ditadura militar no Brasil que silenciou os movimentos sociais e todas as organizações de trabalhadores.

Após o processo de redemocratização voltou-se a discutir programas de reforma agrária. O Estatuto da Terra e o Estatuto do Trabalhador Rural, mesmo sendo gestados por ditadores, visaram desenvolver políticas de intensificação de assistência as pequenas propriedades para que fossem economicamente viáveis. Segundo Manuel Correia de Andrade.

Cadastros de propriedades foram feitos em 1967, 1972 e em 1976 que identificaram as áreas de maior concentração de latifúndio, sem que uma política de desapropriação e desmembramento fosse realizada. Também não se intensificou a organização da assistência crediária e a agronômica, de forma apropriada aos pequenos produtores. O crescimento da força de trabalho no meio rural é superior à distribuição de lotes de terra, fato que provoca um desequilíbrio cada vez maior e torna mais critica a situação do meio rural e também nas cidades que crescem desproporcionalmente, em face do êxodo rural. (ANDRADE, 1979, p.25)

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No momento acreditava-se que o crescimento seria conseqüência da industrialização e do aumento da produtividade da empresa agrícola, para isso, estimula-as, facilitando o crédito, injetando grandes quantidades de capitais em insumos e máquinas, beneficiando uma minoria rica e empobrecendo cada vez mais a grande parcela da sociedade que passava por dificuldades, pois segundo Andrade “intensificou a utilização daquele que é escasso e restringiu a utilização da mão-de-obra abundante”. (ANDRADE, 1979, p.26).

Nos anos 60, o MASTER do Rio Grande do Sul organizou 5 mil famílias que estavam acampadas nos redores da Fazenda Sarandi, de 24 mil hectares. A Fazenda Sarandi chegou a ser desapropriada por Leonel Brizola, na época governador do estado, porém o projeto de reforma agrária não se consolidou devido a pressão de latifundiários e ao golpe militar. As famílias foram para o município de Nonoai, acampar numa reserva indígena caingangue de 15 mil hectares. No ano de 1978, os indígenas expulsam essas famílias. O governo estadual e federal inicial um processo para transferência dessas famílias para o estado de Mato Grosso. Cerca de 500 famílias não aceitam e resistem ficando em Nonoai e algumas famílias foram assentadas em Bagé. Meses depois, trinta famílias das que ficaram em Nonoai ocupam uma área remanescente da Fazenda Sarandi, porém a área havia se tornado reserva ambiental e novamente as famílias foram expulsas, retornando a Nonoai.

Após essas mobilizações, são reivindicados outros assentamentos no estado, mas o governo não atende ao pedido, levando cerca de 110 famílias sem terra a se organizarem e ocuparem a Fazenda Macali. Outras 170 famílias ocuparam a Fazenda Brilhante, ambas áreas remanescentes da Fazenda Sarandi que haviam sido griladas. De imediato, a Policia Militar acampou nas proximidades, mas não houve violência, ficando acordado com o governo que parte daquelas famílias seriam assentadas.

As famílias que não foram assentadas nas fazendas Macali e Brilhante juntaram-se a outras famílias sem terra em outubro de 1980 e ocuparam a Fazenda Annoni, de 9500 hectares também em Sarandi, porém sem sucesso, levando as famílias a ocuparam o centro de Porto Alegre. Logo depois acamparam na Encruzilhada Natalino, entre as cidades de Ronda Alta, Sarandi e Passo Fundo. O governo tentou levá-los para Roraima, Acre, Mato Grosso e Bahia, mas nenhuma família aceitou a proposta. Foram três anos à espera de uma solução do governo, que desapropriou diversas áreas para o assentamento definitivo das famílias. Assim como no Rio Grande do Sul, em outros estados famílias sem terra se organizam em busca de terra.

Em meio a isso, nos anos 80, trabalhadores sem terra, com a ajuda da Comissão Pastoral da Terra e do MST, passam a reivindicar por reforma agrária. O MST - Movimento

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do Trabalhadores Sem Terra surge em 1984 a partir da organização das bases nos estados que sentem a necessidade de uma maior organização para a conquista de terra e seus direitos. Reúnem-se em Cascavel, no Paraná, posseiros, atingidos por barragens, imigrantes, meeiros, pequenos agricultores que estavam decididos em fundar um movimento social camponês que lutasse pela terra, trazendo consigo heranças de várias outras lutas como a dos índios, dos quilombos e Canudos, do Contestado, a experiencia das Ligas Camponesas e do Master. Neste encontro delineiam seus objetivos e princípios, as pessoas que seriam considerados sem terras e as terras que deveriam reivindicar e conquistar. Além disso, segundo Pereira e Luceiro.

O MST defende a autonomia para as áreas indígenas e é contra a revisão da terra desses povos, ameaçados pelos latifundiários. Visa à democratização da água nas áreas de irrigação no Nordeste, assegurando a manutenção dos agricultores na própria região. Entre outras propostas, o MST “luta” pela punição de assassinos de trabalhadores rurais e defende a cobrança do Imposto Territorial Rural (ITR), com a destinação dos tributos à Reforma Agrária. (PEREIRA e LUCEIRO, 2000 p.13)

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2 O MUNICÍPIO DE JÓIA

Jóia é um município de emancipação bem recente, mas a formação de seu núcleo é bem antiga. Foi no ano de 1916 que se abriu a primeira picada em meio a vegetação nativa e cerrada que encobria esta terra simbolizando a chegada dos primeiros colonizadores no local conhecido ainda hoje como Esquina 21 de Abril. Ali Antonio Mastella, Ricardo Bazzan e Celeste Burtet fundaram uma loja, deslocando-se no próximo ano para as margens do Arroio Bonito para aproveitar a queda d'água e construir um engenho de madeira e mais tarde um moinho. Após se instalaram ali um cartório e uma escola.

O local do moinho e o povoado que se instalou ao seu entorno foi chamado de Vila Nova, com seu desenvolvimento tornou-se 8º Distrito de Santo Ângelo até 1928, quando o município de Tupanciretã é emancipado e a Vila Jóia passa a ser seu 2º Distrito. Nos anos de 1962 e 1963, devido ao crescimento da Vila, começa o primeiro movimento emancipatório, defendendo seu projeto na Assembléia Legislativa do Rio Grande do Sul. Essa primeira tentativa frustrou e no dia 12 de maio de 1982 o então governador do estado José Augusto Amaral de Souza assinou o Decreto número 7656/82 criando o município de Jóia. Neste mesmo ano ocorreu a primeira eleição para prefeito, saindo vencedor o Sr. Jandir Andreatta.

No ano de 2008 a população de Jóia foi calculada em 8.377 e ao contrários de outros municípios da região teve um aumento significativo da sua população rural em conseqüência dos assentamentos da reforma agrária, como podemos ver na tabela abaixo:

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Tabela 1: População do município de Jóia 1982 – 2008.

Ano População Total População Rural População Urbana

1982 6241 3129 3.112 1987 6949 4619 2.258 1992 7580 5933 1647 1997 8052 6.051 2001 2002 8290 6318 1972 2008 8377 6158 2219

Dados: Emater RS Escritório local, Plano de recuperação de assentamento. Jóia, 2010.

Atualmente Jóia possui uma área total estimada de 127.283 hectares e nessa área podemos ver bem caracterizadas as duas sociedades rurais. Ao norte encontramos os minifúndios, ou colônias formadas por pequenos proprietários e, ao oeste e sul, as áreas de campo que são as estâncias, posteriormente chamadas de fazendas e granjas que são grandes extensões de terras, os latifúndios do município que concentram a terra e cerca de 73.000 hectares são plantados com soja, 6.000 hectares com trigo, 4.000 hectares com milho, 80 hectares de feijão, entre outras miudezas. Nos campos de pastagem de 22.746 hectares, abrigam-se mais de 45 mil bovinos, 12.500 ovinos entre outros animais. De mata nativa tem 6.267 hectares, distribuídos em todo município. É grande a concentração de terras como podemos ver na tabela a seguir:

Tabela 2: Distribuição da propriedade da terra segundo estratos de área.

Variação Propriedades Proprietários Área Área %

0 a 100ha 983 85,93% 20.774,0 16,5%

100 a 500ha 105 9,18% 23.931,7 19%

Acima de 500ha 506 4,98% 82.577,3 64,5%

Fonte: REIS, Fábio Silva. Estrutura Agrária de Jóia: O Caso dos Terra. Ijuí: Unijuí – DCS, Mimeo, 2004.

O município está localizado a 480 quilômetros da capital do estado, pertence fisicamente à região do Planalto Médio Gaúcho e está situado na Bacia Hidrográfica do Rio Uruguai e na Sub – Bacia do Rio Ijuí. Jóia limita-se ao norte com Augusto Pestana, sendo sua divisa o Rio Ijuizinho, ao sul limita-se com Tupanciretã. A oeste com Eugênio de Castro e São Miguel das Missões e a leste com o município de Boa Vista do Cadeado.

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Mapa da localização do Município de Jóia Fonte: http://maps.google.com.br/maps

Segundo Radambrasil (1980) citado por Secco, o “município de Jóia, situado na região morfológica do Planalto Missões, apresenta um relevo de forma homogênea, do tipo coxilhas. Sua vegetação natural é composta de gramíneas lenhosas e floresta Estacional Decidual. (SECCO, 2004, p. 17). O clima da região do Município de Jóia apresenta condições favoráveis à exploração agrícola e pastoril por ser temperado úmido, caracterizado por apresentar chuvas bem distribuídas ao longo dos meses do ano e por possuir a variações térmicas na temperatura ao longo das quatro estações do ano, chegando a temperatura no mês mais quente superior a 22°C e a do mês mais frio superior a 3°C. As condições de solo, clima e temperatura favorecem para o crescimento de pastagens para o gado leiteiro.

Secco também afirma

no que se refere ao cultivo do solo podemos afirmar que na região do Planalto Gaúcho como em todas as outras áreas agrícolas do estado observa-se duas faces distintas da agricultura. A primeira, denominada de tradicional que compreende ao período que vai do inicio da colonização na primeira década do século XIX, até a Segunda Guerra Mundial. A segunda fase identificada como moderna que se desenvolve do pós guerra até os dias atuais. (SECCO, 2004, p.17)

A fase da agricultura denominada como tradicional compreende a utilização intensiva dos recursos naturais e de mão-de-obra familiar, produzindo para subsistência e o excedente para comercialização. A segunda fase compreende o período de modernização da agricultura,

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uso intensivo de insumos agrícolas e de técnicas e métodos diferentes de preparo e cultivo do solo. Foi nesse período que se expandiu a cultura da soja, substituindo as culturas tradicionais de subsistência.

Essa expansão da cultura da soja, prevalecendo a monocultura levou a seguidas frustrações de safras que abalaram a agricultura local, passando a repensar o processo, passando a diversificar suas culturas, bem como alternando entre a lavoura e a pecuária. Porém, encontramos o agricultor descapitalizado para fazer a diversificação, necessitando da ajuda dos bancos que fazem empréstimos a altos juros.

Os latifundiários do município de Jóia sentem-se ameaçados pela presença do MST e existe o preconceito dessas pessoas, discriminadas supostamente por não saberem produzir e trabalhar na terra. Segundo Cossetin (2008) antes da vinda dos assentamentos, a maioria destas terras eram campos de criação de gado, depois da vinda dos assentamentos começou a mudar gradativamente, substituindo os campos limpos pela agricultura extensiva, ligada praticamente a monocultura da soja.

O município sofreu muito com a disseminação da febre aftosa em agosto de 2000. Foram abatidos mais de 11mil cabeças de animais, dos quais mais de 40% estavam em áreas de assentamentos, trazendo um transtorno econômico na renda mensal dos assentados, na produção leiteira e produção de carne, além de tentarem incriminar os assentamentos como responsáveis em trazer a doença para o município, o que foi provado que não foi verdade. A vinda da aftosa entrou pelo contrabando de gado do Paraguai feito por um produtor rural do município. Uma parte dos grandes proprietários não reside no município, são moradores nas cidades pólos principalmente em Santa Maria, suas terras são administradas por pessoas de sua confiança. Na cidade, tem muita gente que trabalha de peões para os latifundiários. Outros, que viviam esta situação, foram para os acampamentos e hoje estão assentadas em várias regiões do estado, estimulados pela vinda dos assentamentos no município.

Hoje ainda muitos assentados são criticados ou tratados com discriminação, por alguns setores do município Joiense, isto acontece quando os assentamentos entram em disputa de igual, para igual com o conjunto da sociedade e querem ser tratados com respeito a todos.

2.1 Assentamento Botão de Ouro: O primeiro Assentamento de Jóia

O primeiro assentamento a ser instalado no município de Jóia foi o Botão de Ouro, criado em 30 de setembro de 1988, foi oficializado dois anos mais tarde, em 04 de julho. Foram assentadas 64 famílias, numa área de 1154 hectares de terra, sendo 44 famílias

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oriundas de terras alagadas da Barragem do Passo Real, desalojadas desde a década de 1960. A estas famílias juntaram -se outras 20 que estavam na ocupação da Fazenda Annoni no ano de 1985, todas originárias dos municípios de Ibirubá, Fortaleza dos Valos, Salto do Jacuí, Espumoso e Cruz Alta. Cada família ficou com uma área média de 18 hectares.

O assentamento esta localizado próximo a RST 377 que liga Jóia a Santiago, ficando distante 33 quilômetros do centro urbano do município. Seu relevo é predominante plano, seu solo originalmente pobre devido ao alto estágio de degradação pelo mau uso e falta de correções. É encontrado no assentamento pequenos cursos de água e todos convergem para o Arroio Guaçuí e sete nascentes sem proteção. Encontramos 32 açudes de pequeno porte e um açude na sede da comunidade com cerca de um hectare utilizado para criação de peixes que são vendidos e distribuídos na comunidade. O assentamento possuía 90% da sua área coberto por campos naturais e o restante da área de mata virgem. Atualmente apenas 27,5% da área é ocupada por campo e estão distribuídos em pequenas parcelas nos lotes. Cerca de 15 hectares fazem parte de uma reserva legal e outros 90 hectares são de mata nativa. A agricultura ocupa cerca de 50% da área e o restante da área é ocupado pelas áreas de proteção permanente.

Após a divisão e o sorteio dos lotes alguns grupos começaram a cultivar, de forma conjunta, em sua área, cultivando milho, culturas para auto-consumo e pequenas áreas de soja, passando com o tempo a ser individualizado. No período inicial, em que estavam acampados na sede da fazenda, as famílias recebiam cestas básicas. Sua estruturação começou com os recursos das próprias famílias, pois não receberam recursos do governo. Instalaram suas casas, pocilgas, galpões com água potável de poço artesiano e luz elétrica. A infra-estrutura atual do assentamento é considerada boa, pois todas as famílias possuem energia elétrica e contam com abastecimento de água feito por três poços artesianos. Do total de moradias, 38 são de alvenaria, 14 de madeira e 12 mistas.

Na comunidade construíram uma igreja, cancha de bocha e mais tarde uma escola de ensino fundamental, mostrando a organização da comunidade. Inicialmente organizaram-se em núcleos e realizavam suas discussões e tomadas de decisões em assembléias gerais com toda a comunidade.

O Assentamento Botão de Ouro ficou isolado no município, faltando acompanhamento e espaço para participação como cidadãos joienses até a vinda do Assentamento Rondinha, que favoreceu discussões e a continuidade da luta, mesmos cercados por grandes latifúndios.

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Mapa 1: Localização do Assentamento Botão de Ouro.

Fonte: INCRA – RS. Relatório Ambiental do Projeto Assentamento Botão de Ouro,. Porto Alegre, INCRA, 2007.

2.2 O Assentamento Rondinha

O Assentamento Rondinha recebeu o nome da Fazenda Rondinha, esta que ficava localizada na Localidade Rondinha, que significa banhado cercado, no qual as tropas de gado faziam a parada para descansar e os tropeiros se revezavam para tirar a ronda.

O Assentamento está localizado ao sul do município de Jóia, cerca de 20,5 quilômetros da cidade. A área é de 4200 hectares e tem uma dimensão de 18 quilômetros de comprimento, faz divisa com os municípios de Tupanciretã ao sul, ao leste com o município de Boa Vista do Cadeado, no qual o limite é o Rio Ijuizinho.

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Mapa 2: Localização do Assentamento Rondinha no Município de Jóia.

Fonte: INCRA – RS. Relatório Ambiental do Projeto Assentamento Rondinha. Porto Alegre, INCRA, 2007. Possui relevo predominantemente plano, com poucas ondulações. São diversos os cursos de água encontrados no assentamento como os Arroios Tarumã, Urupê e São Bernardo e o Rio Ijuizinho que faz a divisão do Assentamento com o Município de Boa Vista do Cadeado. Além desses, nos relatórios do INCRA constam 28 nascentes no assentamento e os relatos dos assentados apontam para 200 nascentes considerando cabeceiras de banhado e áreas úmidas. Os campos que antes caracterizam a área, hoje correspondem por apenas 4% da área distribuídos pelos lotes e cerca de 60% da área é ocupada para a agricultura, ficando restante da área ocupado pela mata nativa.

A fazenda Rondinha pertencia à um dos maiores proprietários de terras da região, o Coronel Marcial Terra. Nela foram assentadas 232 famílias, quais tem origem de três acampamentos diferentes que buscavam a conquistar a terra. Do primeiro acampamento, de 500 pessoas, que ocuparam, em agosto de 1991, a Fazenda Arame Cortados de Plínio Dutra, filho de Valzumiro Dutra, um dos maiores grileiros de terras de Palmeira das Missões. Essas pessoas resistiram debaixo de muita chuva e frio, sem experiência e conhecimento para organizar o acampamento e também sem poder desistir, pois não podiam sair do acampamento por motivos de segurança, permanecendo lá por onze dias até se negociar uma saída pacifica.

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O entrevistado nos conta que

O primeiro acampamento foi dia vinte e nove de junho de mil novecentos e noventa e a gente acampou na (fazenda) Plínio Dutra, em Palmeira das Missões. Foi uma área de um latifúndio. Entremo de madrugada e ficamo lá por entorno de quatro, cinco dias e daí nos fomo despejado. Agente entrou lá de madrugada e na outra noite já choveu muito e aí a gente saiu num domingo de manhã, em caminhada rumo a Palmeira das Missões.

Após saírem do acampamento, caminharam vinte quilômetros acompanhados pela polícia militar, restabeleceram o acampamento junto a entrada da cidade na margem da rodovia, em frente à área da FEBEM (Fundação de Bem Estar do Menor). Dias depois, ocuparam a área da FEBEM devido as dificuldades de permanecer no acampamento na margem da rodovia, permanecendo quase oito meses dentro dessa área e contrariando a vontade de todos os latifundiários e da administração municipal. Neste período de tempo foi realizado a Marcha a Porto Alegre e outras manifestações com o objetivo de chamar a atenção das autoridades gaúchas. Como podemos ver no relato do entrevistado.

aonde que a gente foi teve assim como um inicio, um principio de nois í prá cidade, mas já com idéia de nois ocupá a FEBEM, que é o Centro de Menores, que existia na época. Daí a gente veio até a entrada de Palmeira das Missões e deu uma diblada na policia. A polícia achava que nois ia prá cidade e ocupamo a área da FEBEM. Ficamos lá por três meses mais ou menos e aí a gente fez a segunda ocupação,.. não, nóis ficamos mais (na propriedade da FEBEM), ficamos dez meses lá, daí fizemos a segunda ocupação e ocupamos a área de Não – Me - Toque

Aos poucos as conquistas foram se consolidando, mesmo com muita repressão por parte do governo do estado e do poder judiciário. O acampamento se consolidou em março de 1992 com a ocupação de uma área de 380 hectares que estava desapropriada, propriedade da EMBRAPA, do Ministério da Agricultura, localizada no município de Não Me Toque, que só havia servido para beneficiar uma pequena parcela de pecuaristas da região. A Justiça Federal logo se manifestou e com as negociações, o acampamento deixou a área, ficando às margens da rodovia, aguardando o que havia sido combinado nas negociações.

Como o governo não cumpriu com o combinado nas negociações, o grupo resolve novamente ocupar a área do Ministério da Agricultura com objetivos bem delineados de que não sairiam sem o assentamento das famílias. Feito isto, foram três os mandados de despejo. O acampamento só deixou o local após 35 famílias serem sorteadas para permanecerem na área como assentadas. Segundo Cossetin (2008) “hoje este assentamento é referencia no município, com uma boa produção diversificada. Recuperaram as moradias antigas, uma boa

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relação e prestígio em toda região, nas festas comemorativas feitas no assentamento, participação expressivas não só do município, mas de toda grande região.” (COSSETIN, 2008, p. 41)

Meses depois o restante do grupo ocupou a fazenda Pelágio em São Miguel das Missões, as ações dos latifundiários com o apoio da polícia contra o acampamento assassinaram no dia vinte de novembro o sem terra Antônio Joceli Corrêa.

Outro acampamento composto por famílias acampadas em Não Me Toque e em Bagé ocupam em novembro de 1992 a Fazenda Bom Retiro no município de Julio de Castilhos. Após muito confrontos com os latifundiários e vários mandados de despejo o grupo deixa a área, retornando para Não Me Toque, retomando a luta em fevereiro do próximo ano com uma caminhada até Porto Alegre, onde ficaram acampados no Parque da Redenção e fizeram contatos com a comunidade e autoridades que apoiavam o movimento.

Passados mais uns meses, em novembro acontece um novo acampamento em Lagoa Vermelha e outras famílias são sorteadas para serem assentadas no Assentamento Rondinha. O grupo que restou das ocupações de Bagé, Não Me Toque e de São Miguel foram acampar no município de Capela de Santana, após um mês o grupo ocupou uma área de 2300 hectares de propriedade da família de Caldas Junior. Ali resistiram por bastante tempo e passaram por muitas dificuldades, como a falta de alimentos. Mas com persistência o grupo resistiu e nesta área foram assentadas 100 famílias do acampamento de Bagé. Como podemos ver na entrevista.

“ noís saímo na direção da Capela Santa Ana. Capela Santana, aquela área saiu (foi desapropriada), depois o pessoal ocupou e aquela área saiu, isto é foi tê um assentamento lá de vinte famílias, (ou) dezenove, uma coisa assim. Bom, são coisas assim, meio meio, não sei... aí noís fomo prá Capela Santa Ana. Entremo, ocupemo ela, fiquemo lá por um meis e pouco e aí a gente fez a ocupação da sede também da área. Era uma área grande e ocupemo a sede, fiquemo uns dia lá e aquela área acabou saindo também. (Lá) já ficou um grupo de Bagé, que nóis já se juntemo com Bagé, na época eram um pessoal que tinha ficado de Bagé (sem serem assentados) e eram os últimos de lá, em torno de não sei quantas famílias, mas eu sei que ficou um pessoal de Bagé assentado e nóis (que) ocupamo, fiquemo um tempo lá também, em torno de uns dez meis também.

E aí nóis fomo prá..., passamos (por) Porto Alegre e fomo pra São Pedro do Sul, que ficava no município de Eldorado do Sul e ocupemo aquela área também. Fomo numa área de assentamento lá... fiquemo lá por um tempo e aí, de lá que agente foi..., de lá saiu mais uma área que é Encruzilhada do Sul, saiu uma área que saiu um grupo de lá também foi pra Encruzilhada do Sul e nóis fiquemo quase um ano ali, fiquemo numa área de assentamento, aí eles não podia tirá nóis. Fiquemo num barranco lá e aí nesse tempo, nesse meio tempo, a gente fazia bastante mobilizações: Porto Alegre, INCRA, Chocolatão. ”

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Novos grupos se formam, um ocupa a sede do INCRA em Porto Alegre por trinta dias e outro grupo ocupa uma área no município de Capão do Leão. Destas duas ocupações, 150 famílias são assentadas na Fazenda Branca de 2300 hectares no município de Encruzilhada do Sul e outras 150 famílias são assentadas na Fazenda Sobral no município de Pinhal Grande. Mesmo assim muitas famílias não foram assentadas, as quais foram acolhidas no Assentamento da Etel no município de Guaíba. Este grande grupo, oriundo dos acampamentos de Não Me Toque, São Miguel e Lagoa Vermelha, descobrem que tem uma área de 4200 hectares de propriedade da Viação Aérea Riograndense (VARIG) no município de Jóia. De onde estavam acampados até a área eram 400 quilômetros para fazer a transferência do acampamento, porém o grupo não mediu esforços e na noite do dia 03 de dezembro saiu rumo a Jóia, ocupando a sede da Fazenda Rondinha no amanhecer do dia 04 de dezembro.

Na entrevista o Sr. Sadi nos conta que.

“...foi no ano de mil novecentos e noventa e quatro, eu acho já e em final, aí então nóis resolvemo de ocupá essa área aqui (em Jóia). Foi dezembro de, acho, de noventa e quatro, a gente ocupou essa área aqui e lá daquele nosso pessoal, o que sobro, veio então aqui, nóis se juntamo. De lá nóis viemo por aqui por dentro, por Santa Maria e Julio e Tupã. Nem sei na verdade porque nóis viemo de noite, agente não sabia nem onde tava indo, algum sabiam NE... Aí, nóis cheguemo aqui em dezembro, foi, de noventa e quatro. É, foi em noventa e quatro e ocupamo essa área..., .. eu tô resumindo o fato né, ... e essa área nóis ocupemo, Fiquemo quatro dia... Nóis tava quatro dia lá em cima na entrada. Nóis ocupemo a sede ali né. Ai então nos fomo despejado. Foi uma humilhação terrível aquele dia, aqui na Jóia, onde eu passei a maior humilhação. E a Nelci já tava no Centrão (em Palmeira das Missões), ... a Nelci a Dejane e o Alan, ... então eu fiquei sozinho. E daí então nóis fiquemo aqui quatro dia, fomo despejado. ... Nóis não tinha rumo mesmo aí, nóis fiquemo meio atiradão ali, nóis não sabia nem o que fazer naquele dia porque não tinha nem mais contato com o pessoal de fora. Isso aqui foi muito difícil aquele dia ...”

O grupo foi expulso da área e foi levado por forte aparato militar até uma área de terra do frigorífico do município de Tupanciretã, novamente o grupo recebe mais uma ordem de despejo, o qual foi convidado a acampar no Assentamento Novo Tupã.

O entrevistado Sr. Sadi conta como foi após a primeira ocupação na área da Fazenda Rondinha, propriedade da VARIG e a pressão das autoridade e policiais para a saída deles da área.

“o Bolo entrou prá dentro... o Bolo entrou prá dentro e não deixaram (ele) mais sair ... não tinha mais contato com ninguem e os cara tavam prá surrá mesmo, tinha muito soldado ali ... era milico daqueles de choque, tinha um monte de gente, então era terrível ...

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que fazê... daí foi cochichado entre nois lá e aí dissemo (prá polícia) que nóis tinha um acordo com os assentados de Tupã, que ninguem de nóis sabia onde que era. E aí nóis falamo prá eles: nóis queremo saí, mas nos vamos em caminhada e aí nóis vamo prá Tupã, no assentamento ali e aí os cara não acreditaram em nois e aí, bom, ou apanha ou apanha, nóis resolvemo então dizê: nóis temo indo, não entremo nos ônibus de vocês... O pessoal de Tupã nem sabia que nóis chegava lá ... aí nóis se mandemo ... isso já era duas da tarde no sábado de tarde e aí nóis fomo pra Tupã ... Cheguemo lá e nem sabia onde í. Aí entremo lá num mato e fiquemo uns minuto lá e não era onde nóis queria ficá. Aí nóis entremo dentro daquele frigorífico, num mato do frigorífico (de propriedade) da prefeitura de Tupã ...era muito bom mato... mato né. Daí nóis entremo lá dentro, fiquemo lá, fizemo as barraca, fiquemo nos barraco (e) se aprontemo. Na segunda ou terça, aí só que a prefeitura entrou com reintegração e nos tivemo que saí de lá.

E aí sim entremo numa área provisória lá dos assentados. ...”

O grupo se organiza para dar continuidade a luta pela terra, em busca da área da Fazenda Rondinha, deslocam-se em caminhada rumo à Jóia no dia 04 de fevereiro de 1995, na região outros grupos se mobilizavam, acontecia acampamentos no trevo do município de Panambi e no município de Tupanciretã. Unificados esses dois grupos dão força ao acampamento que buscava a conquista da área de Jóia. Aconteceria nova ocupação na Fazenda Rondinha, mas a polícia impediu a marcha e o grupo foi acolhido no Assentamento Botão de Ouro.

No mês de março o governo resolveu comprar a área da Fazenda Rondinha, a área de 4200 hectares e mais algumas estruturas foram negociadas em valor de mercado e feito o desconto das dívidas que a VARIG tinha com o INSS (Instituto Nacional do Serviço Social) no valor de 8,3 milhões. No dia 8 de abril, reunidas as famílias no acampamento junto ao Assentamento Botão de Ouro foi feito o sorteio das 232 famílias que seriam assentadas na nova área. Ali restavam 107 famílias do acampamento de Não Me Toque que não participaram do sorteio, pois era dada a prioridade para os que tinham mais tempo de acampamento. Nesta data de 08 de abril é comemorada o aniversário do assentamento Rondinha.

A fala do Sr. Sadi na entrevista realizada nos mostra

“..foi no ano de mil novecentos e noventa e quatro, eu acho já e em final, aí então nóis resolvemo de ocupá essa área aqui (em Jóia). Foi dezembro de, acho, de noventa e quatro, a gente ocupou essa área aqui e lá daquele nosso pessoal, o que sobro, veio então aqui, nóis se juntamo. De lá nóis viemo por aqui por dentro, por Santa Maria e Julio e Tupã. Nem sei na verdade porque nóis viemo de noite, agente não sabia nem onde tava indo, algum sabiam NE... Aí, nóis cheguemo aqui em dezembro, foi, de noventa e quatro. É, foi em noventa e quatro e ocupamo essa área..., .. eu tô resumindo o fato né, ... e essa área nóis ocupemo, Fiquemo quatro dia... Nóis tava quatro dia lá em cima na entrada. Nóis ocupemo a sede ali né. Ai então nos fomo despejado. Foi uma humilhação terrível aquele dia, aqui na Jóia, onde eu passei a maior humilhação. E a Nelci já tava no Centrão (em Palmeira das Missões), ... a Nelci a Dejane e o Alan, ... então eu fiquei sozinho. E daí então nóis fiquemo aqui quatro dia, fomo despejado. ... Nóis não tinha rumo mesmo aí, nóis fiquemo meio atiradão ali, nóis não sabia nem o que fazer naquele dia porque não

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tinha nem mais contato com o pessoal de fora. Isso aqui foi muito difícil aquele dia porque o Bolo entrou prá dentro... o Bolo entrou prá dentro e não deixaram (ele) mais sair ... não tinha mais contato com ninguem e os cara tavam prá surrá mesmo, tinha muito soldado ali ... era milico daqueles de choque, tinha um monte de gente, então era terrível ...

Mas daí nosso pessoal na hora assim pensou de (...) ai o pessoal... nóis não sabia o que fazê... daí foi cochichado entre nois lá e aí dissemo (prá polícia) que nóis tinha um acordo com os assentados de Tupã, que ninguem de nóis sabia onde que era. E aí nóis falamo prá eles: nóis queremo saí, mas nos vamos em caminhada e aí nóis vamo prá Tupã, no assentamento ali e aí os cara não acreditaram em nois e aí, bom, ou apanha ou apanha, nóis resolvemo então dizê: nóis temo indo, não entremo nos ônibus de vocês... O pessoal de Tupã nem sabia que nóis chegava lá ... aí nóis se mandemo ... isso já era duas da tarde no sábado de tarde e aí nóis fomo pra Tupã ... Cheguemo lá e nem sabia onde í. Aí entremo lá num mato e fiquemo uns minuto lá e não era onde nóis queria ficá. Aí nóis entremo dentro daquele frigorífico, num mato do frigorífico (de propriedade) da prefeitura de Tupã ...era muito bom mato... mato né. Daí nóis entremo lá dentro, fiquemo lá, fizemo as barraca, fiquemo nos barraco (e) se aprontemo. Na segunda ou terça, aí só que a prefeitura entrou com reintegração e nos tivemo que saí de lá.

E aí sim entremo numa área provisória lá dos assentados. Fiquemo lá até... Nisso nóis negociemo a (fazenda da) VARIG. Ela entrou em pauta de novo (de desapropriação) e daí conseguimo então de nois sê assentado, de saí essa área. E aí então foi lá por abril ou março é que a gente peguemo no rádio, de madrugadinha, que o governo Fernando Henrique tinha liberado essa área. ...”

Em inicio de junho as famílias sorteadas são transferidas para suas terras e fazem os núcleos para facilitar o loteamento numa extensão de 18 quilômetros, demorando quase um ano para ser concluído devido a topografia. Logo acertado o loteamento foram se formando as comunidades, de inicio foram construídas três a fim de contemplar todas as famílias devido a distancia. As famílias são originárias dos municípios de Rodeio Bonito, Planalto, Ajuricaba, Novo Tiradentes, Ronda Alta, Palmeira das Missões, Vicente Dutra, Irai, Herval Grande, Nonoai, Alpestre, Pinhal e Arroio do Tigre.

A organização no inicio, segundo o Sr. Sadi foi assim

“Nóis tinha nossos barracos lá (no 1) e nóis vinha fazê a horta ali (no 4).

No princípio, no começo, aqui foi vim (só prá) fazê horta, porque nóis queria comê, nóis tinha vontade de comê né, e daí viemo. Nóiss vinha lá de cima, os homem principalmente, todo dia nos vinha aqui, dava oito quilômetro. Essa foi nossa história.

Daí nóis comecemo fazê horta. nóis tinha um grupo coletivo na época. Nóis tinha vinte e uma família e aí nóis vinha todo dia e a gente fazia isso com o maior prazer, com a maior alegria. Isso fazem quinze ano. E aí então nóis iniciemo. Como nóis não sabia (ainda) onde morá (localizar as casas) nóis fizemo nossa agrovila lá no rio (beira do rio), lá em baixo, prá lá do ginasião, prá baixo do campo (de futebol). Aí nóis tinha uma agrovila de lona, mas era coisa mais organizada do mundo... todo mundo ...”

As famílias reivindicaram junto as autoridades a educação para os alunos do novo assentamento, primeiro os alunos foram atendidos por uma extensão da Escola Municipal de Ensino Fundamental Leonilda Zardin Nicoletti que fica na localidade de Rondinha,

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acomodados em um galpão com três salas de aula e uma cozinha improvisada. Porém esta escola só atendia alunos até a 4ª série, novas reivindicações foram necessárias até que em março de 1996 o Conselho Estadual de Educação aprova a criação da Escola Estadual de 1º Grau no Assentamento Rondinha, sendo que o decreto foi assinado pelo então governador do estado Antonio Britto, mesmo depois de sancionado demorou a ser efetivada devido a demora da prefeitura em construir o prédio.

Existia por parte das famílias a preocupação e a necessidade de uma escola que trabalhasse uma educação mais voltada para a realidade local e dentro dos princípios defendidos pelo MST. Somente em novembro de 1998 que a construção do prédio da escola foi concluída após muitas manifestações e negociações junto a prefeitura. Portanto a autorização para funcionamento foi expedida somente no ano seguinte. Do período do primeiro assentamento até a construção da escola a comunidade assentada foi aumentando devido a chegada de outros famílias para outros assentamentos na mesma região, ampliando cada vez mais o numero de educandos, iniciando seu funcionamento com 230 alunos do pré-escola a oitava série.

No ano de 2002 a equipe diretiva buscou junto a coordenadoria de educação a troca do nome da escola, passando esta a ser chamada de Escola Joceli Corrêa. Neste mesmo ano a escola buscou junto com a comunidade a implantação do ensino médio, sendo este oficializado no ano de 2004. Com essa aprovação, a escola passou a ser chamada de Escola Estadual de Ensino Médio Joceli Corrêa. Hoje a escola atende alunos dos Assentamentos Rondinha, Maravilha da Terra, Estrela que Brilha, Nova Aliança, 25 de Novembro e do Reassentamento 31 de maio. Atende também alunos que junto com suas famílias não foram assentados, mas hoje residem nos assentamentos, totalizando 380 educandos. Os educadores, num total de dezessete e sete funcionários também fazem parte dos assentamentos, alguns vêm de outras comunidades ou até mesmo de outras cidades, mas fixam residência durante a semana na comunidade, pois a escola oferece uma casa para esses professores.

O campo de futebol foi organizado em uma área cedida por uma assentado perto da escola, local onde neste ano foi construído um ginásio com 1152 m² que servirá a toda comunidade assentada. O Assentamento Rondinha criou o Esporte Clube Estrela para participar dos campeonatos municipais, participando em outras comunidades e recebendo visitantes em sua sede. Além do lazer, o assentamento também conta com um posto de saúde e atendimento de uma equipe de PSF (Programa da Saúde da Família).

O Assentamento conta hoje com um grupo de 30 mulheres organizadas em uma associação, o Coletivo Mãe Terra, no qual desenvolvem trabalhos com ervas medicinais,

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extração de essências, artesanatos e recentemente adquiriram equipamentos para produzirem pães, bolachas, cucas e bolos. Nos encontros discutem novas alternativas, trocam experiências, fazem estudos de formação técnica e política. Algumas igrejas se instalaram no Assentamento junto as comunidades, a católica e posteriormente a evangélica.

Desde a instalação do assentamento até os dias atuais foram muitos os avanços sociais, hoje a escola conta com internet, a vila que se desenvolveu em torno da escola tem linha de telefone e todas as famílias contam com uma boa infra estrutura, com casas, galpões, chiqueiros, estábulos, com luz elétrica e água encanada de poços artesianos.

Atualmente, no Assentamento Rondinha, cerca de 57,4% das moradias são de alvenaria, 22,7% são mistas, 18,6% são de madeira e ainda 1,33% das famílias não tem moradia. Muitas dessas moradias foram melhoradas ou construídas novas pelo programa de habitação da Caixa Econômica Federal. Todas as famílias tem energia elétrica que pode ser considerada boa e abastecimento de água ocorre através de oito poços artesianos e algumas famílias ainda utilizam água de fontes ou vertentes.

A infra-estrutura social e cultural do Assentamento conta com três centros comunitários, cinco igrejas, três canchas de bocha, três campos de futebol e três bares e minimercados, locais esses que possibilitam o encontro das famílias e atividades de lazer.

2.3 O Assentamento Ceres

Com o fortalecimento do Assentamento Rondinha a luta pela terra no município de Jóia também se fortaleceu, logo novos latifúndios foram sendo ocupados. O acampamento do trevo do município de Panambi e do trevo do município de Tupanciretã se unem em ato público na praça do município de Cruz Alta, ocupam a Fazenda Boqueirão e após serem despejados vão para o município de Julio de Castilhos ocupando as Fazendas Santo Antão e Taquarembó, os quais se unem com o acampamento Palmeirão vindo de Palmeira das Missões, como podemos ver na fala do Sr. José Antonio Gomes

“...então comecemo o acampamento no trevo de Tupã com Cruz Alta ...depois fumo pra Cruz Alta ... fiquemo seis meis parado sem fazê nenhuma mobilização ... fizemo uma ocupação na fazenda Boqueirão em Cruz Alta ... tivemo em onze dia ... tivemo bastante conquista ... daí voltamo pro acampamento na berrada da estrada de novo ... lá perto de Ponte Queimada ...acho que é Boa Vista ...dai tivemo mais um tempo mudemo o acampamento pra Julio ... fizemo mais duas ocupação e aonde fomo sorteado daí pro Assentamento Ceres...”

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O entrevistado Antonio Augusto Dias Sherer nos conta que

“... assim foi feito dali seis meses a Fazenda Boqueirão que seria em Cruz Alta ... e quando fazia um ano na fazenda Santo Antão ... em Julio de Castilhos e quando fazia um ano e seis meses na fazenda Taquarembó em Julio de Castilhos que seria ... ai que saiu foi liberada a área da VARIG ai fumos sortiados...”

O governo pressionado pelas ocupações na região compra uma área de 1.951 hectares de propriedade da VARIG no valor de 5,2 milhões de reais, valor de mercado sem precisar ocupação e desapropriação. A área pertencente a VARIG era a sede das duas áreas, Rondinha e essa que chamava-se Fazenda Ceres, continuando com o mesmo nome do Assentamento Ceres, que significa Deusa dos Cereais, mesmo nome da filha do antigo proprietário Marcial Terra.

O Assentamento Ceres está localizado sete quilômetros distante da cidade de Jóia. Seu relevo é predominantemente plano e suavemente ondulado. Possuía vegetação de campos naturais, hoje esta vegetação ocupa apenas 6,3% do total da área distribuído em pequenas parcelas nos lotes. Cerca de 14,6% da área é mata virgem que faz parte da reserva legal e o restante da vegetação é ocupada pela agricultura, que avança ano a ano sobre as áreas de campo nativo e de mata. O assentamento possui bons recursos hídricos, fazem parte deles os arroios Lageado Bonito e Lageado Grande. Foi contabilizado por relatórios cerca de 98 nascentes, estas que estão desprotegidas de vegetações nativas e ficam abertas ao acesso de animais e dos cultivos. Além desses recursos, o assentamento conta com 14 açudes para consumo dos animais e criação de peixes.

Na área foram assentadas 114 famílias escolhidas por sorteio no dia 16 de outubro de 1996, data em que comemora-se o aniversário do assentamento. As famílias tem origem de diversas regiões do estado sobretudo, de Palmeiras das Missões, Júlio de Castilhos, Tupanciretã, Ajuricaba, Jóia, Ronda Alta e Porto Xavier.

A área de 1951 hectares tem 284,5 hectares de mato nativo conservado como reserva legal. Forma deixados fora do loteamento 200 hectares para a implantação de uma cooperativa, a Coopervida,esta que foi criada e não obteve sucesso por má gestão, e a área loteada novamente, contemplando oito famílias, algumas que tinham em seus lotes parte da mata nativa e outras famílias que estavam acampadas. Como podemos ver no relato em entrevista do assentado Sr. José Antonio Gomes

“...nóis tinha uma área grande de reserva e foi dividido devido a falta de terra que era pra se uma área maior e dai na medição oficial ficou menor que a quantia que

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