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Produção em massa: a recontextualização de informações padronizadas

4 TECENDO OS FIOS: ANÁLISE DOS DADOS

4.2 AS PRODUÇÕES ESCRITAS EM RESPOSTA ÀS TAREFAS

4.2.2 Nível 4 – Avançado

4.2.2.3 Produção em massa: a recontextualização de informações padronizadas

De modo semelhante ao descrito na seção anterior, o não direcionamento ao interlocutor solicitado na tarefa torna-se ainda mais evidente quando são recontextualizadas apenas informações do material de insumo, sem mobilização do repertório do examinando. Nesse sentido, no nível 4, algumas produções escritas se diferenciam pouco dos textos dos materiais de insumo, uma vez que selecionam suas informações, mas as recontextualizam muito pouco tendo em vista as novas situações de comunicação propostas pelas tarefas:

Quadro 18 - Nível 4, T4-45

Belém, 25 de junho de 2012 Prefeitura Municipal de Belém

Nesta

Assunto: roubos e depredações de azulejos valiosos em Belém Prezados senhores,

Desde o século XIX Belém conta com a maior variedade de azulejos que coloream as fachadas e o interior de residências, os quais foram importados da Europa, mas desde a década de 1970 para cá, mais do 50% dos azulejos se perderam, e este ano a situação é mais grave, desde fevereiro 4 casarões pelo menos, foram alvo do vandalismo e de roubos.

Dentro destas construções está o Palacete Victor Maria da Silva, seu dono foi o inspetor de obras do estado do Pará, seus azulejos foram encontrados em cacos, pelo que agora estão sendo limpados e organizados os mais de 1000 fragmentos encontrados para ser restaurados ou refeitos, disse Thaís Sanjad, coordinadora do Laboratório de Conservação e Restauração da UFPA, encaregados do trabalho, também é necessário documentar detalhes arquitetônicos e históricos da construção para fazer o processo de tombamento.

A superindentende do Iphan no Pará Maria Lima disse que tudo indica que há um mercado de azulejos na cidade, pois os exemplares fora das áreas tombadas tampouco têm nenhuma proteção, é por isso que é necessário tomar medidas imediatas para solucionar o problema e não deixar passar mais tempo.

Se não se tem prontas medidas de proteção, os roubos vão seguir até que não se possam restaurar os casarões históricos de nossa cidade.

Atenciosamente,

Marlise Aires Fonte: Disponibilizado pelo Inep.

Nessa produção escrita, a examinanda demonstra compreensão do material de insumo, selecionando informações e articulando-as de modo a não copiar trechos inteiros, por exemplo. Apesar disso, o texto produzido acaba se aproximando muito do material de insumo em questão de organização das informações, já que não há mobilização de informações do repertório do examinando ou uma tomada de posição que demonstre o inconformismo com a situação, o que torna o texto mais informativo e prejudica a realização das ações que diferenciam o propósito da reportagem do material de insumo do propósito de escrita da carta aberta. Algumas informações selecionadas, inclusive, não contribuem para cumprir com o propósito de solicitação do gênero, como os detalhes sobre o Palacete Victor Maria da Silva no segundo parágrafo do texto.

Assim, além de não mobilizar informações do seu próprio repertório, limitando-se a reproduzir as informações constantes na reportagem, o conteúdo informacional do material de insumo não é tão bem recontextualizado para cumprir o propósito principal da tarefa. Nesse sentido, a recontextualização por meio de discurso direto da fala de especialistas, como a coordenadora do Lacore e a superintendente do Iphan, apresenta alguns equívocos. Nessa transposição, percebe-se uma tentativa de articular as informações de modo pessoal, isto é, utilizar alguns recursos linguísticos do seu próprio repertório e conectar informações de diferentes partes do material de insumo. Ao realizar isso, entretanto, a examinanda atribui à

Thaís Sanjad, coordenadora do Lacore, informações atribuídas na reportagem à Thaís Toscado, diretora do Dphac: “também é necessário documentar detalhes arquitetônicos e

históricos da construção para fazer o processo de tombamento.”.

Por outro lado, ao final do texto, a examinanda seleciona informações da fala da superintendente do Iphan sobre as suspeitas do mercado de azulejos na cidade e a falta de proteção fora das áreas e as atribui a um novo contexto, já que as recontextualiza para argumentar: “A superindentende do Iphan no Pará Maria Lima disse que tudo indica que há

um mercado de azulejos na cidade, pois os exemplares fora das áreas tombadas tampouco têm nenhuma proteção, é por isso que é necessário tomar medidas imediatas para solucionar o problema e não deixar passar mais tempo”. Assim, a recontextualização de informações

também acontece de modo apropriado para cumprir o propósito interlocutivo.

***

Em relação aos textos avaliados no nível 5, textos do nível 4 apresentam fragilidades na consistência da interlocução devido a equívocos ou incompletudes na recontextualização de informações, principalmente nos propósitos mais atrelados à recuperação do conteúdo informacional do material de insumo, como descrever o projeto Favela Orgânica (T3) e explicar o problema dos casarões históricos de Belém (T4). Isso se torna ainda mais evidente na T4, em que a maioria dos examinandos assume o papel de morador inconformado e cumpre com o propósito de argumentação sobre o problema dos casarões, mas não recontextualiza informações suficientes para explicar esse problema de forma consistente.

Na seção 4.2.2.1, por exemplo, a examinanda não explicita informações em relação ao roubo de azulejos e à suspeita de que essas ações estejam relacionadas a um mercado de azulejos na cidade. Assim, ao caracterizar genericamente o problema dos casarões como uma situação desfavorável e atos de vandalismo, o interlocutor pode até se sensibilizar à tomada de medidas para solucionar o problema, mas não saberá quais medidas seriam mais eficientes para o problema em questão. Considerando-se autoria como um modo singular de articular as informações do material de insumo à situação comunicativa proposta pela tarefa, textos como esse não apresentam toda a informação conhecida presente no material de insumo que é necessária para cumprir com os propósitos na interlocução a ser configurada no novo contexto de comunicação, isto é, a seleção de informações prejudica o desempenho do examinando.

Nos outros dois casos, as informações necessárias são selecionadas, mas não há tanto investimento dos examinandos em mobilizá-las a serviço do cumprimento dos propósitos e da

configuração da interlocução. Um texto como o da seção 4.2.2.2 seleciona informações do material de insumo e do repertório do examinando, atribuindo essas informações ao propósito de solicitação de patrocínio, mas não as direciona especificamente para o interlocutor solicitado na T3. O texto da seção 4.2.2.3 se constitui como ainda mais próximo dos propósitos do texto do material de insumo da T4, selecionando muitas informações e apresentando pouca produção que demonstre o repertório do examinando naquela prática social. Além disso, ainda que não copie trechos longos, a organização dos parágrafos e a seleção de recursos linguísticos são ainda muito próximas do texto do material de insumo, o que prejudica a transposição dos propósitos informativos para propósitos mais argumentativos.

Assim, o que prejudica a constituição de autoria nesses dois casos não é a seleção das informações anteriormente conhecidas por meio dos materiais de insumo, mas sua articulação à situação comunicativa apresentada pela tarefa, uma vez que o examinando não consegue dar sentido a essas informações para descolá-las totalmente dos propósitos dos materiais de insumo e produzir um texto que as atribua um novo contexto de comunicação. Esse equilíbrio entre informações conhecidas e novas, portanto, é necessário para que o interlocutor possa atribuir sentidos às solicitações dos examinandos, de modo que, com as incompletudes apresentadas pelos textos de nível 4, os examinandos não teriam o mesmo sucesso que os textos de nível 5 nas solicitações realizadas. Com o objetivo de mobilizar o interlocutor projetado, para que ele reaja ao texto e realize as ações de patrocinar o projeto Favela Orgânica (T3) ou tomar medidas imediatas para solucionar o problema dos casarões históricos de Belém (T4), é preciso selecionar informações relevantes do material de insumo e articulá- las ao contexto da situação comunicativa, de modo a possibilitar a atribuição de sentidos a essas demandas.