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2. Contextualizações: Sobre a origem do positivo na história das idéias em

2.2 A produção da moralidade

De acordo com Philippe Steiner (2016, p.52) no meio período entre as suas duas grandes obras, Comte entra em contato com a obra de Charles Dunoyer (1786-1862). Proximo de Say, Dunoyer adota posições heterodoxas quanto ao papel do Estado na sociedade industrial, aplicando a distinção entre 3 Comte por outro lado fora um dos primeiros a permitir mulheres em seus cursos de filosofia como, por exemplo, George Sand (1804-1876) quando a tendência era a oposta.

bens materiais e serviços imateriais, originarias de seu conterrrâneo. Ainda assim, a questão da produção material retinha toda a atenção dos economistas liberais, o que os conduzia a um baixo apreço pelo tema do papel do Estado - tido como fraco empreendedor e gestor, uma vez que os seus funcionarios não seriam movidos por interesses pessoais. A partir desta perspectiva, “o Estado deve ser minimo, para que o seu custo para os produtores seja o menor possível”. Neste sentido o cenário se altera quando se aplica ao Estado a distinção, segundo Steiner, própria de Say, a saber, a distinção entre as artes que se exercem sobre a matéria e sobre a natureza em relação àquelas que se aplicam ao homem, pois ‘de todas as artes que o gênero humano exerce talvez sejam estas as mais fecundas em consequências (STEINER, 2016, p.48 apud DUNOYER, 1845, p.4). Ao lado das artes que agem sobre o corpo, os sentimentos, a imaginação e sobre as faculdades intelectuais, Dunoyer salienta também a importância “das artes que produzem a moralidade acostumando nossos afetos a regularem-se, na prática, com base nas luzes da razão” (STEINER, 2016, p. 48 apud DUNOYER, 1845, p.227). Para Dunoyer (Steiner 2016, 48 apud Dunoyer 1845, p.275), a produção da moralidade envolve a educação, primeiro familiar, depois aquela imposta nos colégios e nesse sentido também intervém o sacerdócio, pois “o padre é um instrutor de moral” Ainda para Dunoyer (STEINER, 2016, p. 49 apud Dunoyer, 1845 p. 349), “a religião tem a vantagem de conduzir ao bem por motivos superiores às consideracoes ordinarias [...] ela confere desinteresse, dignidade, e elevação ao caráter”. A moralidade assim disposta se fortalece quando o governo reprime políticamente o comportamento desviante. Assim, Comte encontra em Dunoyer a idéia segundo a qual o governo é uma instituição produtora, encarregada de produzir aquela que era a seu ver a mais importante das produções existentes, a “produção da moralidade e da civilização”. Entre outros, Comte retoma a diferença, estabelecida por Dunoyer, entre produção material e produção moral insistindo sobre a segunda, a seu ver, ignorada pelos economistas politicos. De acordo com Steiner (2016, p.49), Comte estava muito confiante na capacidade do governo tal como o entende, ou seja, “um governo composto pelo sacerdócio positivista, capaz de modificar a moralidade da população” a partir dos preceitos e dos fundamentos da religião da humanidade, julgando que tal modificação é um elemento central para a solução do “grande problema humano”, o qual coloca

como fio condutor do segundo volume da obra Sistema de Filosofia Positiva, ou seja, “subjugar a individualidade à coletividade”. Desta maneira, Comte passa então a elaborar uma tipologia das trocas que se constitui em um aprofundamento de sua teoria social. A ênfase do filósofo recai assim sobre a riqueza acumulada e sobre suas modalidades de transmissão. As trocas se constituem segundo sua motivação - altruista ou egoista - e o caráter - violento ou pacífico - da transação (Comte 1895d, v.2 apud Steiner, 2016, p.50). De acordo com Steiner (2016, p.50) a originalidade de seu argumento deve-se ao lugar concedido à herança, já que Comte confere ”uma dimensão intergeracional e histórica à transmissão das riquezas’. Nesse sentido as transmissões altruistas podem ser violentas (herança) uma vez que implica na morte daquele que possui, ou pacifica (doação) na medida em que as transmissões egoistas se dão pela conquista (violência) ou pela troca (pacifica). Comte, em busca da parcimonia, coloca por outro lado, a divisão social do trabalho como a grande descoberta dos economistas, “uma vez que a tarefa central da acumulação de riquezas conduz cada cidadão a trabalhar essencilamente para outrem” (COMTE, 1895d, v2, p. 159 apud STEINER, 2016, p. 51). A dimensão coletiva e solidária da divisão voluntária do trabalho se torna então o fio condutor da reflexão de Comte sobre o altruismo enquanto prática efetiva na sociedade industrial fazendo deste, um axioma de seu catecismo positivista. De acordo com Steiner (2016, p. 54), na medida em que Comte fazia uma defesa da igualdade e da justiça como ideal da sociabilidade humana, poucos economistas lhe deram atenção. Pierre-Joseph Poudhon (1809-1865) por exemplo, afirmava que as motivações generosas não diferenciavam humanos de animais. Um dos raros economistas a dar atenção a Comte, inclusive inscrevendo seus trabalhos sob o rótulo de sociologia foi Herbert Spencer. Spencer, longe de concordar em todos os pontos com as reflexões de Comte conferiu grande importância à questão do altruismo em seu Data of Ethics (1879). Nietzsche, leitor do referido livro, colocaria em Nachlass/FP 1880 1 [98] que “Spencer pressupõe a igualdade entre os homens (Gleichheit der Menschen)” e nesse sentido, sua posição contrasta com a de Stuart Mill que embora marcado pelos primeiros trabalhos de Comte e favorável ao desenvolvimento dos comportamentos orientados para os outros, não deu importância maior às suas idéias sobre o altruismo as quais remetiam- lhe a expressão de um moralismo excessivo. Assim como Comte, Spencer

enfatiza a familia como instituição adaptada ao desenvolvimento do comportamento altruista e situa as transmissões intergeracionais dentro destas práticas, procurando acima de tudo mostrar como as motivações altruistas e egoistas podem se harmonizar. Spencer, porém, quer inscrever as diferentes combinações do egoismo e do altruismo não na topografia do cérebro humano, mas no princípio da seleção dos mais fortes e melhores, o qual, em sua visão, rege a evolução das sociedades – paradigma que Nietzsche iria também críticar futuramente a partir da lógica das pulsões. Existem ainda algumas diferenças quanto ao significado politico das conclusões entre ambos. De acordo com Steiner, Spencer em Data of Ethics (1900, p.253) rejeita a máxima comteana do “viver para outrem” como tão falsa em sua opinião como a máxima puramente egoista – o que Nietzsche a nosso ver se colocaria completamente de acordo apesar de muitas vezes soar como um defensor ortodoxo do egoismo. Ainda nesse sentido, afirma Steiner (2016, p. 55) que Spencer rejeita também, o fato de que a idealidade altruista possa ser a base objetiva da subjetivação que Comte pretendera para a modernidade, insistindo sobre a idéia segundo a qual, não se trata de fazer o altruismo prevalecer sobre o egoismo, mas de conciliar os dois instintos: concorrência e compromisso por um lado, egoismo e altruismo, do outro. De acordo com Steiner, para o economista Spencer, o egoismo seria o ponto de partida obrigatório, ”pois sem uma relação clara entre a contribuição e a retribuição, não haveria produção suficiente de riqueza e, portanto, nenhuma possibilidade de agir de maneira altruista”. De acordo com Steiner (ibid., p.55), Spencer observa a situação de concorrência como uma concorrência entre atores egoistas que graças aos efeitos positivos da cooperação, chegariam ao acordo e ao compromisso de “nada mais ter que sua justa parte”. De todo modo, o evolucionismo de Spencer explica a passagem progressiva do egoismo ao altruismo através do desenvolvimento pleno da cooperação entre atores calculadores. O egoismo e o altruismo são, portanto, necessários à obtenção desse resultado. Em Comte, por sua vez, o perigo contido na sociedade industrial se deve ao desenvolvimento exagerado do egoismo que só podia ser combatido pela educação fornecida pelo clero sociocrático e pelas mulheres. Segundo Steiner, a argumentação spenceriana é realizada em termos econômicos, sendo um cálculo de custos e beneficios o qual opera ao longo da evolução que permite mensurar altruismo e o egoismo em uma mesma escala de avaliação; o que por

sua vez se encontra em oposição a maneira como Comte vê o altruismo, ou seja, como instinto e valor ultimo, oposto e distinto do egoismo. De acordo com Steiner (Ibid., p. 56), os debates sobre o altruismo acontecem em um período de confronto entre os economistas e as outras ciências sociais, momento caracterizado por uma espécie de “imperialismo da economia, a qual pressupunha que a teoria economica era a gramática geral da ação humana”. Nietzsche irá então procurar integrar-se a querela acerca da dualidade da natureza humana engendrada pelos economistas e positivistas acusando a superficialidade do debate a partir de uma crítica gnosiológica de caráter fisiológico no qual o aspecto perspectivo e pulsional (são nossas pulsões que interpretam o mundo dirá Nietzsche) do conhecimento é apresentado. Ainda assim, Nietzsche passa a perscrutar as condições de possibilidade de realização do gênio - de acordo com Clademir Araldi (2003, p. 117) uma marca de seu afastamento em relação a Schopenhauer – assim como do desenvolvimento da cultura diante do novo cenário que se estabelecia no período.

2.3 A Chegada e a recepção do positivismo na Alemanha e o papel de John