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O PROEJA e suas concepções pedagógicas – o trabalho como princípio educativo

2 A EDUCAÇÃO COMO DIREITO DE TODOS: ACESSO E PERMANÊNCIA 2.1 A Educação como Direito nos documentos das grandes conferências

3 O Programa de Educação Profissional e a Educação de Jovens: o caso do PROEJA

3.3 O PROEJA e suas concepções pedagógicas – o trabalho como princípio educativo

A política de integração da educação profissional com a educação básica na modalidade EJA, de acordo com o Documento Base do PROEJA, ―[...] opera prioritariamente, na perspectiva de um projeto político-pedagógico integrado.‖ (BRASIL, 2007, p. 39). Para a concretização disto, os maiores esforços concentram- se na busca de se construir um currículo integrado. A ideia de integrar é abordada por Ciavatta como

[...] sentido de completude, de compreensão das partes no seu todo ou da unidade no diverso, de tratar a educação como uma totalidade social, isto é, nas múltiplas mediações históricas que concretizam os processos educativos. (CIAVATTA, 2005, p.84).

Neste sentido para a formação integrada ou a formação do ensino médio integrada ao ensino técnico, a educação geral e educação profissional devem se tornar partes inseparáveis onde se dê a preparação para o trabalho, quer seja nos processos produtivos ou educativos.

Com a formação integrada, busca-se enfocar o trabalho como princípio educativo, procurando superar a dicotomia entre trabalho manual e trabalho intelectual, de incorporar a dimensão intelectual ao trabalho produtivo, capaz de formar trabalhadores capazes de atuar como dirigentes e cidadãos. De superar a ideia de que cabe a uns pensarem e a outros executarem. Este é um desafio que posto para o PROEJA.

Considerar o trabalho como princípio educativo equivale dizer que o ser humano é produtor de sua realidade, apropria-se dela e pode transformá-la. Em outras palavras, somos sujeitos da nossa história e da nossa realidade. Através de sua permanente ação transformadora da realidade objetiva, os homens, simultaneamente, criam a história e se fazem seres histórico-sociais. (FREIRE, 1981, p.108).

A concepção de trabalho como princípio educativo é abordado em Gramsci (2000, p.18), onde o mesmo afirma que [...] ―em qualquer trabalho físico, mesmo no mais mecânico e degradado, existe um mínimo de qualificação técnica, isto é, um mínimo de atividade intelectual‖. Com esta contribuição Gramsci (2000) aponta para a dupla dimensão do trabalho, ou seja, mesmo o trabalho sendo alienado fornece subsídios para a atividade intelectual.

Para Gramsci (2000, p.18), o trabalho se institui como princípio educativo, o processo de educação para emancipação acontece tomando como princípio a ciência e a técnica, com uma escola unitária que rompa com o fetiche da mercadoria15 para a formação de um ser humano dirigente, cientista e político em uma atividade teórico-prática pois ―todos os homens são intelectuais mas nem todos os homens tem na sociedade a função de intelectuais‖.

A escola unitária assim pensada por Gramsci (2000) seria

[...] escola única inicial de cultura geral, humanista, formativa, que equilibre de modo justo o desenvolvimento da capacidade trabalhar manualmente (tecnicamente, industrialmente) e o desenvolvimento das capacidades de trabalho intelectual (GRAMSCI, 2000,p. 33).

Vivemos numa sociedade capitalista, permeada de desafios para uma formação humana. Seria então possível não só falarmos, mas colocarmos em prática esta formação desejada tendo o trabalho como princípio educativo? Esta certamente é uma temática bastante debatida quando tratamos da relação Educação e Trabalho. E mais ainda quando falamos da oferta de um programa (aqui no caso o PROEJA), em uma Rede Federal de Educação Profissional e Tecnológica, onde a ideia de focar o educando numa mera preparação para o ―mercado de trabalho‖ deva ser superada.

De acordo com o Documento Base do PROEJA (BRASIL, 2007, p.41), [...] ―o que se pretende é uma integração epistemológica, de conteúdos, de metodologias e de práticas educativas. Refere-se a uma integração teórica prática, entre o saber e o

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O fetiche da mercadoria, postulado por Marx, opõe-se à idéia de "valor de uso", uma vez que este refere-se estritamente à utilidade do produto. O fetiche relaciona-se à fantasia (simbolismo) que paira sobre o objeto, projetando nele uma relação social definida, estabelecida entre os homens. ―O fetichismo da mercadoria é o exemplo mais simples e universal do modo pelo qual as formas econômica do capitalismo ocultam as relações sociais a elas subjacentes‖.(Dicionário do Pensamento Marxista. 1988).

saber-fazer‖. Em termos de currículo, pode ser traduzido na integração entre uma formação humana mais geral, uma formação para o ensino médio e para a formação profissional.

Pensar então a oferta do PROEJA na perspectiva do trabalho como princípio educativo não pode estar dissociada de pensar a educação como processo de emancipação humana, mesmo estando-se numa sociedade capitalista. E isto na prática deve estar refletido no currículo, nas práticas pedagógicas. O princípio educativo do trabalho é norteador dos processos de emancipação humana.

O currículo integrado leva-nos a refletir sobre o papel que deva ter a escola, na perspectiva de promover a formação humana, com acesso ao conjunto de saberes e conhecimentos científicos, tecnológicos, produzidos e acumulados ao longo da história, integrada a uma formação profissional, que permita ao educando, compreender o mundo e a si próprio como sujeito que é inserido nele. E mais, como sujeito, atuar no mundo no sentido de não só buscar melhorias nas suas próprias condições de vida, mas de contribuir também para a construção de uma sociedade mais justa.

Aqui vale destacar o pensamento de Freire (2007) de que o sujeito está situado historicamente no mundo e com o mundo. Nele, forma-se como pessoa humana, constata, problematiza e deve ir além, intervindo como sujeito de ocorrências.

O que se pretende, portanto, é que a escola nesta perspectiva de integração, amplie os horizontes do educando, naquilo que venha a se constituir como formação humana, não na lógica para o mercado de trabalho, mas na formação integral do sujeito enquanto cidadão, capaz de compreender, de se compreender e de atuar no mundo.

Como formação humana, o que se busca é garantir ao adolescente, ao jovem e ao adulto trabalhador o direito a uma formação completa para a leitura do mundo e para a atuação como cidadão, pertencente a um país, integrado dignamente à sua sociedade política. (CIAVATTA, 2005, p.85).

A grande diversidade dos sujeitos da EJA impõe-nos também desafios para a aplicação desta política de integração, não só do ponto de vista estrutural/organizacional da própria escola como também do aspecto pedagógico, que requer uma formação específica, do educador.

Um programa, pois, de educação de jovens e adultos nesse nível de ensino necessita, tanto quanto nos demais níveis, e para outros sujeitos, formular uma proposta político-pedagógica específica, clara e bem definida para que possa atender as reais necessidades de todos os envolvidos, e oferecer respostas condizentes com a natureza da educação que buscam, dialogando com as concepções formadas sobre o campo de atuação profissional, sobre o mundo do trabalho, sobre a vida. (BRASIL, 2007, p.36).

Os educandos do PROEJA são oriundos de camadas populares, marcados por uma vida de exclusão, de interrupções, de luta desenfreada pela sobrevivência, são produtos de uma sociedade de extremas desigualdades sociais. Assim um educador inserido neste programa não deve desconhecer isto. Precisa ser sensível a essa realidade e estar minimamente comprometido com a concepção e construção de uma escola articulada com a perspectiva de uma nova sociedade, mais justa, mais humanizada e mais solidária. Vale aqui ressaltar que

a escola não tem o poder de determinar o tipo de sociedade em que vivemos por meio da formação de seus alunos. Todavia, nem por isso podemos menosprezar a importância da apropriação de valores, hábitos que favoreçam condutas democráticas por parte dos cidadãos. (PARO, 2010, p.62)

E isto certamente já será uma grande contribuição na construção de uma nova sociedade afinal a educação também é uma forma de transformar o mundo.