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Professores/as do Distrito Federal Brasília e as mobilizações grevistas de

CAPÍTULO 1 Políticas neoliberais na educação: delimitando a conjuntura e a

1.4 Professores/as do Distrito Federal Brasília e as mobilizações grevistas de

Antes de abordar questões mais específicas de educação no Distrito Federal, quero retomar aqui a questão do discurso neoliberal em educação, quer dizer, a problemática da educação de qualidade e a consequente visão do “Estado mínimo”. Quando a educação é pensada sob o prisma da qualidade total, a ineficiência do Estado no gerenciamento da coisa pública é propagada, então a situação enfrentada cotidianamente em nossas escolas por professores/as e administradores/as educacionais, é apresentada como consequência de métodos ‘atrasados’ e ineficientes de ensino e de currículos inadequados e anacrônicos (SILVA, 2010). Assim, tanto o Estado quanto os/as profissionais em educação são responsabilizados pelo fracasso escolar. Silva (2010, p. 19-20) argumenta que é difícil refutar essa proposta de ‘qualidade total’ mas que ela esconde sua natureza essencialmente política da configuração educacional existente. E explica que

a educação pública não se encontra no presente e deplorável estado principalmente por causa de uma má gestão por parte dos poderes públicos, mas sim, sobretudo, porque há um conflito na presente crise fiscal entre propósitos imediatos de acumulação e propósitos de legitimação (os governos estaduais não remuneram mal os professores apenas porque os governadores são “maus” ou pouco iluminados, mas porque isso compete com os objetivos de financiamento – necessários ao processo de acumulação- mais imediatos). As escolas privadas não são mais eficientes que as escolas públicas por causa de alguma qualidade inerente e transcendental da natureza da iniciativa privada (o contrário valendo para a administração pública), mas porque um grupo privilegiado em termos de poder e recursos pode financiar privadamente uma forma privada de educação (sem esquecer a vantagem de capital cultural inicial – de novo resultante de relações sociais de poder – de seus/suas filhos/as, em cima do qual trabalham as escolas privadas).

De acordo com esse autor, a educação é, então, engenhosamente pensada e organizada para servir aos interesses de grupos privilegiados que podem financiar escolas privadas (em escolas particulares não ocorrem mobilizações grevistas) e, com isso, obter lucro, e, ainda, têm condições de pagar os estudos dos/as filhos/as, os quais serão formados/as para continuarem fazendo parte da elite. Por outro lado, para os/as

pobres, a escola pública com todos os problemas e as deficiências.

É importante salientar que, para Silva (2010), a má remuneração dos/as professores/as é também parte desta estratégia neoliberal que visa a manter “cada macaco em seu galho”, ou melhor, cada classe desempenhando exatamente um pré- determinado papel para que tudo continue igual. Explico melhor: o desestímulo da remuneração dos/as professores/as aliado às condições precárias de escolas públicas pode propiciar uma diferença de acesso dos/as estudantes da escola pública em relação aos/às de escolas particulares aos bons cursos universitários, o que pode acentuar diferenças sociais tendo em vista que, se nada for feito em prol de melhorias para a educação pública, aqueles poderão não ter o direito de escolha, e serem obrigados/as a ingressarem em cursos que “sobrarem” da escolha dos/as privilegiados/as.

O raciocínio neoliberal em educação, no entanto, pressupõe tanto um acesso igualitário ao ensino quanto um/a consumidor/a apto/a a fazer escolhas racionais. Porém, não há acesso igual para todos/as nem todos/as podem fazer “escolhas” racionalmente; por conseguinte, a desigualdade educacional gera a desigualdade social. Além disso, ainda há a responsabilização da escola e, principalmente, do corpo docente por “esse fracasso”. Em Brasília, assim como no restante do país, a qualidade das escolas públicas, normalmente é associada ao número de aprovados em vestibulares. Por isso, a veiculação/disseminação desse discurso ideológico da qualidade no âmbito escolar, constitui-se uma ferramenta que se interpõe à superação do problema.

Em 2001, no governo de Fernando Henrique Cardoso, foi sancionada a Lei 10.172/2001, que estabelece o Plano Nacional de Educação (PNE). Em 2006, foi aprovado um novo Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (FUNDEB), que abarca toda a educação básica e amplia o percentual da arrecadação dos impostos para a manutenção e o desenvolvimento do ensino. No bojo dos debates sobre a importância de se valorizar a educação, tornaram-se prioritárias medidas que valorizassem os/as docentes, propiciassem o acesso às universidades e criassem um piso salarial nacional. Assim, em 2008, foi aprovada a Lei Nº 11.738, que instituiu o piso salarial nacional dos/as professores/as da educação básica das escolas públicas brasileiras. Conforme Rocha (2009), a UNESCO estabelece dentre os critérios da remuneração docente a compatibilidade com: a) a importância atribuída pela sociedade à função educativa; b) a

remuneração de profissões análogas em termos de formação e c) o nível de vida satisfatório para o/a docente e seus familiares. Essa autora cita o documento para a Organização da Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), publicado em 2005, na Europa, que reconhece a queda do poder aquisitivo dos salários dos/as professores/as e o envelhecimento do corpo docente e aponta para a necessidade de tornar a carreira do magistério mais atrativa como uma estratégia de melhoria para a educação.

Diferenças à parte, é fato que, também no Brasil, é visível o desinteresse por parte dos/as jovens em relação à carreira do magistério, em função de vários fatores, incluindo o salário desanimador, a robusta jornada de trabalho a que o/a profissional é obrigado a cumprir e o reconhecido estresse da profissão. Segundo o Censo Escolar de 2012, o DF possui um quadro com 27.337 profissionais em educação em atividade, entre docentes efetivos e temporários. Desses, 77,86% são mulheres e 22,14% são homens. Os/as que têm até 30 anos são quase 40% do efetivo total, o que aponta para o processo de envelhecimento que também ocorre na Europa. Portanto, é latente a necessidade de valorização da educação e de seus/suas profissionais.

O Governo Federal divulgou, em 2011, dados sobre educação, segundo os quais o Distrito Federal teria um dos melhores sistemas educacionais do País se comparado aos estados brasileiros, mas as manchetes de reportagens veiculadas pelos meios de comunicação indicam problemas parecidos com os vivenciados em escolas no restante do país.

É preciso ressaltar que boa parte dos/as professores/as, hoje, principalmente aqueles/as da escola pública, são vítimas de doenças, situações de violência e desamparo. É muito comum os discursos hegemônicos os/as responsabilizarem por índices ruins de desempenho e raramente reconhecerem seu esforço. Talvez nenhuma categoria seja tão avaliada e cobrada pela população tal como os/as docentes. Muitos/as trabalham em escolas nas quais a violência domina e são vítimas de doenças como a depressão ou a síndrome de Burnout. Conforme Carlotto (2011), a docência é considerada pela Organização Internacional do Trabalho (OIT) como um das profissões mais estressantes e possui muitos elementos que conduzem à síndrome de Burnout, que é resultado do estresse crônico, típico de situações de trabalho em que o indivíduo sofre muita pressão, vivencia muitos conflitos e não se sente reconhecido ou recompensado

emocionalmente. Um estudo feito em Porto Alegre (RS) revelou alto índice de professores/as com baixa realização profissional, um dos fatores desencadeadores da síndrome. Outro fato que merece atenção é com relação à carga horária: quanto mais elevada, maior o sentimento de desgaste emocional por parte dos/as docentes, conforme se verificou na pesquisa de Carlotto (2011). É importante observar que ter jornadas dobradas (ou triplicadas) é uma constante necessidade na carreira do magistério em razão dos baixos salários. O Distrito Federal, assim como em muitos estados brasileiros, possui um índice alto de professores/as afastados/as da sala de aula por recomendação médica. Segundo a Secretaria de Educação do DF, em fevereiro de 2012, em apenas uma semana de aulas foram recebidos 713 atestados médicos de professores.

Os movimentos grevistas dos/as professores/as da educação básica da escola pública, que aconteceram em vários estados e cidades do nosso país em 2012, não são senão uma das faces do problema de pesquisa em questão. Foram muitas as manchetes de jornais nos diversos estados brasileiros, como: “Cinco mil professores fazem passeata para cobrar o piso em SC” (Portal Terra, 12.03.12), “Sindicato estima em 80% paralisação de professores no RS” (Portal Terra, 15.03.12); “Professores de São Paulo marcam greve para 14 de março” (site Rede Brasil Atual, 16.02.12), “Professores finalizam greve após 115 dias de movimento” (A tarde, jornal da Bahia, 03.08.12); “Paralisação de professores da rede pública termina hoje” (G1 Triângulo Mineiro, 16.03.12). Em 2012, houve ainda, a paralisação das atividades da maioria das universidades públicas federais e estaduais, um sintoma de que a educação requer cuidados mais sérios.

Já aconteceram muitas mobilizações por parte dos/as professores/as do DF. Caron (2009) assinala que, na década de 1990, o ânimo e a disposição para a luta dessa categoria criou um cenário favorável a mobilizações, mas os governos conservadores conseguiram controlar as pressões e se adaptar a esse novo cenário. As mobilizações tornaram-se cada vez mais longas, o que pode ter contribuído para seu desgaste junto à opinião pública. Segundo esse autor, no DF, de 1998 até hoje, quase todas as mobilizações grevistas de professores/as prolongaram-se acima de 40 dias, com exceção de 2005, com apenas 7 dias parados. A mais recente mobilização terminou depois de 52 dias. Caron (2009) acredita que exista, hoje, um enfraquecimento de movimentos reivindicatórios e reconhece que o mundo do trabalho merece investigações no

momento das mobilizações educacionais para que outros fatores ganhem importância no debate público e acadêmico, tais como: condições materiais e psicológicas de trabalho, precariedade nas relações trabalhistas, intensificação da jornada de trabalho.

As reivindicações do professorado de Brasília contemplavam itens de um acordo assinado pelo Governador Agnelo Queiroz, por ocasião de sua posse em 1º.01.11: reajuste salarial, plano de cargos e salários, plano de saúde, convocação de professores/as concursados/as. Em relação ao salário, o Distrito Federal cumpre a Lei Nº 11.738, de 16 de julho de 2008, do piso salarial. Esse fato é veiculado como uma propaganda do governo do DF, como se não fosse o mero cumprimento de uma lei estabelecida pelo/a Presidente da República, isto é, uma obrigação. Além disso, os discursos governamentais normalmente atribuem ao salário a única causa de uma paralisação de atividades, que indica uma estratégia de construção de identidade profissional como “inimigos interesseiros”, para os/as professores/as mobilizados/as, perante a opinião pública, principalmente perante os pais, as mães e os/as responsáveis pelos/as estudantes, muitos/as dos quais recebem salário ainda inferior, conforme observamos na pesquisa e discutimos no Cap. 4. Neste ano de 2013, o piso salarial foi estabelecido em R$ 1.567,00. Segundo o Sindicato dos Professores do Distrito Federal (Sinpro-DF), está marcada para 7 de março de 2013 uma assembleia geral, com paralisação, em frente ao Palácio do Buriti, sede do governo do DF.

Convém ressaltar que associar grupos mobilizados, isto é, manifestantes, a pessoas desqualificadas é uma prática recorrente da mídia brasileira. Leal (2009, p. 124) ilustra como a "Marcha das Margaridas", manifestação ocorrida em Brasília, em 2007, organizada pela Confederação dos Trabalhadores na Agricultura (CONTAG), que reuniu cerca de 14 mil trabalhadoras rurais, foi representada pelo Jornal de Brasília, associada "à desordem, à perturbação, ao desrespeito à lei e, portanto, à transgressão". Da mesma forma, o jornal O Globo, em 2001, associou as mobilizações dos/as funcionários/as das universidades públicas federais à intransigência, à desordem e à luta por privilégios, e, ainda, acusou os/as professores/as de possuírem baixa produtividade acadêmica (PELLICCIONE, 2004).

Por isso, nesse contexto de cobrança por uma educação digna para filhos/as de pessoas desprivilegiadas, de políticas e promessas de valorização dos/as docentes e, principalmente, de mobilizações grevistas dos/as servidores/as do GDF em educação,

em 2012, é que investigo como esses/as profissionais mobilizados/as são representados/as nas reportagens do corpus principal, publicadas pelo Correio

Braziliense, principal jornal do Distrito Federal, desde que o movimento grevista de

2012 teve início. Como esclareço na Apresentação, o problema social parcialmente discursivo investigado nesta pesquisa são as representações/discursos sobre mobilizações grevistas e professores/as em greve que podem ser legitimadas em reportagens jornalísticas/gêneros e inculcadas em identidades particulares e

sociais/estilos, principalmente dos/as professores/as, mas também de uma gama de

atores sociais envolvidos direta ou indiretamente na conjuntura social e nos eventos de mobilização enfocados na pesquisa, tais como estudantes, pais/responsáveis, professores/as, professores/as em formação, governantes, ou seja, de cidadãos/ãs em geral, cujos direitos contemplam a educação. Por isso, objetivamos investigar

representações/discursos e identificações/estilos potencialmente ideológicas dos

eventos de mobilização grevista, bem como dos/as professores/as em greve, nos textos do corpus documental principal que materializam o gênero reportagem jornalística, como detalharemos no Cap. 3 (seção delimitação de corpus de pesquisa).

Para investigar discursos hegemônicos como esse, que podem legitimar representações e identificações ideológicas dos/as professores/as engajados/as nas mobilizações grevistas ocorridas em 2012, lançamos mão de uma abordagem teórica da linguagem de cunho crítico-explanatório, conforme apresentamos no Cap. 2, a seguir.

Em suma, vimos até aqui como se configura a educação na era do neoliberalismo, isto é, o local e a importância dados a esta e a seus/suas profissionais. No cenário de políticas neoliberais, a educação não é prioridade, pelo contrário, tornam- se relevantes, na agenda neoliberal, itens (ou produtos) que possam fornecer lucro aos seus idealizadores. Para esclarecer de que forma isso acontece, parti de uma reflexão sobre como os neoliberais transplantaram a visão mercadológica para o contexto educacional e como isso repercutiu negativamente em descaso e abandono para com as escolas e os/as trabalhadores/as desta área. O uso de um léxico adequado também foi importante na inculcação desse pensamento, a exemplo do termo “qualidade”, que passou a designar uma série tanto de pré-requisitos para as escolas serem consideradas boas, quanto de metas a serem alcançadas por elas. A importância da mídia na atualidade e o trabalho que ela desenvolve na legitimação ou refutação dos discursos

sociais foi mencionada, mas será melhor discutida no Cap. 4, seção 4.2. Como parte da caracterização da conjuntura, refletimos sobre o papel do/a professor/a nessas mudanças e suas lutas em defesa de políticas de melhorias para a educação. Chegamos ao contexto de educação no Distrito Federal, espaço no qual se insere o tema desta pesquisa, apresentando quem são esses/as profissionais mobilizados/as em busca das respostas para um acordo firmado entre eles/as e o governo.