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2. Coordenação Pedagógica e identidade docente: sobre a profissionalidade e a autonomia

2.3. Profissionalidade e autonomia docente

A discussão sobre o profissionalismo docente apresenta, segundo Contreras (2002), ambigüidades conflituosas que a própria denominação “profissional” acarreta, pois o termo é usado pelos professores como uma fuga da proletarização, tanto como resistência à perda de qualidade em suas atividades quanto como resistência a perder o prestígio, um status ou uma remuneração que se identifique com a de outros profissionais.

Entretanto, o autor considera que este tipo de reivindicação não assegura o alcance de prestígio ou de reconhecimento social tal como se acredita. Pois a questão refere-se não somente à possibilidade de a ocupação docente transformar-se em profissão, mas “(...) o que as profissões representam socialmente é uma aspiração desejável para o ensino. Ou, mais concretamente, se representam uma forma desejável de autonomia para o trabalho docente” (CONTRERAS, 2002, p.58). A profissionalização, como ideologia, articula-se “à capacidade de impor um conhecimento como exclusivo, despolitizado e tornando tecnocrática a atuação social” (CONTRERAS, 2002, p.61). A discussão sobre a profissionalização refere-se a um argumento corporativista, identificando a autonomia como isolamento, ao mesmo tempo em que pode ser uma exigência para se obter colaboração e obediência dos professores.

No contexto de regulação educacional, Oliveira (2004) considera que a discussão acerca da autonomia e do controle do trabalho é o ponto essencial, pois é nesse contexto que se identifica um sentimento de desprofissionalização, de perda de identidade profissional e de que ensinar, às vezes, não é o mais importante.

Hypólito (1999) também considera que a busca pela profissionalização reflete, por um lado, a busca por autonomia pedagógica e docente e, por outro, a tentativa de controle sobre o trabalho docente. Assim, a autonomia e a profissionalização têm um significado para os

docentes “(...) preso à formação de qualidade, a condições de trabalho que favoreçam um trabalho reflexivo, ao controle sobre os processos de ensinar e aprender e à democratização da organização escolar”. Já sob a óptica conservadora ou neoliberal, a autonomia pode significar a descentralização dos processos pedagógico-administrativos regulados por outras instâncias, isto é, “docentes ‘bem preparados’, que aplicam pacotes pedagógicos, controlam tecnologias e seguem adequadamente o currículo e o livro didático, tudo ‘cientificamente’ definido por técnicos e supervisores altamente qualificados” (HYPÓLITO, 1999, p. 97).

Do ponto de vista do autor, a profissionalização deve ser entendida a partir do respeito à autonomia, resguardando a participação da comunidade e consolidando práticas educativas emancipatórias: “Profissionalismo tem que significar a melhoria do trabalho profissional, mas também a melhoria da qualidade social do ensino” (HYPÓLITO, 1999, p. 98).

Contreras (2002) define autonomia como qualidade educativa do trabalho docente, e não como qualidade profissional, sendo necessário, portanto, concentrar-se mais no aspecto educativo do que no aspecto profissional da atividade docente. Assim, autonomia, responsabilidade e capacitação são características associadas aos valores profissionais, mas que devem ser discutidas na profissão docente, na perspectiva de defesa dos direitos da educação e não somente dos direitos dos professores. Desse modo, a autonomia reivindicada pelos professores, como forma de praticar uma profissão que dignifica o trabalho, pode ser considerada tanto como um direito trabalhista quanto como uma necessidade educativa.

É sob essa óptica que Contreras (2002, p.73) propõe que se evite o uso do termo profissionalismo, o qual remeteria a uma descrição ideológica do status e dos privilégios sociais e trabalhistas. O autor faz a opção pelo termo profissionalidade, com o intuito de “resgatar o que de positivo tem a idéia de profissional no contexto das funções inerentes ao trabalho da docência”. Assim, conceitualmente, profissionalidade refere-se “às qualidades da prática profissional dos professores em função do que requer o trabalho educativo”

(CONTRERAS, 2002, p. 74). A profissionalidade significa, portanto, não somente o desempenho do trabalho de ensinar, mas também expressa valores e pretensões que se deseja alcançar e desenvolver nessa profissão.

O autor apresenta três dimensões da profissionalidade: a obrigação moral, o compromisso com a comunidade e a competência profissional. A primeira dimensão da profissionalidade docente, a obrigação moral, aborda o compromisso do professor, acima das conquistas acadêmicas, com todos os seus alunos em desenvolvimento como pessoas. Ela está relacionada à dimensão emocional presente na relação educativa: o cuidado e a preocupação com o bem-estar dos alunos. Esta consciência moral dos valores educativos do seu trabalho traz ao professor a autonomia como valor profissional.

A segunda dimensão da profissionalidade docente deriva da relação com a comunidade social em que o professor realiza a sua prática profissional. As práticas profissionais constituem-se como práticas compartilhadas e envolvem a comunidade na participação nas decisões sobre o ensino; não se trata de um problema da vida privada do professor ou uma prática isolada.

A terceira dimensão da profissionalidade docente, da qual decorrem as duas anteriores, diz respeito à competência profissional, que combina habilidades, princípios e consciência do sentido e das conseqüências das práticas pedagógicas. Isto implica em um conhecimento que, em parte, é individual, produto das relações sucessivas dos docentes a partir de sua experiência, em parte, compartilhado, por obra dos intercâmbios entre professores e dos processos comuns de socialização, e, em parte, diversificado, produto de diferentes tradições pedagógicas. Refere-se também aos recursos intelectuais que tornam possível a análise e a reflexão sobre a prática profissional realizada. Tal dimensão, portanto, é necessária como elemento básico para a profissionalidade docente.

Nesse sentido, Contreras defende algumas chaves convincentes sobre a autonomia dos professores, em uma concepção dinâmica de permanente construção, na qual o princípio moral e o compromisso social, como dimensão fundamental do trabalho do professor, entrelaçam-se com a identidade profissional e as vinculações sociais. A primeira delas compreende a autonomia dos professores tanto como uma reivindicação trabalhista quanto como uma exigência educativa, ou seja, a relação entre autonomia e profissionalidade é, ao mesmo tempo, tanto uma reivindicação da dignidade humana das condições trabalhistas dos professores quanto uma reivindicação de oportunidade para que a prática de ensino possa se desenvolver de acordo com determinados valores educacionais.

A segunda chave compreende a autonomia como qualidade da relação profissional. A independência de juízo, ou seja, a obrigação individual de cada docente em assumir seus próprios atos profissionais, a partir de suas próprias convicções e solidão, não pode ser descolada da constituição da identidade no contexto das relações. A constituição da autonomia profissional tem como qualidade a relação profissional com as pessoas com as quais se trabalha, tanto em sala de aula como em outros espaços. Não significa o isolamento, mas representa uma busca e um aprendizado contínuos e de compreensão e reconstrução da própria identidade profissional.

A terceira chave compreende a autonomia como distanciamento crítico. Essa posição crítica dos professores é uma necessidade educativa e um compromisso social, como denúncia e resistência à injustiça, à dominação e à marginalização presentes na sociedade e em suas instituições, entre elas a escola, para que o ensino não se limite ao equilíbrio de interesses.

A quarta chave refere-se à autonomia como consciência da parcialidade e de si mesmo. Isto implica a consciência de que compreensões e respostas no sentido educativo são parciais, além da necessidade de se ampliar a sensibilidade para si mesmo e para com os outros. Assim, a autonomia profissional não se reduz apenas à racionalidade, mas tem-se a

aceitação das dimensões afetiva e emocional da vida humana, não só como profissionais, mas também como construção pessoal.

Nessa perspectiva, o autoconhecimento do docente torna-se um fator fundamental no desenvolvimento da autonomia, pois supõe a compreensão e sensibilização da própria posição e disposição pessoal, assim como a maneira de compreender e de se relacionar com o outro:

A autonomia profissional significa, por último, um processo dinâmico de definição e constituição pessoal de quem somos como profissionais, e a consciência e realidade de que esta definição e constituição não pode ser realizada senão no seio da própria realidade profissional, que é o encontro com outras pessoas, seja em nosso compromisso de influir em seu processo de formação pessoal, seja na necessidade de definir ou contrastar com outras pessoas e outros setores o que essa formação deva ser (p.214).