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Profissionalidade e práticas relacionadas à gestão da sala de aula

6 DISCUSSÕES

6.1 PROFISSIONALIDADE

6.1.3 Profissionalidade e práticas relacionadas à gestão da sala de aula

A gestão da sala de aula é algo que preocupa os professores e foi assunto de todas as entrevistas. Essa gestão implica um contrato didático entre os professores e alunos, de modo que ambas partes assumam a responsabilidade de gerir a parte que lhe cabe (FIORENTINI; CASTRO, 2003).

As dificuldades que os professores enfrentam em sala de aula foram tema de uma pesquisa realizada em 2006 com 1.172 professores de todo o Brasil, em todos os

níveis de ensino82. Desse total, 43% apontam a manutenção da disciplina e a motivação

como os principais problemas com os quais os professores lidam na sala de aula. (ZAGURY, 2006).

Para Lino, Macara e Cunha (2011), a relação professor-aluno corresponde ao cerne da docência, e o professor não poderá ser uma pessoa qualquer, há que ser alguém com um saber profissional próprio, com um modo particular de ser e estar.

No entanto, o ser do trabalhador,

(o que o trabalhador é enquanto pessoa e profissional) é inseparável daquilo que ele faz, de seu agir. Nesse espírito, saber como o professor se comporta com os alunos, como ele utiliza sua personalidade, sua autoridade, sua persuasão e seu poder de coerção já é, em si, uma questão ética (TARDIF; LESSARD, 2005, p. 273).

Em nossa pesquisa, na observação em campo, ficou evidenciado o tempo e a energia despendidos pela professora Cristina com a gestão, em uma diversidade de situações, tais como:

 o desenrolar das atividades cotidianas da aula:

82

ZAGURY, Tania. O professor refém: para pais e professores entenderem por que fracassa a educação no Brasil. Rio de Janeiro: Record, 2006.

Ela não para um minuto. Mesmo quando está explicando, observa o que acontece com a turma e a controla. Lógico que não tem como acompanhar todos os detalhes, mas vê que o fulano está fazendo outra coisa, que o sicrano ainda não copiou... (Diário de bordo das pesquisadoras, 2016).

 a organização dos grupos para um trabalho em equipe:

Ela chegou e passou à ação diretamente, organizando os meninos três a três. E ela organiza primeiro os grupos, depois permite que troquem de lugar e montem os grupos como estavam na aula anterior (Diário de bordo das pesquisadoras, 2016).

 a mediação da relação aluno/aluno:

Um aluno para outro do grupo: “larga de ser idiota”. A prof.ª interveio prontamente, dizendo que a sala de aula não é a quadra, ou o jogo de futebol para falar daquele jeito, que na quadra falamos palavrões, mas que na sala de aula é necessário a paciência com o colega. E disse a ele como devia se dirigir ao colega: olha isso não é assim... faça isso.... (o episódio não durou nem um minuto) (Diário de bordo das pesquisadoras, 2016).

 as atribuições de tarefas que sejam equânimes aos alunos:

A prof.ª atribuiu atividades aos alunos: fulano, faz isso... beltrano... aquilo... traz duas mesas e duas cadeiras.... Meninas, amarrem os arranjos nas pilastras. (Ela havia conseguido um rolo de cordão). [...]. As atribuições continuavam... você que é mais alto... (Diário de bordo das pesquisadoras, 2016).

São questões que demandam do docente atitudes para o enfrentamento do contexto educativo e podem influenciar na aprendizagem dos estudantes.

O desinteresse dos alunos foi evidenciado pelos professores, que em seus relatos disseram que, por vezes é preciso adotar sistemas de punição a fim de trazê-los para a aula.

Aí você vem, encara uma sala de aula com alunos que estão mais preocupados em caçar pokemon, em whatsapp, em facebook etc e tal do que na sua aula própriamente dita. E a gente vê que são jovens que precisavam né... [me vejo na pessoa neles] precisava tar estudando pra ter uma melhor condição, porque não são ricos, não são.... (GARCIA, 2016).

(...) tem uma sala que eles têm aula no Laboratório de Computação. Eles ligam o computador e ficam fazendo coisas nada a ver, em vez de prestar atenção em você.... Esses dias eu ameacei... eu falei assim: eu vou dar vistinho de caderno e vou dar ponto no caderno de vocês. Por quê? Porque eles não têm

maturidade para ter o livre-arbítrio. Esse que é o problema, eles não têm maturidade para ter o livre arbítrio, você entendeu? Então aí você fala para mim assim: ... vamos supor os meninos lá... os meninos gostam disso? Os meninos do Ensino Médio gostam disso. Eles falam assim... professor, o senhor vai dar...não é que eu dou ponto... eu falo assim: se você tiver com o caderno completo... eu vou te dar um percentual aqui. Que é aquela participação... eles têm três pontos de participação, que você não pode cobrar de trabalho (LUÍS, 2016).

Em seu depoimento, o professor Luís desvela uma ação que julga não ser a correta, ou a melhor possível, pela postura que adota de justificar, mas indica que sabe que o recurso da punição por vezes é aquele de que dispõe para ser atendido pelos alunos (e ele não está sozinho, a professora Cristina também usa recursos similares ao dele ao gerir suas turmas). A subjetividade captada na narrativa do professor faz parte da metodologia adotada, pois, de acordo com André (1983), é o momento de perceber o que quis dizer, quais mensagens implícitas ou não ele trouxe.

As peculiaridades de cada realidade social na qual está inserida a escola também deve ser considerada pelos professores em sua gestão. O professor Garcia relatou as dificuldades encontradas com os alunos da zona rural: “eu vejo que faltou. Faltou, e quando faltam várias vezes, intermitente, eu já falo com a secretária “por que o fulano está faltando? Você sabe? Tem alguma justificativa? A mãe já deixou atestado? Ligaram pra avisar?.” A professora Maria destacou a necessidade de cobrar deles a disciplina que o mercado de trabalho irá exigir. “Eu mostro para eles que o que eu faço para eles é o que eles vão precisar amanhã dentro de uma empresa: respeito, disciplina, horário, responsabilidade que eles não têm. É regra? Então eles têm que aprender a cumprir na escola.”

Inúmeras são as realidades e as situações que necessitam da intervenção do professor na gestão da sala de aula. Ao apresentar os resultados da pesquisa sobre as dificuldades que os professores enfrentam na sala de aula, Zagury (2006, p. 43) questionou:

Como fazer cumprir o “contrato de trabalho” preconizado por Rogers, numa sala de aula que abriga trinta, quarenta alunos; quarenta quereres diversos, quarenta opiniões geradas por objetivos pessoais e também diversos? Parte dos alunos está realmente interessada em aprender, mas outra boa parte (em especial se forem adolescentes movidos pelo hedonismo, pragmatismo e utilitarismo que hoje dominam a sociedade) quer mesmo é namorar mais,

conversar com os amigos e saber o mínimo possível (com algumas exceções, naturalmente). Todos, porém, julgando ser um direito inalienável ser aprovado, passar de ano, formar-se (afinal “só professor ruim reprova o aluno, não é isso que andam dizendo por aí?”) (destaques da autora).

Quanto à questão ética da gestão em sala de aula, a autora pontua com precisão:

A relação pedagógica tem que se embasar numa hierarquia (não rígida, nem autoritária, mas em uma hierarquia), em que deve estar bem definido para o aluno que o professor é a autoridade. Mesmo que a exerça de forma democrática e participativa, em última análise, o professor tem o direito e o dever de manter em classe as condições que permitam que a aprendizagem ocorra. [...] Enquanto não voltarmos a compreender o ser humano em seus múltiplos aspectos – capaz de assimilar regras, de se auto superar, de entender e ver o outro [...] não conseguiremos melhorar a qualidade e o nível de aprendizagem dos nossos alunos. Há que se estabelecer um mínimo de disciplina e organização nas nossas salas de aula. [...] Caso contrário, (o

professor) estará fugindo ao compromisso básico da carreira que elegeu [...]

(ZAGURY, 2006, p. 71, grifo nosso).

Não é só em relação à indisciplina ou à motivação que o professor deve estar atento na gestão da sala de aula. As dificuldades de aprendizagem, que apesar de estarem relacionadas ao conhecimento de conteúdo e dos estudantes e ao conhecimento de conteúdo e ensino, passam a ser um problema de gestão, na medida em que o professor necessita equalizar a atenção ao aluno com dificuldades de modo a não retardar o processo de aprendizagem dos demais.

A demanda exige cuidados do professor, conforme observação em campo: “A

professora Cristina vai até as carteiras daqueles que a chamam, com educação e respeito. Explica tudo novamente” (Diário de bordo das pesquisadoras, 2016).

As diferenças entre os sistemas de ensino e as propostas dos cursos são cruciais quanto ao lidar com as dificuldades de aprendizagem. O professor Luís, dadas

as características do curso ao qual atende83, consegue acesso aos alunos com

dificuldade em um momento à parte, sem interferir no andamento normal da aula:

Então... no Instituto, os meninos têm aula de segunda a quinta, porque aí, o que aconteceu? Eles montaram uma grade para os meninos terem maior flexibilidade no terceiro. Então na quinta-feira eles não têm todas as aulas e, aí, como eles têm estágio, eles já cursaram quase todas as disciplinas do técnico

83

O professor trabalha com turmas de Ensino Médio em uma instituição da rede federal de ensino. Neste caso, a turma é de período integral, com formação regular e técnica ao mesmo tempo.

no primeiro e no segundo ano. Então, sexta eles não têm aula. [...] esses dias para trás eles estavam com dificuldade em probabilidade, aí eu falei assim: sexta-feira eu vou lá e vou dar uma aula extra para vocês. Fiquei a manhã inteira lá com eles (LUÍS, 2016).

Não é o caso da professora Cristina, que precisa se equilibrar para atender às demandas da progressão parcial que o sistema de ensino, ao qual se vincula, faculta a seus alunos: “Ao chegar na sala, ela pediu que todos se assentassem e que na 2ª feira ou na 3ª feira iriam fazer a prova de progressão e que todos os alunos fariam. Aqueles que não precisavam receberiam “uns pontinhos além” (Diário de bordo das pesquisadoras, 2016).

As relações interpessoais com os alunos, de modo geral, são vistas como positivas pelos professores entrevistados, ainda que por vezes precisem exercer a

autoridade que lhes compete: “Agora tem coisas que você escuta, conversa com o

aluno, presta atenção se não está acontecendo nada e aí fica só entre você e o aluno. E eles têm muita confiança em mim [...] mas tem coisa que você não pode permitir (MARIA, 2016).

A sala de aula, apesar de ser o reduto do professor, não é um recanto isolado, no qual ele reina absoluto. É um todo integrado. O professor não decide sozinho suas condições de trabalho. Por isso, Esteves (2014) disse que a tão propalada autonomia docente nem sempre pode ser exercida.

O equilíbrio entre o que se pode e o que se deve fazer é, de acordo com Nóvoa (1999, p. 103), uma exigência que a educação faz ao professor. Esse é

[...] frequentemente confrontado com a necessidade de protagonizar papéis contraditórios que o obrigam a manter um equilíbrio instável, em vários campos. Assim, encontramo-nos perante a exigência social de que o professor desempenhe um papel de amigo, de companheiro e de apoio ao desenvolvimento do aluno, o que é incompatível com a exigência de integração social, quando esta implica o predomínio das regras do grupo, ou quando a instituição escolar funciona de acordo com certas lógicas sociais, políticas ou econômicas. Trata-se de velhas contradições inscritas na própria essência da tarefa docente, que adquirem actualmente novos contornos (NÓVOA, 1999, p. 103).