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6 DISCUSSÕES

6.2 PROFISSIONALIZAÇÃO

6.2.2 Profissionalização e formação

Segundo Lopes (2005, p. 126), “o processo de formação deve possibilitar ao

professor reconhecer a si próprio como verdadeiro protagonista curricular, capaz de tomar decisões fundamentais para sua prática, em função das necessidades de seus alunos e de seus contextos institucionais.”

Os professores entrevistados inspiraram-se em alguns de seus professores ao construírem suas práticas. A professora Maria, por exemplo, retomou o exemplo de uma professora da Educação Básica: “eu lembrava que ela era muito rígida, mas era muito carismática e se eu gostei dela daquele jeito, por que eles não gostariam de mim assim? Então, aí eu segui esse ritmo do que eu aprendi com ela na época, aí eu sigo”.

Esse pensar e agir não são exclusividade da professora Maria: os professores, dizem Tardif e Raymond (2000, p. 216-217), “são trabalhadores que foram imersos em seu lugar de trabalho durante aproximadamente 16 anos (em torno de 15.000 horas), antes mesmo de começarem a trabalhar.” E essa imersão, ressaltam os autores, reflete nos professores como toda uma bagagem de crenças, certezas e de representações sobre a prática docente.

Os professores não estarão para sempre com seus alunos, porém ao ter seu exemplo seguido por esses, será eternizado, tanto pela busca do conhecimento como por suas atitudes (ARTAVIA, 2001). Isso aconteceu com a professora Cristina, que se inspirou em um professor da Engenharia em seu trabalho:

ele era muito bravo [...] mas na hora em que ele ia para o quadro ele me ensinou, ele me ensinou muito, uma álgebra assim, que ele me ensinou em cálculo...eu amo ... a forma de escrever no quadro, o tracinho no lugar certo, o igual que sai na frente do traço geral de fração. Sou exigente com isso até hoje. O capricho que tem que ter, entendeu? Então assim, [...] ele me deu uma visão do que que era ser um bom professor na lousa, não aquele professor assim... mas era o perfil dele e eu gostava muito dele. Eu aprendia muito com ele explicando várias vezes e os alunos me fazendo perguntas (CRISTINA, 2016).

Já o professor Luís, talvez por ser mais jovem (fez seu curso entre 2003 e 2004) e ter vivenciado situações muito peculiares na graduação (já na docência antes mesmo de terminar o curso e em parceria com os próprios professores) tinha

consciência do que queria para si: “eu queria ter um pouco de cada um deles.” A experiência construída na sala de aula, concomitante à formação inicial foi lhe propiciando condições de perceber os saberes que o professor precisa para ter êxito.

De acordo com o professor Luís, o conhecimento de Matemática era imprescindível: “todos eles têm, tinham conhecimento e domínio de conteúdos distintos dentro daquilo dali.”. No entanto, considerava ele que esse conhecimento, “era necessário, mas não era suficiente, entende?”. Isto é, para ser um bom professor de Matemática, só o conhecimento do conteúdo não é suficiente, conforme apontamos em nosso referencial teórico.

O professor Luís queria ter o conhecimento de uma professora porque ela “motiva...”. Essa professora tinha o que para ele era importantíssimo na situação em que se encontrava: “ela sabia uma coisa que muita gente não sabia, saber onde você está pisando. Essa turma, é melhor essa abordagem, essa turma...conhecer o aluno.” Nesse momento, Luís estava, inconscientemente, percebendo o que Ball, Thames e Phelps (2008) descreveram: conhecimento de conteúdo e de estudantes. É preciso conhecer o conteúdo e saber como o aluno pode aprendê-lo. Além disso, “ela tinha essa visão de saber lidar e solucionar problemas rapidamente. Ela: não interessa, aconteceu um problema? Vamos resolver. Como que a gente resolve isso? Então ela tinha essa visão de gestão, de saber, de gestão de sala de aula, de mediar”.

A presença de pessoas outras, inspiradoras na vida de nossos entrevistados, pode ser compreendida pelo que disse Nóvoa (1999, p. 161) sobre a formação da identidade docente: “na construção da identidade profissional de professor se entrecruzam a dimensão pessoal, a linha de continuidade que resulta daquilo que ele é, com os trajectos partilhados com os outros, nos diversos contextos de que participa.”

Gonçalves e Fiorentini (2005, p.83) acreditam que a prática quando produzida com “certa rigorosidade metódica, torna-se formadora, pois possibilita ao professor aprender com o trabalho docente, uma vez que ao ensinar, ele estabelece outras relações, produzindo outros significados que o fazem rever permanentemente sua prática”.

A professora Cristina relatou sua experiência com o curso de magistério, deixando claro o quanto a formação tem lhe acrescentado profissionalmente. Nesse

curso ela percebeu a importância do conhecimento de conteúdo e dos estudantes proposto por Ball, Thames e Phelps (2008), ou seja, saber como o aluno aprende:

o magisterio está fazendo a minha cabeça. Você não tem noção! E as meninas falam assim: não, mas você sabe tudo. Eu falo: gente, eu não sei nada, no magistério eu não sei nada.. [...] o que podia fazer com os pequenininhos, de que forma que eles entendem. Eu acho que todo mundo deveria, todo professor deveria fazer o magistério, porque eu estou vendo aqui, que mesmo com esse curso que não é tão assim... ele é um curso rápido, você deveria ter uma noção. Eu sinto como que é ensinar para o aluno menor, como é que passa pela cabeça dele o ensinar, o que ele tem que aprender primeiro. Eu acho que é o passo. Como é que é o passo de aprendizagem de um .... como é que é o nosso passo de aprendizagem, como é que ele aprende a aprender. Começa lá... (CRISTINA, 2016)

Nesse mesmo sentido, a professora Maria disse:

eu faço cursos de atualização. Não é reciclagem, é atualização. É diferente, eu falo demais isso. Tem gente que faz curso por fazer, eu não. Eu faço porque eu quero. Porque nada me obriga a fazer curso. Não é ponto, não é avaliação, não é nada disso. Eu faço porque eu quero (MARIA, 2016).

Para Bovo (2011, p. 174):

[...] a prática pedagógica do professor, em especial, de Matemática, é muito complexa à medida que muitos são os fatores que a compõem. Realmente, ela não é apenas constituída pela formação inicial e continuada. As experiências vividas na escola têm papel fundamental. Nesse sentido, a cultura escolar nos traz indícios do porquê de algumas práticas prevalecem em detrimento às outras. Isso porque as condições do trabalho docente são precárias, as relações de poder estão emaranhadas à cultura escolar e há um demasiado controle sobre o currículo.

Estar atualizado com as discussões afeitas à educação é uma forma de formação continuada. O professor Luís ressaltou as discussões acerca da Base Nacional Curricular Comum: “essa discussão toda, inclusive a gente recebe lá... [...] Eu andei recebendo informes: olha está acontecendo isso, estão querendo tirar isso, estão mudando isso... eu até andei acompanhando alguma coisa”.