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4.2 Planejamento e Programação em Saúde

4.2.1 Programação em Saúde e a Definição de Parâmetros Assistenciais

Ao revisar a produção e os conceitos sobre programação em saúde Schraiber et

al (2014)64 apresenta três formas possíveis de compreensão no cenário nacional, como

um programa de saúde, como um modelo assistencial ou como um momento do planejamento.

Como programa entende-se um conjunto de atividades e intervenções pré- definidas e interdependentes, com sequência cronológica e que organizam a atenção à saúde individual ou para a população. Este é o caso dos diversos programas existentes no nível nacional e que se estruturaram com foco em patologias (tuberculose, hanseníase, AIDS, etc) ou populações (idoso, criança, mulher, etc), entre outros.

Os serviços de saúde podem atuar incorporando um ou mais programas de modo isolado ou estruturar toda sua lógica de funcionamento e a oferta assistencial de forma articulada por programas. Neste último caso a programação em saúde se constitui como um modelo de atenção, que define uma oferta organizada de assistência, a composição de profissionais, o processo de cuidado e os saberes técnico-científicos envolvidos. Uma experiência de programação em saúde como modelo de atenção ocorreu em São Paulo, principalmente no nível da atenção básica para articulação das intervenções das redes de assistência médica e da rede sanitária65. Esta experiência é citada tanto nas propostas de

modelo de atenção com entre as correntes de planejamento em saúde no Brasil, com a denominação de Ações Programáticas em Saúde38-40.

Outra forma de entendimento da programação em saúde é como momento e parte das funções do planejamento em saúde, o qual deve traduzir as políticas públicas enunciadas nas leis, normas e modelos assistenciais em propostas de organização, distribuição territorial e quantificação dos procedimentos e serviços de saúde necessários para o atendimento das demandas de saúde da população.

Assim, o planejamento atua como uma conexão entre as políticas de saúde e o conjunto de serviços que produzem a atenção à saúde, e a etapa de programação visa delimitar quantidade de procedimentos ou serviços (hospitalares, unidades básicas,

centros diagnósticos, etc) necessários para cobertura populacional pretendida e a forma de organização e funcionamento64;66.

No caso deste estudo é esta última forma de compreensão da programação em saúde, como uma etapa de planejamento e definição das necessidades de cobertura e organização assistencial que será adotada. Assim, foram levantados os documentos oficiais que tratam da definição de parâmetros assistenciais no âmbito do SUS, para compreensão do seu processo de elaboração, instrumentos utilizados e como evoluíram suas proposições.

O Ministério da Saúde define parâmetros de cobertura assistencial como as referências e recomendações técnicas que orientam os gestores do SUS nos três níveis de governo no planejamento, programação e priorização das ações de saúde a serem desenvolvidas, buscando uma melhor utilização dos recursos e universalidade do atendimento.

O primeiro registro de introdução oficial de parâmetros para programação em saúde foi com a edição da Portaria 3.046 em 1982, pelo Instituto Nacional de Assistência Médica da Previdência Social (INAMPS) no período das Ações Integradas de Saúde. Esta estabelecia dois tipos de parâmetros: parâmetros de cobertura como consultas médicas, exames, internações voltadas para os beneficiários da previdência social; e parâmetros de produtividade como, por exemplo, número de consultas/médico/hora e internações leito/ano para estimar a capacidade de produção dos serviços contratados67.

Ao buscar instituir uma nova lógica de definição de parâmetros assistenciais o MS faz uma crítica a esta primeira inciativa, por esta ter um caráter restritivo e racionalizador do uso dos recursos e um aspecto normativo, o que marcou a prática de programação dos recursos para a assistência à saúde nas décadas seguintes7;25.

No ano de 2002, após duas décadas da primeira portaria sem alterações e diante das mudanças que ocorreram na organização da rede de saúde e das necessidades da população, foi lançada a portaria GM 1101 com a revisão destes parâmetros24.

No entanto, esses parâmetros ainda assumiam um caráter muito genérico e necessitavam de maior desagregação para que possibilitassem avanços na programação, subsidiando a pactuação do sistema de saúde e o estabelecimento de contratos de gestão. Seguiam também um caráter normativo, baseado nas restrições financeiras e em séries históricas da oferta de serviços, e menos nas necessidade da população7;25.

No documento revisado e publicado em 2015 já constam esforços para mudar esta lógica de definição dos parâmetros assistenciais, incluindo em sua metodologia o

levantamento das evidências científicas, na eficácia das tecnologias adotadas e na definição de estimativas de oferta baseadas nas necessidades da população brasileira7.

Os pressupostos que orientaram os estudos para a proposição dos parâmetros de planejamento e programação em saúde desta nova portaria foram: redução das desigualdades do acesso e a busca por um perfil de oferta mais harmônico, reorientação da lógica de definição dos parâmetros para as necessidades de saúde da população e regionalização da atenção especializada.

Neste documento constam os referencias quantitativos indicativos utilizados para dimensionar as necessidades de ações e serviços de saúde, as normas, critérios e parâmetros vigentes nas Políticas Nacionais e os critérios de habilitação e credenciamento dos serviços que possuem um caráter normativo.

Estes foram agregados por áreas temáticas, mas cada uma possui uma formatação e estrutura diferente, o que parece resultado mais de um compilado de normativas elaboradas de forma isolada e sem uma análise mais sistêmica dos seus eixos, capítulos e níveis de atenção.

De um modo geral, no que tange à atenção básica observam-se avanços mais significativos na definição de equipe e profissionais necessários para cobertura de regiões de saúde baseada em população, através das estratégias de saúde da família e agentes comunitários de saúde.

Mas os parâmetros de programação de média e alta complexidade já estabelecidos pelas portarias não são suficientemente detalhados para permitir o dimensionamento da oferta, custo e organização do cuidado. Para além disso, apontam ainda para uma reduzida articulação entre as demandas decorrentes da programação da atenção básica e de alta e média complexidade.

Este se torna um desafio adicional no caso da atenção especializada e hospitalar porque a maior parte dos municípios brasileiros conta apenas com a cobertura de serviços básicos, sendo a oferta hospitalar disponibilizada a nível regional/estadual, o que leva à necessidade de coordenação entre estes sistemas municipais e o ente estadual.

A orientação é que o planejamento das estruturas sanitárias, do fluxo de usuários, das metas de atendimento e os recursos necessários sejam objeto de um planejamento regional integrado. Seria neste espaço, do planejamento regional, que os critérios seriam complementados com outros parâmetros de qualidade, segurança, e as estruturas de apoio e logísticas para configuração das redes de atenção.

No caso da saúde da criança e do adolescente, as tendências observadas nas últimas décadas evidenciam a redução na incidência de doenças agudas graves e o crescimento e concentração da morbidade e mortalidade por condições crônicas14;15.

Nos últimos 50 anos, o desenvolvimento de novas vacinas, antibióticos mais efetivos e outros medicamentos, os avanços da terapia intensiva neonatal e pediátrica, assim como os da cirurgia pediátrica, ao mesmo tempo que melhoraram a sobrevida desse grupo deixaram efeitos que acabaram por determinar outras necessidades de estrutura, perfil e organização dos serviços de atenção à saúde de crianças e adolescentes15.

A estrutura, os conceitos e a lógica de organização dos serviços ambulatoriais e hospitalares, atualmente disponíveis, ainda respondem a esse perfil de adoecimento que vem se configurando como cada vez menos prevalente4;11.

O reconhecimento, a documentação e a disponibilidade de informações que subsidiem a definição e implementação de políticas de saúde adequadas para esses grupos ainda são escassos e os parâmetros de programação para atenção de média e alta complexidade nestes casos (incluído oferta hospitalar) são pouco expressivas no âmbito nacional29;31.

Outro movimento recente que contribui para qualificar este processo é a disponibilização de evidências científicas que apoiam a tomada de decisão, a partir da elaboração de diretrizes clínicas. A Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no SUS (CONITEC) foi criada em 2011 e sua responsabilidade é assessorar o MS na incorporação, exclusão ou alteração pelo SUS de novas tecnologias em saúde, dentre elas os protocolos clínicos e diretrizes terapêuticas68;69.

Entre os documentos definidos para estruturação das evidências encontram-se: os Protocolos Clínicos e Diretrizes Terapêuticas (PCDT) que estabelecem critérios para o diagnóstico da doença ou do agravo à saúde, o tratamento preconizado, as posologias recomendadas, os mecanismos de controle clínico, o acompanhamento e a verificação dos resultados terapêuticos; as Diretrizes Diagnósticas e Terapêuticas (DDT) exclusivas para nortear as melhores condutas na área de Oncologia; os Protocolos de Uso que estabelecem critérios, parâmetros e padrões para a utilização de uma tecnologia específica em determinada doença ou condição de saúde; e as Diretrizes Nacionais com o objetivo de nortear as melhores práticas a serem seguidas por profissionais de saúde e gestores, sejam eles do setor público ou privado da saúde.

Além destes documentos a CONITEC aponta também as linhas de cuidado como os balizadores para a organização do sistema de saúde, visando garantir um cuidado

integrado e continuado, a partir da identificação de parâmetros para programação e das necessidades de saúde dos usuários. No entanto, os documentos disponíveis no site da CONITEC não possuem um formato que contemple ou orientem sobre a forma de sistematização destes parâmetros, o que deveria ser uma das funções administrativas dos protocolos e diretrizes clínicas, como apontado na proposta de organização das redes de atenção.

A lista de protocolos e diretrizes clínicas aprovadas contêm desde macroproblemas de saúde até patologias bem específicas, sendo que não há uma explicação quanto ao motivo da seleção ou priorização destes agravos para elaboração das orientações, tais como gravidade, risco ou relevância epidemiológica. Ademais, a metodologia de elaboração do documento que agrega as diretrizes e parâmetros de cobertura para as ações de saúde também não esclarece a correlação destes com as diretrizes e protocolos clínicos ou linhas de cuidado aprovadas e incorporadas até o momento no âmbito do SUS.

O que aponta para necessidade de qualificação e integração destes processos - elaboração de diretrizes clínicas e parâmetros assistenciais - para uma melhor programação da oferta e serviços de saúde no âmbito das redes de atenção à saúde e estruturação das linhas de cuidado.