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Proposta de Planejamento e Organização da Atenção às Malformações Congênitas no Estado do Rio De Janeiro

INTRODUÇÃO

Problemas na configuração das regiões de saúde, na estruturação de redes cooperativas e na articulação entre entes federativos são entraves para o alcance de uma cobertura universal, equânime e sobretudo para garantia a integralidade no cuidado e para organização dos serviços de saúde1,2.

A orientação é que a definição das estruturas sanitárias, fluxo de usuários, metas de atendimento e alocação dos recursos sejam objeto de um planejamento regional integrado. E que este contemple além de parâmetros de cobertura também requisitos de qualidade, segurança, acesso, integração e economia de escala para configuração das redes de atenção à saúde (RAS)3,4. No entanto, análises sobre o processo de

regionalização e integração da atenção apontam que no cenário nacional ainda prevalecem decisões mais orientadas pela lógica do financiamento e dos interesses políticos5.

Desta forma, o alcance de resultados na estruturação das redes de atenção depende também de mudanças nos processo de planejamento e organização dos serviços de saúde6. Para isso, é importante identificar novas ferramentas e modos de realizar um

planejamento articulado com critérios clínico/assistenciais de qualidade e segurança, que promova a integração dos serviços de saúde, a otimização dos recursos e subsidiem os processos de tomada de decisão7.

As malformações congênitas (MC) são a segunda principal causa de mortalidade neonatal no Brasil e no mundo, sendo que a garantia de qualidade na atenção e obtenção de melhores resultados para este grupo passa diretamente pela identificação, organização e articulação de serviços especializados numa perspectiva regional8–10.

O foco deste trabalho são as malformações congênitas de abordagem cirúrgica imediata que tem em comum o fato de serem compatíveis com a vida, mas trazem consequências clínicas graves para o neonato e se classificam como emergência cirúrgica, representando a segunda principal causa de morbimortalidade neonatal precoce11.

Para organização da atenção a estas malformações um conjunto de requisitos estratégicos precisam ser considerados, destacando-se: planejamento do parto em unidades com infraestrutura para prestar os cuidados intensivos neonatais e cirúrgicos,

atendimento cirúrgico e intensivo neonatais que impactem positivamente nos indicadores de qualidade; equipe multiprofissional com experiência no manejo de casos neonatais cirúrgicos com malformação congênita.

No entanto, diagnóstico da situação do Estado do Rio de Janeiro (RJ) apontou que apesar de existir uma concentração deste casos, na Região de Saúde Metropolitana 1 e no município do Rio de Janeiro, tanto por local de nascimento quanto de residência da mãe, existe uma grande dispersão dos nascimentos nas unidades de saúde.

Este estudo ao analisar a quantidade de estabelecimentos que registraram o nascimento de malformações congênitas no Sistema Nacional de Nascidos Vivos (SINASC), no período de 2014 – 2018, encontrou um total de 141 estabelecimentos, sendo que 75% destes registraram menos de um nascimento/ano. A pesquisa do perfil assistencial destas unidades a partir do Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde (CNES) demonstrou que em torno de 60% das unidades não apresentavam recursos fundamentais para realizar o cuidado intensivo neonatal cirúrgico.

Este cenário aponta uma lacuna importante na organização do cuidado para estas malformações congênitas e a necessidade de um estudo sobre o perfil assistencial para identificação de unidades de referência e desenho de uma linha de cuidado .

O objetivo deste artigo é apresentar o resultado do processo de elaboração de uma proposta de organização dos serviços hospitalares para o cuidado às malformações congênitas, articulando elementos da clínica, epidemiologia e do planejamento/gestão de redes de atenção à saúde.

Desta forma, pretende-se contribuir para organização da atenção às malformações congênitas e também apresentar elementos e estratégias utilizadas neste estudo que podem contribuir para nos processos de planejamento e organização de serviços para outras condições ou problemas de saúde.

METODOLOGIA

Trata-se de um estudo exploratório, no campo do planejamento e organização de serviços de saúde, que compõe um projeto denominado “Planejamento e Programação no âmbito das Redes de Atenção à Saúde: organização da atenção às malformações congênitas”. O projeto incluiu quatro momentos: análise estratégica das malformações congênitas; elaboração de requisitos para organização dos serviços de saúde e a análise situacional da rede no Estado do RJ. Neste artigo são apresentados os resultados da última

etapa que é a análise do perfil assistencial para identificação de serviços de referência no Estado do RJ.

O trabalho utilizou como estratégias metodológicas a pesquisa documental e bibliográfica, a técnica de Grupo Nominal (GN), para realização de encontros com especialistas e gestores e a consulta às bases de dados do SINASC e do CNES.

A técnica de Grupo Nominal é indicada para trabalho com pequenos grupos nos casos em que se busca o consenso entre especialistas. Esta técnica inclui encontros que partem da contextualização de um problema e questões a serem respondidas e debatidas pelo grupo na busca de um conjunto de soluções ou recomendações sobre o tema.

Foram definidos como participantes especialistas da unidade de referência que concentra o maior número de nascimento de casos de malformação congênita do Estado do RJ e gestores da área materno-infantil12. Os especialistas compuseram um grupo

denominado GN Especialistas que incluiu um representante de cada área envolvida no cuidado às malformações congênitas: obstetrícia, medicina fetal, neonatologia, cirurgia pediátrica, neurocirurgia e genética clínica. O segundo grupo denominado GN Ampliado foi composto pelos especialistas citados acima e os representantes da área de gestão materno-infantil, sendo um da unidade de referência, um da Secretaria Municipal de Saúde do RJ e outro da Secretaria Estadual de Saúde do RJ.

Os participantes do GN forma acionados em diferentes momentos do trabalho para consulta, análise das informações consolidada pela pesquisadora e construção da proposta de organização dos centros de referência.

Para orientar as discussões com o GN e o desenho das etapas de trabalho foram estruturadas as seguintes questões:

Ø Quantos centros de atenção são necessários para o Estado do RJ?

Ø Quais as unidades que atualmente atendem ou poderiam atender casos de malformações congênitas no Estado do RJ?

Ø Qual o perfil assistencial hospitalar mais adequado para o cuidado deste grupo? Ø Quais as unidades de saúde com capacidade potencial para se tornarem serviços

de referência?

As informações provenientes da revisão da literatura e da análise das bases de dados subsidiaram a construção e síntese de elementos norteadores, pela pesquisadora principal, e que foram apresentados ao GN conforme descrito abaixo.

Etapa 1 – Estimativa de casos e definição do volume mínimos de procedimentos cirúrgicos/ano por unidade saúde.

Para subsidiar a discussão da primeira pergunta, referente à definição do número de centros de referência necessários, foram utilizadas informações sobre a frequência de casos de malformações congênitas no Estado do RJ e o estabelecimento de um parâmetro de volume de procedimentos cirúrgicos mínimo que precisam ser concentrados, por ponto de atenção, para qualificação do cuidado.

A estimativa de casos de malformações congênitas no Estado do RJ foi feita a partir do levantamento da frequência de nascimentos registrados na base de dados do SINASC no período de 2014 à 2018; e dos dados divulgados no Relatório do Estudo Colaborativo Latino-Americano de Malformações Congênitas (ECLAMC) referentes à frequência de malformação congênitas no Brasil13. O ECLAMC é um programa de

pesquisa clínica e epidemiológica das anomalias do desenvolvimento e esta integrado por uma rede de hospitais em países latino-americanos que voluntariamente realiza o registro dos nascimentos com malformações congênitas14.

Estudos sobre as fontes de informações de nascimentos com malformações congênitas no Brasil apontam que existem algumas desafios a serem superados para qualificação dos dados, como a subnotificação no caso do preenchimento do campo da declaração de nascido-vivo (SINASC) e a reduzida cobertura do ECLAMC, que trabalha apenas com informações de base hospitalar15–17. No entanto, ainda que considerando as

possíveis limitações, estas são as duas principais fontes de informação sobre a frequência de casos de malformação congênita no cenário nacional e foram utilizadas neste trabalho como ponto de partida para a construção de cenários17.

Para o desenvolvimento do trabalho foram consideradas as patologias de maior magnitude no grupo de malformações congênitas de abordagem cirúrgica imediata e agrupadas em dois segmentos assistenciais: o segmento assistencial cirúrgico

pediátrico, composto pelas malformações osteomusculares da parede abdominal

(gastrosquise e onfalocele)18 e torácica (hérnia diafragmática congênita)19; e o segmento

assistencial neurocirúrgico pediátrico, representado pela principal malformação do sistema nervoso central, a espinha bífida18-20.

Para o levantamento dos nascimentos no SINASC foram utilizados os seguintes códigos: Q05 – Espinha Bífida (segmento neurocirúrgico); Q79.0 – Hérnia Diafragmática Congênita; Q79.2 – Onfalocele; e Q79.3 – Gastrosquise (segmento cirúrgico pediátrico)

presentes no capítulo XVII - Malformações congênitas, deformidades e anomalias cromossômicas da Classificação Internacional de Doenças (CID-10).

O volume de procedimentos cirúrgico mínimo que uma unidade de saúde deveria concentrar para garantir qualidade e segurança foi definido a partir da revisão da literatura e consulta ao GN Especialistas.