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CAPÍTULO 4 – A UNIVERSIDADE E EMERGÊNCIAS

4.1 Projetos orientadores da formação na Universidade

4.1.1 Projeto da Modernidade e formação do Homo “modernus”

Para melhor elucidar a materialização do projeto de modernidade no âmbito da formação na universidade toma-se como referência a realidade vivenciada no âmbito das Ciências Agrárias.

Como em todos os setores da sociedade, a reflexão sobre a produção agrícola do século XX também foi permeada pelo ideário da modernidade. Diversos foram os “avanços” proporcionados pela experimentação que, paulatinamente, inseria nos espaços rurais os resultados de seus estudos que aportavam uma nova forma de produção agrícola, envolvendo especialização funcional e balizamento das práticas produtivas pelos resultados das pesquisas científicas pelo uso de sementes melhoradas, fertilizantes químicos, agrotóxicos, mecanização, etc. Estas inovações representavam de uma só vez, a oportunidade de alterar a dinâmica dos espaços rurais, que até este momento não acompanhavam os avanços vivenciados nos espaços urbanos e, reforçar nos processos de produção agrícola a lógica capitalista moderna. Assim, esta “revolução” representava, de certa forma, a materialização da utopia moderna para a agricultura, a qual contava já no principio do século XX, com diversos “pacotes”, possibilitadores da modernidade no campo prometendo, simultaneamente, combater de forma eficaz os problemas seculares da fome em todo o planeta.

Neste contexto e sob a denominação de “revolução verde”, aplicou-se nos países do hemisfério sul de forma sistemática seus preceitos, que consistiam na implantação de pacotes tecnológicos, os quais geralmente eram compostos, no caso da agricultura, em utilizar corretivos e fertilizantes para o solo, sementes melhoradas e agrotóxicos para as plantas e, máquinas para os homens. No entanto, para que

estas inovações fossem adotadas pelo agricultor, fez-se uso das agências de

extensão rural e, por sua vez, dos agentes de mudança ou extensionistas45. Deste

modo, compreendendo a dinâmica dos processos de inovação a partir de referencial teórico difusionista, contando com o aparato tecnológico e apoiado sobre as bases de sistemas estatais desenhados estrategicamente para esta intervenção, fez-se a “revolução verde”, a qual participa do amplo processo de modernização da agricultura46.

Neste contexto, esperava-se da universidade que formasse os técnicos e gerasse inovações que propiciassem incrementar os pacotes tecnológicos em desenvolvimento e pudessem reformular os ideais tidos como atrasados dos agricultores, para que estes aceitassem e compreendessem os novos modelos de produção agrícola que se instauravam. De modo geral, diríamos que a ciência possuía a verdade que deveria ser difundida para a sociedade, de cima para baixo.

A ação extensionista, parte importante na estratégia de promoção da mudança, estava incumbida à missão de reformar os ideais atrasados dos agricultores e levar o conhecimento tecnológico julgado relevante e o crédito, para possibilitar o incremento da produção e a tecnificação necessária para tal. O extensionista era o responsável pela educação, capacitação técnica, acesso creditício, organização, entre outras atividades, e os agricultores eram passivos, submetidos à ação extensionista para receber as numerosas inovações que estavam sendo difundidas na forma de pacotes tecnológicos que surgiam de fora, para dentro de suas vidas. Esta forma de atuar poderia ser categorizada como ação extensionista convencional. O profissional da extensão era submetido à formação técnica na Universidade e posterior treinamento das agências de extensão que iria

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Todo este processo foi mapeado e reelaborado através dos princípios colocados em evidência no clássico livro de Everett Rogers chamado Diffusion of Inovations (2003), caracterizando e denominando a mais influente das utopias já incorporada na produção agrícola, a utopia difusionista. Neste livro, o autor revela, como uma receita, a leitura das bases de formação da entrada de inovações em espaços rurais, onde este visualiza a presença dos inovadores, os quais se permitem testar novas técnicas e modelos de produção, ao mesmo tempo, refere-se à existência de líderes de opiniões que “naturalmente” são responsáveis por passar ou repassar as informações para os demais produtores.

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Esse processo representa na verdade a subordinação da Natureza ao capital que, gradativamente, liberta o processo de produção agropecuária das condições naturais dadas, passando a fabricá-las sempre que se fizerem necessárias. Assim, se falta chuva, irriga-se; se não houver solos suficientemente férteis, aduba-se; se ocorrerem pragas e doenças, responde-se com defensivos químicos ou biológicos; e se houver ameaças de inundações, estarão previstas formas de drenagem (GRAZIANO DA SILVA, 1996, p.3).

torná-lo “apto” para tal, tornando-se parte do modelo que era, por ele mesmo, conscientemente e inconscientemente preconizado.

Entretanto, mais do que um conjunto de técnicas, o difusionismo trazia em si uma utopia de desenvolvimento, pensando que a entrada de inovações na sociedade solucionaria os problemas sofridos até então, acreditando no poder da ciência moderna em romper com barreiras que mantinham a sociedade arraigada nas crenças tradicionais. Por meio de unidades demonstrativas, técnicos bem treinados, pacotes tecnológicos, subsídios creditícios, etc., convenciam os diversos setores da sociedade a inserir-se na rede moderna de desenvolvimento do capital, a qual acabou por alterar, praticamente, todos os processos de convívio social.

Não há como negar o otimismo gerado por estas inovações, principalmente em espaços rurais. O agricultor diminuía as distâncias entre o rural e o urbano, que sob um processo de industrialização anterior desfrutava das facilidades trazidas pela modernidade. Contudo, com a recessão econômica mundial da década de 1980, a bancarrota dos governos militares e o conseqüente fim do crédito subsidiado, evidenciaram-se as dependências a que os produtores rurais haviam se submetido, entre elas poderíamos citar: a tecnológica, a creditícia, a política e a alimentar; além dos prejuízos que estavam sendo diluídos para todo o planeta, como a degradação ambiental e a perda da biodiversidade, etc. Neste sentido, o interrompido debate acerca destes problemas que já se visualizavam anteriormente, mas devido à ditadura militar não eram levados a tona, foram reconsiderados, proporcionando a abertura para estimular outra vertente ideológica: a utopia crítica.