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CAPÍTULO 4 - ESTUDO DE CASO: Parque Gas Works

4.1. Parque Gas Works, Seattle (EUA)

4.1.2 Projeto – o plano piloto de Haag

Em 1971, o escritório Richard Haag and Associates foi oficialmente contratado pelo Seattle Park Board para desenvolver um plano piloto (Figura 24) para o novo parque. Inspirado pela história local e por seus artefatos industriais,

43 Texto original: “The City Planning Commission set about rezoning the shorelands of Lake Union from primarily industrial/commercial to residential and recreational use classifications. Their aim was to ‘transform Lake Union from an eyesore to an eye-catcher’, asserting that many waterfront landscapes should become publicly accessible for their scenic and recreational utility. At this time, public access to the shores of Lake Union had all but vanished, and an initial park development on the gas works site would yield 415.14m (1362ft) of new publicly accessible lake frontage. This marked a turning point in the City’s attitudes to its waterfronts, and understanding of the benefits of access to such landscapes for human wellbeing.” (SATHERLEY, 2016, p. 113-114).

Richard Haag44 propôs um desenho inovador que manteria muito das estruturas existentes do parque (MACKAY, 2016).

Figura 24 – Plano piloto do Gas Works Park, desenvolvido e apresentado por Richard Haag and Associates em 1971. Fonte: MACKAY, 2016.

Embora ex-funcionários da Seattle Gas Light Company e cidadãos tenham expressado que preferiam que o que restou da planta industrial fosse removido (Figura 25), os projetistas seguiram com o plano de manter alguns dos elementos do aparato industrial e limpar o terreno poluído por anos de produção industrial, que deixaram solo, águas subterrâneas e sedimentos próximos à costa embebidos em manchas de óleo e alcatrão (WAY, 2013; MACKAY, 2016).

44 Richard Haag (1923-2018) foi um arquiteto paisagista, professor, designer e ativista norte-americano. Participou, em 1958, juntou ao Departamento de Arquitetura da University of Washington (UW), em Seattle, do desenvolvimento e implementação do programa do curso de Arquitetura Paisagística, para o qual também lecionou. Seu envolvimento com cientistas em suas experimentações com remediação e recuperação de paisagens inaugurou um novo olhar no campo investigativo acerca da reutilização adaptativa de locais pós-industriais (WAY, 2013).

Figura 25 – Foto da Seattle Gas Light Company, em 1966, já desativada.

Fonte: Dorpat; Sherard, 2015.

Satherley (2016) observa em sua tese que, a partir dos anos de 1970, a função dos parques começa a ser compreendida de modo diferente: o que antes era visto como um local de contemplação passiva e fuga da vida nas cidades, passa a ser compreendido como um local que favoreça o lazer ativo e grandes encontros sociais. Esta mudança de comportamento se articulou a uma demanda por novos espaços em Seattle, cujos parques existentes já haviam atingido saturação de uso, com apenas dois atendendo à nova demanda por recreação pública ativa (SATHERLEY, 2016). Segundo a autora, Haag percebeu que a antiga planta de gás, com sua localização central e herança industrial, ofereceriam a Seattle a oportunidade de proporcionar à população esse novo tipo de parque. A respeito da visão projetual de Haag, Mackay (2016) comenta que:

Para tornar sua visão uma realidade, Haag precisava que o público adotasse o que ele chamou de ‘novo olhar para o velho’. Seu pensamento era que, se ele pudesse fazer com que a cidade e o público vissem o potencial de criação de um tipo totalmente novo de parque, então talvez eles entendessem a importância de reaproveitar suas estruturas existentes,

permitindo a Haag projetar o parque em confluência com o passado do local.

Embora eventualmente vencida em 1974, quando a construção do Parque começou, a batalha pelo Gas Works foi complexa e continua a envolver conflitos [...] (MACKAY, 2016, p. 40, tradução nossa).45

Figura 26 – Situação do Gas Works Park, em 1971, antes do início das intervenções de Haag.

Fonte: Diltz, 2015.

Embora os agentes públicos e a população de Seattle inicialmente exigissem que as estruturas da planta industrial fossem retiradas para que um parque de desenho mais tradicional pudesse ser criado no local, Haag acabou por convencer a comunidade a reter elementos do aparato industrial (Figura 26). Contudo, este processo não foi exatamente participativo, já que Haag acreditava que o papel primordial de desenho era do arquiteto paisagista. Os diálogos do arquiteto com a população se davam predominantemente no sentido de persuadir indivíduos e grupos preocupados de que seu projeto atenderia ao objetivo comum de um belo parque público (WAY, 2013). Segundo Way (2013):

Ele não projetou em resposta à comunidade, mas sim os convenceu do poder de seu projeto. E este projeto foi baseado na crença de que a preservação das estruturas industriais enferrujadas seria um trunfo, uma

45Texto original: “In order to make his vision a reality, Haag needed the public to adopt what he termed ‘new eyes for old’. His thinking was, if he could get the city and the public to see the potential of creating a totally new kind of park, then perhaps they could understand the importance of reusing its existing structures, allowing Haag to design the park in confluence with its past. Although eventually won in 1974, when park construction began, the battle for Gas Works Park was hard fought and continues to embroil occasional conflict […]” (MACKAY, 2016, p. 40).

contribuição artística para Seattle, e serviria para moldar um novo tipo de parque público urbano. (WAY, 2013, p. 11, tradução nossa).46

Durante o período de concepção do plano piloto, Richard Haag montou um escritório em uma das ferrarias abandonadas da antiga indústria, o que o possibilitou formar conexões com diferentes grupos comunitários, desde residentes de barcos flutuantes, grupos escolares e entusiastas de pipas a líderes empresariais de Seattle. Perguntando a cada grupo o que eles imaginavam que o parque poderia oferecer à comunidade, o arquiteto ouviu ideias acerca de programas e atividades que diferentes grupos consideravam importante para incluir no plano do novo parque (WAY, 2013).

Segundo Way (2013), algumas dessas sugestões foram de fato incorporadas ao projeto, mas Haag fazia sempre questão de demonstrar como as ideias de equipamentos trazidas pela população — museus, playgrounds e outros

— poderiam ser integradas aos artefatos industriais que já faziam parte do local.

Segundo a autora, Haag sempre lembrava a seu público que estas estruturas foram responsáveis por grande parte do crescimento bem-sucedido de Seattle na primeira metade do século vinte, e que preservá-las significaria reconhecer essa história e permitir que fizessem parte da memória local. Com o tempo, muitos membros da comunidade começaram a ter uma percepção mais ampla deste potencial e aceitaram adotar a visão de Haag para o parque.

De acordo com Way (2013), a topografia da cidade de Seattle é constituída, principalmente, por colinas e vales. A autora explicita que, enquanto esta configuração oferece vistas icônicas das montanhas e dos corpos d’água, o terreno montanhoso é propenso a deslizamentos de terra e dificulta a construção de sistemas de transporte.

Utilizando a topografia da cidade como ponto de partida, Haag remodelou o terreno do Gas Works, criando colinas e planícies que se assemelhassem a uma Seattle em miniatura (WAY, 2013). O paisagista considerou as estruturas industriais selecionadas pela equipe – e reposicionadas no terreno do parque – como

46 Texto original: “He did not design in response to the community, but rather he convinced them of the power of his design. And this design was based in the belief that the retention of the rusted industrial structures would be an asset, an artistic contribution to Seattle, and would serve to shape a new kind of urban public park.” (WAY, 2013, p.11).

esculturas prontas, que serviriam para enquadrar vistas dentro da paisagem, além de oferecer apoio a usos recreativos ativos (SATHERLEY, 2016). De acordo com Satherley (2016), avaliações de toxicidade e segurança determinaram muitas das escolhas feitas em relação ao uso da terra e, em particular, da demolição total, parcial ou da preservação das construções. Ao final destas, apenas 5% da estrutura fabril original permaneceu no parque.

Segundo Satherley (2016), Haag queria abrir uma parte do parque logo após o início das obras, no verão de 1971, com o objetivo de proporcionas às pessoas a oportunidade de interagir com a paisagem que estava sendo construída. A autora comenta que o plano piloto propunha uma série de diretrizes para usos no curto prazo, de forma a facilitar shows, jogos e piqueniques, enquanto a demolição e a limpeza da infraestrutura fabril estavam em andamento. Este objetivo de uso ativo durante a construção não foi contemplado até 1973, quando um terreno gramado de meio acre (cerca de 2 hectares), incluindo o recém semeado Great Mound, foi aberto para permitir o acesso público à orla.

Em 1974, foi aprovada uma mudança no National Environmental Policy Act (NEPA), que exigiu que fosse realizada uma declaração de impacto ambiental das intervenções realizadas no Gas Works – que foi apresentada e aprovada no mesmo ano. Em 1975, a seção nordeste foi inaugurada, seguida pelo estacionamento e banheiros em 1976. Em 1977, a cidade anunciou que não teria fundos para desenvolver o restaurante flutuante e o museu marítimo proposto no plano piloto, e que uma área de recreação infantil ao ar livre, um calçadão à beira-mar e a limpeza e cercamento das torres seriam os estágios finais do desenvolvimento do parque.

O Gas Works foi totalmente aberto ao público no início de 1978 (SATHERLEY, 2016).