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CAPÍTULO 2 Vivência, Projeto de Vida e Sentido: ponte entre teorias e cotidianos

2.3. Projeto de Vida

Vigotski (2007) considera o homem um ser social, entendendo que as condições socioculturais o transformam profundamente, provocando assim seu desenvolvimento. Ao considerar a juventude uma categoria histórica e constituída socialmente, assume-se que seu desenvolvimento também é perpassado pelas questões sociais, assim como sua trajetória de vida e seus projetos de vida.

Assim, faz-se necessário que no seu cotidiano sejam estabelecidas tarefas, para que com isso suas reações se equilibrem com o mundo em que vivem para que haja uma base para o surgimento da ação criadora. Segundo Vygotsky (2006) o ser que se encontra plenamente adaptado ao mundo que o rodeia nada poderia desejar, não experimentaria nenhum esforço e nada poderia criar. Por isso a inadaptação está presente na base de toda ação criadora, pois é fonte de necessidades, anseios e desejos.

Vigotski (2006) aborda o desenvolvimento do projeto de vida na adolescência e juventude. Para ele, cada etapa da vida é constituída por forças motrizes que são responsáveis pelas mudanças singulares a cada uma dessas etapas. Assim, seria um erro olhar o desenvolvimento apenas por seu aspecto formal sem relacioná-lo à sua orientação, sua força motriz.

Assim, para Vigotski, a chave para entender a psicologia das idades está em entender sua orientação e as forças motrizes que a impulsionam, ou seja, desejos e aspirações do sujeito, a evolução do comportamento e de interesses por parte dos

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sujeitos, as alterações que ocorrem na estrutura do seu comportamento. O autor faz uma passagem pelas teorias que atribuem o desenvolvimento apenas à forma cognitiva e outras que se detêm apenas nas bases biológicas.

Dessa forma, Vigotski constrói uma concepção de desenvolvimento levando em conta as vivências e as questões emocionais atribuídas ao processo de desenvolvimento. Quanto ao desenvolvimento na adolescência e juventude, o autor considera que o estabelecimento de interesses é a força motriz desse momento no desenvolvimento do sujeito.

Para ele, a ação humana está para além de um ato mecanicista desorganizado, tendo função de regular e estruturar tendências integrantes, dinâmicas, aspirações e interesses. Assim, as necessidades, inclinações e projetos de vida são processos integrantes de uma maior amplitude do que cada reação isolada.

Os projetos de vida são adquiridos, desenvolvem-se, confirmando assim a possibilidade de superar um ponto de vista mecanicista sobre o interesse. As aspirações e projetos de vida vêm como uma tendência de estrutura global, dinâmica, sendo considerados como processo vital enraizados nas bases orgânicas e da personalidade, incluindo o interesse no contexto geral da ontogênese.

As aspirações se localizam nas necessidades, que possuem a força impulsora para a ação, como um manancial que origina as inclinações e interesses. A necessidade ou interesse temporal atuam em determinados limites de forma igual à necessidade real. A sociedade construída por nós mesmos, como aponta Catão (2007), nos dá o limite e as possibilidades de elaboração e construção do projeto de vida, o qual está baseado fortemente nos modos culturalmente construídos de ordenar o real. Vigotski (2006) considera que é um erro o estabelecimento de fases segregadas à adolescência sendo características da psicologia moderna a superação dessa visão.

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Assim, o desenvolvimento não é considerado um processo uniforme e estrito, mas se produz como um movimento arrítmico no qual diversas fases são reveladas, duplamente determinadas, pela maturação interna e pelo meio e relações estabelecidas (Vigotski, 2006). Dessa forma, o desenvolvimento está vinculado à história social e aos processos de sua internalização .

Uma vez estabelecido o interesse por algo, a aparição de novas atrações vão modificando-o, afetando também as relações com o meio. Não é de surpreender que o desenvolvimento arrítmico no período da adolescência e juventude se caracterizam por diversas mudanças orgânicas e também pela reestruturação de todo sistema de relações com o meio. O desenvolvimento dos interesses inclui uma regressão dos interesses anteriores, manifestada diretamente, e antes de tudo, na extinção dos velhos vínculos com o meio.

A juventude é marcada por duas etapas fundamentais no desenvolvimento do projeto de vida: a etapa da aparição de novas atrações e a etapa de maturação. A etapa de aparição constitui a base orgânica do novo sistema de interesses e a etapa de maturação desse novo sistema se estrutura nas novas atrações, sendo marcada por ruptura e extinção de velhos interesses.

Segundo Vigotski (2006) o jovem trabalhador começa sua juventude mais tarde e termina mais cedo do que aqueles que não trabalham. O seu período de desenvolvimento transcorre de forma reprimida e em dependência das condições sociais. As condições de vida vão influenciar diretamente esse período, que vai se manifestar com maior virulência a depender dessas condições. Assim, o problema dos interesses e construção de projeto de vida na juventude é a chave para entender o seu desenvolvimento psicológico .

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Como retratam Maia e Mancebo (2010), o projeto de vida não é único, vai sendo formado por múltiplos e variados projetos caracterizados pela mutabilidade, sendo alterados de acordo com as possibilidades e oportunidades ao sujeito apresentadas. Para as autoras, é o movimento, em todos os sentidos e direções, que conduz à estratégia para que o sujeito consiga realizar seus sonhos, muitas vezes vigorando a lógica do cada um por si.

Seguindo essa lógica, na maioria das vezes, a ideia de futuro é vista de forma individualizada, quase uma verdade universal. A ideologia neoliberal e suas lógicas baseadas na competitividade e na colocação do indivíduo como o mais importante elemento dentro da sociedade acabam por sustentar essas crenças, sentimentos, ações e integram-se à constituição de seus projetos de vida, ou seja, individualiza-se completamente o projeto de vida, esquecendo que este é construído a partir das vivências e demandas sociais (Maia & Mancebo, 2010).

O futuro resguarda o espaço para a construção de um projeto de vida e definição de si, pois, projetando o que se fará no futuro, projeta-se também quem se será. Como aponta Leccardi (2005) o presente é para além de uma ponte entre o passado e o futuro, ele representa a dimensão que “prepara” o futuro. A identidade pessoal é construída também através da projeção de si ao longo do tempo que virá.

A tentativa de assegurar-se do futuro é também uma forma de controlar a inquietação que essa situação gera. A ausência de um projeto de vida deixa margens à incerteza e o futuro começa a ser mais temido que almejado (Leccardi, 2005). Ao alcançar certo limiar, a incerteza passa a se associar não apenas à ideia de futuro, mas à própria realidade cotidiana.

O futuro da modernidade contemporânea, como aponta Leccardi (2005), é o futuro indeterminado e indeterminável, administrado pelo risco. E a maior parte dos

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jovens acaba buscando refúgio em projetos de curto prazo, como uma resposta às condições sociais de grande insegurança.

Dessa forma, entende-se que o projeto de vida está longe de ser algo natural, mas é construído a partir das vivências e das condições que são disponibilizadas pelo meio social. Ao vivenciar cada acontecimento, os sujeitos atribuem sentido a essas experiências, a partir da vida cotidiana.