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Projetos de lei

No documento MESTRADO EM DIREITO SÃO PAULO 2008 (páginas 92-98)

3. Desenvolvimento do direito autoral no Brasil

3.5 Projetos de lei

Fazendo uma breve pesquisa no site da Câmara dos Deputados verificamos que atualmente há aproximadamente trezentos projetos de leis em tramitação envolvendo o tema “direito autoral”. Nesse extenso rol, destacamos a proposta de alteração do art. 46 da LDA, sugerida pela ABPI - Associação Brasileira da Propriedade Intelectual, por meio da Resolução n. 67, de outubro de 2005. A presente proposta de alteração foi encaminhada para a Deputada Maria de Fátima Bezerra.

Essa proposta tem por base o chamado “uso justo” da obra, que consiste em um privilégio assegurado a outros que não o titular dos direitos autorais, para que estes possam usar a obra protegida de uma maneira razoável, sem que para isso haja a necessidade do consentimento do titular de tais direitos. Trata-se, portanto, de uma exceção à exclusividade conferida ao titular pelo exercício do próprio direito. Dessa forma, a proposta foi redigida com a intenção de substituir o rol taxativo de limitações ao direito de autor por princípios gerais, tal como ocorre no direito norte-americano com o chamado “fair use”210.

Atual redação:

Art. 46. Não constitui ofensa aos direitos autorais:

I - a reprodução:

a) na imprensa diária ou periódica, de notícia ou de artigo

209 STEWART, Sthepen M. Internacional copyright and neighbouring rigths. Londres: Butterworths,

1983, p. 27. Tradução livre da autora.

informativo, publicado em diários ou periódicos, com a menção do nome do autor, se assinados, e da publicação de onde foram transcritos;

b) em diários ou periódicos, de discursos pronunciados em reuniões públicas de qualquer natureza;

c) de retratos, ou de outra forma de representação da imagem, feitos sob encomenda, quando realizada pelo proprietário do objeto encomendado, não havendo a oposição da pessoa neles representada ou de seus herdeiros;

d) de obras literárias, artísticas ou científicas, para uso exclusivo de deficientes visuais, sempre que a reprodução, sem fins comerciais, seja feita mediante o sistema Braille ou outro procedimento em qualquer suporte para esses destinatários;

II - a reprodução, em um só exemplar de pequenos trechos, para uso privado do copista, desde que feita por este, sem intuito de lucro; (grifos nossos)

III - a citação em livros, jornais, revistas ou qualquer outro meio de comunicação, de passagens de qualquer obra, para fins de estudo, crítica ou polêmica, na medida justificada para o fim a atingir, indicando-se o nome do autor e a origem da obra;

IV - o apanhado de lições em estabelecimentos de ensino por aqueles a quem elas se dirigem, vedada sua publicação, integral ou parcial, sem autorização prévia e expressa de quem as ministrou;

V - a utilização de obras literárias, artísticas ou científicas, fonogramas e transmissão de rádio e televisão em estabelecimentos comerciais, exclusivamente para demonstração à clientela, desde que esses estabelecimentos comercializem os suportes ou equipamentos que permitam a sua utilização;

VI - a representação teatral e a execução musical, quando realizadas no recesso familiar ou, para fins exclusivamente didáticos, nos estabelecimentos de ensino, não havendo em

qualquer caso intuito de lucro;

VII - a utilização de obras literárias, artísticas ou científicas para produzir prova judiciária ou administrativa;

VIII - a reprodução, em quaisquer obras, de pequenos trechos de obras preexistentes, de qualquer natureza, ou de obra integral, quando de artes plásticas, sempre que a reprodução em si não seja o objetivo principal da obra nova e que não prejudique a exploração normal da obra reproduzida nem cause um prejuízo injustificado aos legítimos interesses dos autores.

Proposta de alteração

Art. 46. Não constitui ofensa aos direitos autorais, a reprodução parcial ou integral, a distribuição e qualquer forma de utilização de obras intelectuais que, em função de sua natureza, atenda a dois ou mais dos seguintes princípios, respeitados os direitos morais previstos no art. 24:

I – tenha como objetivo, crítica, comentário, noticiário, educação, ensino, pesquisa, produção de prova judiciária ou administrativa, uso exclusivo de deficientes visuais em sistema Braile ou outro procedimentos em qualquer suporte para esses destinatários, preservação ou estudo da obra, ou ainda, para demonstração à clientela em estabelecimentos comerciais, desde que estes comercializem os suportes ou equipamentos que permitam a sua utilização, sempre na medida justificada pelo fim a atingir;

II – sua finalidade não seja essencialmente comercial para o destinatário da reprodução e para quem se vale da distribuição e da utilização das obras intelectuais;

III – o efeito no mercado potencial da obra seja individualmente desprezível, não acarretando prejuízo à exploração normal da obra.

deste artigo não se justifica somente pelo fato de o destinatário da reprodução e quem se vale da distribuição e da utilização das obras intelectuais ser empresa ou órgão público, fundação, associação ou qualquer outra entidade sem fins lucrativos.

Marcos Túlio de Castro entende que ao substituir uma lista taxativa por uma abordagem mais flexível, a proposta permite uma avaliação mais adequada das particularidades de cada caso concreto211.

No nosso entender, em sendo aprovada, essa alteração aumentará a insegurança jurídica das relações no âmbito do direito autoral, e terá como efeito imediato desestimular a criação de novas obras intelectuais.

É sabido que o direito autoral se baseia em dois pilares, equilibrando-os: a) o interesse privado do autor que deve ter assegurada a exploração econômica de sua criação intelectual; e b) o interesse público da coletividade que deseja ter acesso à obra.

Esses interesses distintos são equilibrados pela imposição de limites aos direitos de autor da seguinte maneira: a) o art. 8º da LDA elenca as criações intelectuais que não são objeto de proteção pelas normas de direito autoral; b) o art. 41 da LDA traz a temporalidade dos direitos patrimoniais; c) o art. 46 da LDA apresenta limitações ao direito de autor.

Tendo em vista o referido projeto de lei, vamos nos ater aos itens b) temporalidade e c) limitações aos direitos autorais.

Sobre a temporalidade dos direitos patrimoniais, Fábio Ulhoa Coelho expõe que assegurar ao autor o direito de explorar economicamente sua criação intelectual atende não só ao interesse privado, como também ao interesse público de promoção do desenvolvimento cultural. Desse modo, os interesses são convergentes: o autor que vive do seu trabalho tem total independência para criar e, assim, contribuir com o crescimento cultural do seu país.

No entanto, para que o direito autoral não se torne prejudicial ao

desenvolvimento cultural, limita-se no tempo a exclusividade do autor na exploração econômica da obra. Por essa razão, o art. 41 da LDA determina que os direitos patrimoniais do autor perduram por 70 (setenta) anos contados de 1° de janeiro do ano subseqüente ao de seu falecimento. Sem dúvida desatende ao interesse público estender a duração dos direitos patrimoniais para além do prazo razoável para gerar recursos ao sustento do autor e de seus familiares próximos. Depois de decorridos setenta anos, toda e qualquer obra intelectual cai em domínio público, ou seja, pode ser explorada por qualquer pessoa, independentemente de autorização ou remuneração aos sucessores do autor, desde que sejam respeitados os direitos morais212.

Essa disposição da atual LDA está de acordo com o art. 7°, item 1 da Convenção de Berna, que assim declara: “A proteção concedida pela presente convenção se estenderá durante toda a vida do autor e cinqüenta anos depois de sua morte”. O item 6 acrescenta: “Os países da União têm a faculdade de conceder prazos de proteção maiores do que os previstos nos parágrafos precedentes”.

Plínio Cabral sintetiza essa idéia ao dizer que o direito de autor tem um limite fatal fixado pela lei, findo o qual sua obra pertence à humanidade. O direito autoral, portanto, é um monopólio do autor, mas um monopólio temporário213.

Há uma tendência mundial de aumentar o prazo de proteção ao direito autoral. Em 1998, nos Estados Unidos, esse prazo foi aumentado para 95 (noventa e cinco) anos214. Na Europa, a duração dos direitos autorais variava

conforme o país. Na Alemanha o prazo era de 70 (setenta) anos, na França era de 70 (setenta) anos para obras musicais e 50 (cinqüenta) anos para as demais

212 COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito civil, cit., p. 279-280.

213 CABRAL, Plínio. A nova lei de direitos autorais: comentários, cit., p. 65.

214 O Congresso norte-americano aprovou uma lei que prorrogou o prazo anterior, em decorrência,

sobretudo, da pressão de grupos como a Disney, que estava prestes a perder o Mickey Mouse. Assim, o ratinho Mickey, que cairia em domínio público em 2003, ganhou uma sobrevida. Essa lei ficou conhecida como Mickey Mouse Act. Conforme aula ministrada no Curso Direitos Autorais da Fundação Getulio Vargas – FGV/RJ, 2007-2008.

obras. Na Espanha o prazo era de 60 (sessenta) anos. Nos demais países, como Portugal, Itália, Grécia, Bélgica e Países Baixos, o prazo era de 50 (cinqüenta) anos. Isso perdurou até 1992, quando a Comissão Especial da Comunidade Econômica Européia aprovou uma resolução unificando esse prazo em 70 (setenta) anos. Com isso, passou-se a adotar o prazo de 70 (setenta) anos da morte do autor para que a obra caia em domínio público em todos os países que integram a União Européia215.

Além do decurso do tempo, a LDA estabelece outras limitações aos direitos do autor, dispostas no art. 46, objeto da proposta de alteração em tela.

Observa Plínio Cabral que as disposições do art. 46 têm objetivo social e cultural, ou seja, conservam o equilíbrio entre o interesse privado e o interesse público na obra de criação. Essas limitações constituem numerus

clausus e, por isso mesmo, não podem estender-se além das hipóteses fixadas

pelo texto legal216.

Apesar da previsão legal, é nesse campo que ocorrem os maiores conflitos, sempre no sentido de aumentar o alcance da lei. Uma evidência dessa tendência abusiva é o presente projeto de lei, cujo objetivo é alargar as limitações aos direitos de autor.

Vimos na evolução histórica dos direitos autorais que sem um mecenas, o autor não teria fontes de subsistência e ver-se-ia obrigado a escolher entre as ocupações de delator, de falsa testemunha ou de ajudante nos banhos públicos. A nosso ver, não garantir e, mais do que isso, flexibilizar os direitos do autor, além de ser um retrocesso, é uma atitude que atenta contra o desenvolvimento cultural da própria sociedade.

215 Conforme aula ministrada no Curso Direitos Autorais da Fundação Getulio Vargas – FGV/RJ,

2007-2008.

No documento MESTRADO EM DIREITO SÃO PAULO 2008 (páginas 92-98)