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2 ASTROTURFING COMO UMA PRÁTICA DE PROPAGANDA: LÓGICAS DE INFLUÊNCIA NA OPNIÃO PÚBLICA

2.2 Propaganda: influenciando a opinião pública

2.2.3 Propaganda e a criação de acontecimentos

Além da tentativa de ocultar os interesses privados, um segundo aspecto que podemos destacar na obra de Bernays e que nos ajuda a imaginar como o astroturfing opera sua influência na opinião pública está relacionado com a criação de acontecimentos. Para Bernays, os acontecimentos possuem acentuada importância para o trabalho de um consultor de relações públicas, perpassando inclusive a diferença fundamental entre tais profissionais e aqueles conhecidos como ―assessores de imprensa‖ (press agents). Em sua visão, ―o consultor de relações públicas não apenas sabe o que constitui uma notícia, mas conhecendo tal questão, se posiciona de forma a fazer com que notícias aconteçam. Ele é um criador de acontecimentos‖ (BERNAYS, 2011, p. 189, tradução nossa81).

A principal questão que Bernays desenvolve sobre o assunto recai não nos acontecimentos em si, mas sim nas possíveis reverberações que eles apresentam. Para o autor, a criação de acontecimentos é uma técnica importante de influência na opinião pública justamente pela capacidade que eles possuem de colocar em circulação na sociedade determinadas ideias. Um ato público, por exemplo, não é criado pelo propagandista visando influenciar apenas aqueles que o presenciam, mas sim estabelecer pontos de interesses para os milhares que não estão ali e que terão acesso às reverberações daquele acontecimento nas mídias e nas interações sociais.

Para tanto, Bernays defende que o acontecimento deve ser confeccionado a partir de diretrizes originadas tanto do reconhecimento sobre como os canais de comunicação já estabelecidos operam, quais características valorizam e como possivelmente irão encarar aquele fato, como também das dinâmicas de circulação de informação nos grupos sociais – o ―boca a boca‖, por exemplo, é algo de extrema importância. No momento histórico em que Bernays escreveu suas obras, era compreensível a ênfase nos esforços que tentavam

81 ―The counsel on public relations not only knows what news value is, but knowing it, he is in the position to make news happen. He is a creator of events.‖

desvendar as lógicas de produção da imprensa. Nesse sentido, o autor explora características das rotinas de produção dos jornais, de suas linhas editoriais e da própria linguagem do jornalismo, a partir das quais defende a importância das imagens e a necessidade de criar acontecimentos que apresentem boas oportunidades de fotografia.

Outro aspecto apontado por Bernays é a importância do apelo dramático nos acontecimentos criados pelos consultores de relações públicas. Em sua visão, as ideias que melhor se disseminam são aquelas colocadas em circulação por acontecimentos dramáticos, que interrompem as rotinas diárias. Tais acontecimentos possuem um potencial maior para atrair tanto a atenção da mídia quanto também das pessoas em geral, que comentam e especulam sobre os mesmos aumentando a amplitude de seu alcance.

A criação de acontecimentos por parte de profissionais de relações públicas, como postulado por Bernays, consiste também em outro ponto central da crítica que Habermas tece sobre tal atividade. Segundo o filósofo alemão, as relações públicas invadem o processo de formação da opinião pública e corrompem a esfera pública através da criação de novos acontecimentos para atrair a atenção social para determinadas questões, usando uma apresentação dramática de fatos para reorientar a opinião pública e formar novas autoridades e símbolos. Para tanto, os profissionais da área, a partir do reconhecimento sobre o funcionamento da mídia, ―conseguem inserir material adequado diretamente nos canais de comunicação ou então arranjam na esfera pública pretextos específicos que mobilizam os aparelhos de comunicação de modo previsível‖ (HABERMAS, 1984, p. 227).

Podemos observar como diversos elementos da criação de acontecimentos estão presentes no caso das ―tochas da liberdade‖. Desde o princípio, a manifestação daquele público simulado foi pensada para atrair a atenção da imprensa, trazendo diversos elementos que dialogam com o seu modo de produção, incluindo um apelo dramático e a oportunidade de fotografias, contando inclusive com um profissional contratado por Bernays para garantir a existência de boas imagens. Mais do que obter ganhos imediatos, aquela manifestação visava colocar em circulação uma ideia sobre o ato das mulheres de fumar em público. Ou seja, reverberar tal opinião na sociedade como uma forma de influenciar na opinião pública – atuando sobre alguns dos mais fortes estereótipos da época.

Os três pontos que abordamos na presente sessão nos permitem, assim, observar aspectos da lógica a partir da qual o astroturfing – entendido como uma prática de propaganda – pode influenciar na formação da opinião pública. Identificadas tais questões, nosso próximo passo consiste em explorar a dinâmica da prática em si, tentando compreender como essas lógicas se materializam. Para explorar a prática a partir de uma perspectiva relacional da

comunicação, evitando as armadilhas da linearidade e do determinismo, acreditamos que a observação sobre como a manifestação de um público simulado pode ser encarada como um acontecimento nos indica uma porta de entrada propícia: os estudos sobre tal temática. Assim, traçamos no próximo capítulo um percurso que parte das considerações de Daniel Boorstin (1965) sobre a criação de pseudo-acontecimento para, em seguida, pensar o acontecimento por uma perspectiva hermenêutica, trabalhada por Louis Quéré (2005, 2012) e Vera França (2012), e refletir sobre os quadros de sentido mobilizados e tencionados pelo astroturfing, pautando tal esforço nos estudos sobre enquadramento, oriundos principalmente da obra de Erving Goffman (1986).

3 A DINÂMICA DO ASTROTURFING: ACONTECIMENTO E QUADROS DE