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2 METODOLOGIA

2.3 Proposta de aplicação

As sequências elaboradas neste trabalho foram construídas tendo em vista a possibilidade de sua aplicabilidade nas turmas de 9º ano do ensino fundamental. A escolha da série se deu pelo fato de ser a fase que antecipa o ensino médio, e também devido os alunos acharem que não estudam literatura nesta série, pois como não há aulas determinadas de literatura, esse estudo é desenvolvido a partir da leitura e produção de alguns gêneros literários, não ficando claro para o aluno, que é aula de literatura e sim de leitura, simplesmente.

Tendo em vista o embasamento teórico sobre sequências didáticas foram analisadas as perspectivas teórico-expositivas apresentadas por Dolz, Noverraz e Schneuwly (2004, p.82) os quais afirmam que uma sequência didática ―é um conjunto de atividades escolares elaborado de maneira sistemática, em torno de um gênero textual oral ou escrito‖; é importante que elas sejam estruturadas a partir de gêneros que o aluno não domina ou o faz de maneira insatisfatória, mas que tenha interesse em aprender a produzi-lo. Para os autores, os componentes básicos de uma sequência didática são organizados a partir da seguinte estrutura: apresentação da situação, a primeira produção, módulos e produção final. Outros postulados considerados de extrema importância para a elaboração dessas sequências são as abordagens apresentadas por Cosson (2011), as quais destacam atividades organizadas por etapas que se estruturam seguindo duas proposições, sequência básica e expandida.

As sequências didáticas apresentadas no capítulo três terão como embasamento teórico o modelo apresentado por Cosson (2011). A escolha pela sequência expandida deveu-se ao fato de que:

Acreditamos que na sequência básica se realiza a aprendizagem plena da literatura, mas porque nela se enfatiza a experiência da interpretação como construção do sentido do mundo, as outras dimensões do letramento literário (ampliar o horizonte de leitura de forma consciente a partir da contextualização) terminam por ocupar um segundo plano. Essa posição secundária pode levar a um obscurecimento do lugar da literatura na escola, sobretudo aquele dado pela tradição. A sequência expandida vem deixar mais evidente as articulações que propomos entre experiência, saber e educação, literários, inscritos no horizonte desse letramento na escola (COSSON, 2011, p. 76).

A opção pelo método de Cosson (2011) partiu do pressuposto de que o autor aborda exemplos de sequências que contemplam, de modo mais específico, propostas desenvolvidas a partir de textos literários, diferente de Dolz, Noverraz e Scheneuwly (2004) que apresentam as sequências de modo mais geral, envolvendo gêneros textuais. Quanto ao modelo da sequência, foi escolhida a expandida que diferente da básica, contempla melhor o letramento literário, por apresentar várias contextualizações. Através delas, o texto literário pode ser trabalhado de acordo com várias perspectivas: teórica, temática, crítica, histórica, estilística, poética e presentificadora. Já a sequência básica é menor, ela apresenta apenas quatro passos: motivação, introdução, leitura e interpretação; já a expandida é constituída por sete passos. Esta constituição mais abrangente permite a abordagem de atividades mais sistematizadas, as quais precisam ser oferecidas aos alunos de modo a contemplar o letramento literário (Cf. COSSON, 2011). No capítulo seguinte serão apresentadas as sequências didáticas sugeridas nesse estudo.

Assim, buscando sugerir atividades contextualizadas e interdisciplinares que contemplem o estudo dos gêneros e autores citados, este trabalho apresenta o passo a passo da sequência expandida, a qual se desenvolve a partir dos seguintes módulos: motivação, introdução, leitura, primeira interpretação, contextualização – teórica, histórica, estilística, poética, crítica, presentificadora, temática – segunda interpretação e expansão (Cf. COSSON, 2011). Esses momentos são muito importantes para que a sequência seja executada com vistas ao desenvolvimento do letramento literário na escola.

De acordo com Leal e Albuquerque (2010, p.94):

Ao estimular o desenvolvimento dos modos de ler a obra literária, além de contribuir para a aprendizagem da literatura, ampliando o acervo textual de cada aluno, seus conhecimentos sobre a história da humanidade, os autores, os estilos, contribui para o desenvolvimento pessoal, das subjetividades, do ―ser no mundo‖, promovendo, ainda, o desenvolvimento de estratégias de

leitura que podem ser usadas em muitas e variadas situações de interpretação textual.

Ao constatar que as estratégias de leitura e produção do texto literário desenvolvidas na escola estavam confundindo literatura com textos que apresentem uma roupagem de literatura, mas que serviam para ensino de algum conteúdo escolar, serão propostas atividades que contemplam o trabalho com o texto literário na escola. As sequências abordarão o estudo dos gêneros poema e crônica e estão organizadas a partir da exposição das etapas, com seus respectivos objetivos, tempo de duração e descrição de como desenvolver cada atividade.

Sobre os gêneros selecionados para a realização dessa sequência, a primeira escolha recaiu sobre poema, porque, segundo Paes (1996 p.27):

O objetivo fundamental da poesia é o de: ―mostrar a perene novidade da vida e do mundo; atiçar o poder da imaginação das pessoas, libertando-as da mesmice da rotina; fazê-las sentir mais profundamente o significado dos seres e das coisas; estabelecer entre estas correspondências e parentescos inusitados que apontem para uma misteriosa unidade cósmica; ligar entre si o imaginado e o vivido, o sonho e a realidade como partes, igualmente importantes da nossa experiência de vida‖.

Sem dúvida, ao direcionar o olhar para a sala de aula, é possível constatar que a leitura de poemas está sendo cada vez menos realizada; muitos professores e alunos afirmam que é um texto difícil, porque requer dos que os buscam uma atitude especial. É necessária muita atenção ao trabalhar com a linguagem poética, pois exige uma parceria ativa entre texto e leitor. Por outro lado ela estimula o contato do aluno com a literatura por meio de palavras que transmitem emoções, interpretações por meio das entrelinhas, isto é, aferições do que se constrói através de uma linguagem figurada. Contudo, a aproximação com a poesia aguça a percepção do leitor por meio do preenchimento do não dito e do desvendamento de intertextualizações e do desvelamento do que se constitui nas entrelinhas (SILVA, 2009b). Ao interagir com os alunos do ensino fundamental, é possível constatar que em seu repertório escolar está presente a leitura ou a declamação de poemas, seja apresentado pela escola, em momentos de festividades ou por se constituírem textos curtos, como uma estratégia de aproximar o aluno da leitura oral; pela família, por se assemelharem com música, especificamente pelo seu grau de musicalidade.

Assim, nas aulas de língua portuguesa, deve haver espaços para a leitura e o estudo de poemas, pois muitos dos defeitos da linguagem de comunicação transformam-se em recursos

expressivos na linguagem poética, como por exemplo, a ambiguidade, a polissemia, evitada ao máximo na linguagem referencial. Entendido assim, sobre o estudo de poemas, Silva (2009b) postula que a linguagem poética, portanto, guarda um parentesco com a linguagem do devaneio e do sonho, falando diretamente à emoção do leitor. Contudo, se bem trabalhado, o texto literário, pode prender e conquistar os jovens para a leitura. De acordo com Goldstein (2006, p.190):

A poesia resulta de cuidadosa elaboração formal, por isso solicita intensamente a participação do leitor, levando-o a desvendar pistas e interpretar seu(s) sentido(s). Em função disso, é ampla a gama de possibilidades de trabalho linguístico que ele permite.[...] Em determinados momentos, a linguagem condensada do poema propicia novas reflexões para complementar atividades interdisciplinares.

Desse modo, se evidencia que o professor não deve trabalhar vários gêneros literários de modo superficial pensando apenas na quantidade, levando em consideração o tamanho do texto, a linguagem, entre outros fatores externos, pois o trabalho pedagógico com o texto literário precisa ser pensado e planejado de acordo com as especificidades de cada gênero, como também levar em consideração quem o escreveu. Estes pontos foram colocados em evidência, ao elaborar as sequências, tendo em vista a atuação docente da autora desta proposta ao longo dos seus dezesseis anos em sala de aula na educação básica.

Ao escolher trabalhar com poemas, foi considerada também a escolha do autor, o que levou a opção por Manuel Bandeira (1886-1968), escritor renomado da literatura brasileira, com vasta produção literária, o qual tem feito parte do dia a dia da sala de aula da autora deste estudo, desde quando cursou a especialização em Língua Linguística e Literatura em 2008, especificamente com a disciplina de Literatura comparada, a qual possibilitou um diálogo muito intenso com este autor. Para Campos et al (2013, p.76):

Bandeira é o poeta do deslumbramento do cotidiano. Suas poesias destacam aquilo que é desprezado e ínfimo e que, portanto, seria pouco poético. No entanto, o tratamento poético reveste de beleza, humanidade e delicadeza aquilo que seria insignificante, despertando a comoção do leitor. Seus versos conseguem desobrigar a literatura da necessidade de discutir grandes temas e dramas; registra momentos, pessoas e experiências de forma livre, libertária.

Por apresentar em seus poemas esse tratamento poético que faz com que o leitor reflita sobre os temas simples do cotidiano, escolheu-se trabalhar com o poema ―Vou-me embora pra Pasárgada‖ (1930) o qual proporcionará ao aluno grandes reflexões sobre a temática da evasão abordada pelo poeta como serão propostas nas atividades contidas nesse estudo.

Ao sugerir propostas para trabalhar atividades fundamentadas e justificadas teoricamente a partir de sequência sobre poema, escolheu-se também ―crônica‖, por se tratar de um gênero muito difundido em sala de aula e que possibilita grandes diálogos e reflexões por parte dos discentes. Quando se fala nesse gênero, geralmente pensa-se em ―coisas do cotidiano‖. E quando se fala em produção desse gênero, o leitor pode se perguntar: Como buscar informações e inspiração para se produzir uma crônica? Olhar em volta os acontecimentos e situações que surgem; ler notícias em jornais que também podem trazer inspiração para expressar reflexões sobre o cotidiano que os rodeia. De acordo com Brito (2012, p. 40):

(...) pegar o fato, não importa se insignificante ou grandioso, e vê-lo assim de pertinho, singular, particular, único – mesmo que universal, dizendo dele o que um tem de dizer. (...) mas que registrar o acontecimento (notícia), ela (crônica) trata é de enviesá-lo, apresentando a percepção particular de quem o viu e agora o aponta. O cronista é antes de tudo um comentador do mundo, grande e pequeno, que habita.

Tendo em vista esse pressuposto de que a crônica possibilita ao escritor comentar o mundo e, por conseguinte, através de sua leitura o aluno conhecer esses comentários, foi escolhido trabalhar com a crônica ―19 de maio de 1888‖, publicada na Seção: ―Bons Dias!‖ do Jornal Carioca ―Gazeta de Notícias‖, em 19 de maio de 1888, a qual está intrinsicamente ligada ao poema de Bandeira por meio da temática do cotidiano. Conforme Lajolo (2008, p.18 e 19):

A história da crônica é simples: o que a torna sutil e sofisticada é o tom em que ela é narrada, sempre em primeira pessoa: um proprietário de escravos conta que, antes da Lei Áurea, já libertara um jovem escravo – o Pancrácio. Conta que lhe deu um salário, mas continuou a tratá-lo com violência. E conta, finalmente, que vai se utilizar desse seu gesto para fortalecer sua candidatura política, vendendo uma imagem de si como alguém que não apenas obedece à lei, mas se antecipa a ela.

Observa-se nessa crônica que, além de favorecer ao aluno a atualização da leitura de uma temática muito presente no processo histórico de nosso país, a abolição da escravidão, também possibilitará aos discentes, como também, aos docentes conhecer o cronista Machado de Assis, muitas vezes não lembrado como escritor desse gênero, no cenário da escola básica.