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6. O conjunto e o contexto

6.4. Proposta de interpretação morfológica

A hipótese de que grande parte das estruturas negativas do tipo fossa, possam numa utilização primária terem sido escavadas com o intuito de servirem como silos, é um tema que intriga muitos investigadores que se dedicam ao estudo das populações, da sua organização e estruturação espacial. Porém, as primeiras alusões a fenómenos de estruturas negativas identificadas em contexto de escavação em Portugal, são nos dadas a conhecer por Estácio da Veiga, levadas a cabo em Aljezur. Foram descritas por este no primeiro volume das Antiguidades monumentais do Algarve, publicado em 1886 (Fig.1). As estruturas negativas que Estácio da Veiga constatou, ficaram conhecidas como “silos de Aljezur”, que correspondiam a cerca de uma dezena de fossas situadas junto à Igreja de Nossa Senhora da Alva, de onde recolheu alguns materiais arqueológicos envolvidos no enchimento (Berdichewsky, 1964, apud Márquez Romero e Jiménez Jáimez, 2010, p. 19). No segundo volume da sua obra, Estácio da Veiga, falara da existência de fossas abertas no subsolo neste caso sobre o cabeço existente junto aos monumentos megalíticos de Alcalar (Portimão), que seriam indício de negativos de habitats, isto é fundos de cabanas (Morán e Parreira, 2003, p. 313).

Nos finais do século XIX, já se sabiam as funcionalidades destas estruturas escavadas no substracto geológico, bem como se verificou a hipótese da função destas mesmas, no entanto estas sofreram sucessivas reutilizações. Segundo Estácio da Veiga e Bonsor, estas poderiam ter várias funcionalidades, durante as sucessivas reutilizações, tais como cabanas parcialmente escavadas no solo, mas também poderiam ter a funcionalidade de silos de armazenagem situados abaixo do solo da cabana superficial, isto segundo Siret e Bonsor. Segundo Bonsor, poderiam ainda ter sido usados como lixeiras, pois deve ter-se em conta a existência de restos de cadáveres humanos, que também não deixa de indiciar a prática de rituais funerários (Márquez Romero e Jiménez Jáimez, op. Cit., p. 21).

Os primeiros trabalhos realizados sobre recintos/povoados com fossos começaram em meados dos anos 70 em Espanha, dado que coincide com a industrialização tardia da região da Andaluzia (Márquez Romero, 2007, p. 27-36). Aquando a publicação das investigações realizadas em sítios com fossos em território espanhol, como foram o caso de Valencina de la Concepción (Fernández Gomez; Oliva, 1980, 1985, 1986; Ruiz Mata, 1983), Papa Uvas (Martín de la Cruz, 1895, 1986), La Minilla (Ruiz Lara, 1987) e La Pijotilla (Hurtado, 1986), é que se verificou que a “ (…) «cultura de silos» correspondia a uma tipologia de sítio inédito para o registo arqueológico de finais do 4º e do 3º milénio: largos fossos de perfil em V, implantações abertas sem defensabilidade natural, áreas de ocupação muito extensas.” (Sousa, 2010, p. 433). Na altura constatou-se, que estes sítios descobertos e escavados apresentavam inúmeras semelhanças com os chamados “campos de silos”, que já tinham sido descritos por Estácio da Veiga, Siret, Bonsor e Collantes de Terán (Márquez Romero e Jiménez Jáimez, 2010, p. 24).

Contudo, estes novos sítios identificados apresentavam um certo conjunto de características que iam além dos simples “campos de silos”, já que apresentavam a peculiaridade de possuírem fossos/valas com secção em “U” ou em “V”. Cujos fossos partilhavam uma característica com os “silos”, isto é o seu enchimento estava repleto de

restos arqueológicos, bem como de ossadas humanas (Fernández Gómez; Oliva, 1980, p. 25).

No caso concreto do Monte da Laje, podemos verificar que segundo os perfis das estruturas negativa do tipo fossa, na sua grande maioria apresentam perfis “tipo saco”, muito parecidos aos que se registam noutros sítios com fossas nas suas proximidades, que foram identificados recentemente, como são o caso de Bela Vista 5, Lancinha 2, Barranco do Rio Seco 4 e 5, Alto do Pilar 3, Monte da Barrada 2, Moinho de Valadares I, Povoado do Mercador, Monte Tosco I, Julioa 4/Luz 20. Segundo o perfil que apresentam estas fossas e traçando paralelos com sítios já escavados supra mencionados, verificámos que numa utilização primária estas fossas podiam ser utilizadas para silagem.

O facto de possuírem uma planta circular ou elíptica não deixa dúvidas para a interpretação da sua utilização primária, uma vez que se tratavam de sociedades agro- pastoris, pois uma das suas áreas de exploração é a cerealífera, o que nos indica à partida que produziriam excedentes. Excedentes esses que teriam de ser de armazenados, não só em contentores cerâmicos de grande capacidade, mas também em silos escavados, no subsolo. Mas quando nos defrontamos com esta hipótese, deparamo-nos com a seguinte questão: Porquê escavarem nos silos no subsolo e não construírem estruturas em positivo dedicados à sua armazenagem? Estando no subsolo estes não seriam atingidos pela humidade, o que conduzia à deterioração do cereal aí armazenado? A justificação para estes indivíduos criarem este tipo de estruturas negativas dedicadas ao armazenamento de cereais prende-se com a formação geológica dos solos, uma vez que estamos a falar de solos predominantemente de matriz areno-argilosa e com caliços. Este tipo de solos são óptimos para a conservação de matéria orgânica, daí que muitos dos vestígios que surgem muitas das vezes quase intactos ou em bom estado de conservação se deve ao facto da temperatura e isolamento da humidade ser normalmente estável. Razão pela qual as sociedades agro-pastoris tenham encetado ao armazenamento em silos de estrutura negativa, pois não necessitariam de qualquer tipo de revestimento e possuíam óptimas condições de armazenamento, possivelmente quando estivessem cheios de cereal seriam selados com uma “tampa” para evitar a entrada de ar ou até mesmo humidade.

Esta interpretação coerente para a utilização primária das estruturas negativas do tipo fossa, foi utilizada para a compreensão dos denominados campos de fossas, ou como são designados em território espanhol como “campos de hoyos”. No entanto se recorrermos a estudos etnográficos podemos constatar que em alguns continentes são utilizadas estruturas deste tipo para o armazenamento de cereais e que são muito similares às realidades negativas do tipo fossa do Monte da Laje e de outros sítios similares no seu entorno. No caso do continente asiático, mais concretamente no Iémen, existem estruturas de armazenamento, denominadas de medfen, normalmente localizados em áreas urbanas, muito perto das casas, onde muitas vezes chegam a formar verdadeiros “campos de silos”. Estas estruturas negativas apresentam uma abertura poligonal ou mesmo circular, estreitos na parte superior, cuja capacidade pode alcançar 3 m3 (Gast, 1979, 200-201). À

semelhança das fossas/silos com que nos deparamos no Monte da Laje, não apresentam qualquer tipo de revestimento, como acontece com outros silos da região do Iémen que são revestidos com argila e palha (Gast, 1979, 200-201). Após o enchimento destas estruturas com cereal, o orifício é selado com uma tampa em pedra e as frestas tapadas

61 com barro, acabando por ser coberto com uma camada espessa de terra (Gast, 1979, 200- 201).

Por outro lado, estas estruturas negativas do tipo fossa, após a sua utilização primária se esgotar, eram abandonadas enquanto estruturas de armazenamento para cerais. Dando assim lugar a estruturas para onde eram atirado todo o lixo proveniente da área habitacional, como recipientes que se fragmentavam, artefactos que teriam deixado de ter funcionalidade e desperdícios alimentares, colmatando assim estas estruturas negativas. Noutros casos como o de Bela Vista 5, por exemplo, as fossas tiveram uma utilização secundária diferente, servindo assim para inumação de um individuo, como se constatou na fossa 1 que estava no interior do recinto com fosso (Valera e Simão, 2014, p. 24). Por conseguinte, é a fase de utilização secundária que nos chegou intacta até aos nossos dias, e que nos forneceram os dados sobre a utilização e quem utilizou as fossas do Monte da Laje. Como terceira hipótese as estruturas negativas do tipo fossa poderiam ter como única finalidade o despejo de desperdícios, para assim manter o habitat limpo, evitando assim alguma degradação do espaço habitacional.

Grande parte das questões que nos surgem ao tentarmos fazer a interpretação de certas estruturas que nos parecem ter uma configuração complexa, são justificadas pela experimentação ou então com o recurso à etnografia, uma vez que ainda existem sociedades agro-pastoris que vivem em algumas regiões remotas do nosso planeta que utilizam certos métodos que foram utilizados há milhares anos antes da nossa era. Neste caso, o cruzamento da informação arqueográfica, com a informação arqueológica beneficia a nossa investigação para o Monte da Laje, pois permitiu-nos retirar inúmeras ilações para uma explicação funcional das estruturas negativas na sua fase primária e na posterior fase secundária da sua utilização.

6.5. Aproximação espacial: Monte da Laje e o território de Serpa