• Nenhum resultado encontrado

Proposta de novas possibilidades conceituais da atração do horror

5 PSICOLOGIA DO MEDO

5.2 Proposta de novas possibilidades conceituais da atração do horror

5.2.1 Hipótese do Espelhamento

Essa minha hipótese bebe na fonte da Teoria Psicanalítica Catártica e, através dela, o espectador consegue “espelhar” os sentimentos, sejam eles quais forem. A Hipótese do Espelhamento não se aplica somente aos filmes de horror, mas também aos outros gêneros, porém acredito que nesses outros a reação do público possivelmente não é tão forte quanto no horror.

Essa hipótese não se iguala à Teoria Catártica, pois não objetiva “resolver” psicanaliticamente nenhuma questão interna nossa, nenhum sentimento obscuro, nenhum pensamento perverso, nenhuma vontade cruel. O público, através do espelhamento, visa apenas experimentar, conscientemente, as sensações fortes provocadas pelo filme, pois elas são únicas para cada indivíduo. Não quero com isso negar completamente que a Teoria Psicanalítica Catártica faça sentido, apenas prefiro dizer que ela não precisa ser a única forma de experienciarmos o horror cinemático.

A minha ideia é que o público sabe muito bem o que está sentindo, tem plena consciência de tudo o que ocorre dentro de si, da efemeridade das emoções proporcionadas pelo filme. Assim, as pessoas vão ao cinema apenas pelo puro e simples entretenimento.

Não concordo com a Teoria Psicanalítica no que ela aponta que o público vai ao cinema para expurgar os seus sentimentos negativos e sua “pulsão de morte” – para usar a expressão emblemática de Freud. Embora eu concorde com o famoso psicanalista alemão

quando ele afirma que todos nós temos sentimentos negativos, pois essa é uma característica inerente a todos os seres humanos – não incluo aqui os animais, pois eles agem somente baseados em instintos, à medida em que nós, através da nossa racionalidade, podemos perceber a negatividade que possuímos –, contudo ainda assim acredito ser simplista demais afirmar que todos vamos ao cinema com o mesmo objetivo de expurgar as nossas pulsões do mal.

A Hipótese do Espelhamento dá conta dos sentimentos sentidos pelo espectador durante a projeção do filme, mas sem objetivar expurgar nada, não há a catarse. O que ocorre é apenas um espelhamento das emoções vividas pelos personagens, isto é, temos sentimentos análogos aos que os personagens estão sentindo. Se ficam ansiosos, eu fico ansiosa, se eles ficam tensos, eu fico tensa, se ficam nervosos, eu fico nervosa, se ficam com medo, eu também fico, e assim por diante.

Apesar de sentir tudo isso, essas sensações, para muitos espectadores, não se alastram para outros setores de suas vidas, nem mesmo de forma inconsciente, como preferem acreditar os estudiosos defensores da Teoria Catártica. Afinal, se alguém precisa expurgar alguma coisa, provavelmente irá procurar outra atividade que sirva para este fim, como por exemplo, uma terapia convencional.

5.2.2 Hipótese do Desconhecido Familiar ou da Previsibilidade

A minha Hipótese do Desconhecido Familiar ou da Previsibilidade funciona da seguinte forma: alguns espectadores regem que o horror é um gênero bastante previsível e, para estas pessoas, isso não é algo ruim, muito pelo contrário, é uma característica bastante atraente. Sendo assim, tais espectadores já nos momentos iniciais do filme, quando os personagens e o enredo ainda estão sendo apresentados, “preveem” o seu desfecho. Como assim? Explico: para muita gente é reconfortante já saber o final do filme, já saber o que esperar, quais personagens irão morrer, quais irão sobreviver e triunfar, quem é o assassino, de onde ele vem, a sua justificativa para os crimes cometidos e assim por diante. Isso significa dizer que apesar do filme ser “desconhecido” – partindo, logicamente, do pressuposto fundamental de que é a primeira vez que o espectador o está assistindo e de que ele não procurou por spoilers na internet

antes de se dirigir à sala do cinema –, ele é também, concomitantemente, “familiar”, pois ter adivinhado ou deduzido toda a trama logo de início dá uma sensação de conforto a essa parte do público, fazendo com que não tenha grandes surpresas. E, caso o seu exercício de previsão não tenha sido bem-sucedido, pelo menos serviu para que o espectador acalmasse os próprios nervos durante boa parte da projeção.

Assim, por meio de uma manobra psíquica voluntária racional, o público, após fazer a previsão do filme, tem a sua ansiedade reduzida e consequentemente consegue atenuar o próprio medo. E para que serve atenuar o próprio medo? Você, caro leitor, pode estar se perguntando agora: afinal, sentir medo, nojo, repulsa, ansiedade, pavor, nervosismo, tudo isso não é exatamente o objetivo do espectador dos filmes de horror? Ao que eu te respondo: não necessariamente. Mas, se formos mesmo partir dessa premissa básica, ainda assim essa minha teoria não pode ser refutada integralmente, pois o espectador do horror pode querer sentir “algum” medo, em alguma proporção, o que pode ser bem pequena, diga-se de passagem. Ademais, muitas pessoas não querem “morrer de medo”, desejam apenas sentir um pouco desse sentimento, adicionado a alguns sustos e saltos da poltrona do cinema, contudo em muito menor escala do que outras pessoas o querem. Para elas, a curiosidade, a sua consequente saciedade, e a previsibilidade são fatores muito mais importantes para gostar dos filmes de horror.

A curiosidade e a vontade de saciá-la são características que aproximam a Hipótese do Desconhecido Familiar ou da Previsibilidade com a Teoria da Curiosidade, Exploração e Fascinação em certa medida. Porém, a grande diferença entre elas é que na segunda o espectador visa usar a curiosidade para explorar novos territórios e conhecer o novo, contudo não existe o fator da previsibilidade. Em resumo: o que é esperado desta teoria é que seja, de fato, uma descoberta absolutamente inédita e – como é indicado no próprio nome da teoria – fascinante. A curiosidade funcionaria como um instinto que não obedece a um ciclo de déficit e saciedade, como a fome, mas a novos estímulos externos ou a tensões internas da mente. Seria ela, assim, um instinto que visa aumentar o nosso desejo exploratório para consequentemente elevar, também, o nosso nível ideal de excitação e nos tirar do tédio. Desse modo, os teóricos do nível ideal da excitação creem que a incitação da curiosidade seria, por si só, uma experiência emocional positiva. (Para relembrar essa teoria, rever o subtópico onde a abordo em maiores detalhes).

Entretanto, na minha tese da Hipótese do Desconhecido Familiar ou da Previsibilidade, o público não busca apenas saciar a sua curiosidade e fugir do tédio – apesar de isso estar incluso –, mas ele busca, também, saciar a sua curiosidade sobre o desenvolvimento da trama da história especificamente, como um todo, e, principalmente, gosta de saber que acertou – caso tenha acertado mesmo, é claro – sobre a previsão dos momentos finais do filme. É como se ocorresse um jogo mental para esses espectadores, e ganha aqueles que obtiverem mais acertos no desfecho dos elementos da narrativa. O fator da previsibilidade do que se espera que aconteça e que se descubra é primordial aqui. Para esta hipótese, já saber – ou achar que sabe – os desmembramentos do roteiro, dá ao público uma certa familiaridade, ainda que forjada, com a narrativa mostrada. Desse modo, o horror projetado na tela já não é mais desconhecido, pois já se sabe o que esperar (mesmo que nada se confirme), pois é o desconhecido o que aterroriza. E não somente ele, mas o desconhecido misturado ao horrífico, que tende a ser ainda mais avassalador.

5.2.3 Hipótese Didática

Essa hipótese aborda a questão de que assistimos a filmes de horror com o objetivo de aprender a como nos portar em situações semelhantes, ou seja, os filmes do gênero teriam funções didáticas, através dos quais aprenderíamos como sobreviver em casos extremos. Como agiríamos se ocorrer um apocalipse zumbi, por exemplo? É comum encontrar pessoas que tenham todo um plano engendrado em sua mente, para pôr em prática se isso um dia for mesmo acontecer. E esse plano, muito provavelmente, foi orquestrado a partir de uma compilação de cenas em filmes de zumbis que sob o seu ponto de vista deram certo, ou que não deram muito certo na ficção, mas se fizessem algumas pequenas mudanças poderiam funcionar na vida real.

Inclusive, muitos filmes já se ocuparam de fazer sátiras dos clichês dos filmes de horror. Por causa das ficções de horror, todos sabemos que não devemos subir as escadas e tentar nos esconder em algum cômodo caso haja um serial killer em nossa casa, o mais correto é sair pela porta da frente ou dos fundos – a que estiver mais próxima e com menos obstáculos. Sótãos e porões? Nem pensar. Ademais é melhor mesmo evitar esses lugares ao visitar aquele

seu vizinho esquisitão se não quiser ter uma desagradável surpresa. Falando em vizinhos, desconfie sempre. Por trás daquele sorriso simpático e personalidade carismática pode existir um ser humano desprezível que sequestrou três meninas e as faz de reféns há mais de 15 anos. Nesse caso, se puder, tente sim, descobrir o que ele guarda no porão, afinal, você pode estar salvando três vidas.

Outro ensinamento que podemos tirar dos filmes de horror é o de que para acabar com um zumbi faminto devemos atirar na cabeça, ou dar um jeito de degolá-lo. Podemos atear fogo também, mas a depender da situação essa opção pode nos dar mais trabalho ou nos colocar ainda mais em perigo, se por exemplo, estivermos lutando com o zumbi em um recinto fechado.

Aliens? Evite tocá-los ou se aproximar demais. Eles podem ejetar líquidos viscosos altamente tóxicos que queimaria sua pele até derretê-la, ou o que é pior: pode ser usado como uma armadilha para te imobilizar e te fazer de hospedeiro para chocar seus ovos e dar cria a novas criaturas.

Lobisomens? Essa é antiga, bala de prata. Vampiros? A boa e velha estaca de madeira cravada no coração nunca falha. Fantasmas? Bem, nesse caso, os filmes mostram que raramente você terá alguma chance. Mas, se o objetivo deles for apenas ficar com a casa onde sempre moraram – e que, por isso, a vizinhança chama de casa mal-assombrada, devido à movimentação e aos sons estranhos de lá –, apenas vá embora, e os deixe em paz que é melhor. Possessão demoníaca? É, não tem muito jeito, melhor mesmo chamar um exorcista. E se for o demônio em pessoa, sem intermediários? O meu conselho: tente ser criativo e bolar alguma coisa nova. Afinal, não está fácil para ninguém vencer o próprio diabo.

Outro tipo de conhecimento que poderíamos adquirir por meio dos filmes de horror e, portanto, também se encaixa na minha Hipótese Didática, é o fato de que podemos aprender como vivem determinados segmentos da sociedade retratados pelos filmes, como os Amish, por exemplo, o que ocorre no filme “A Vila” (The Village, Dir. M. Night Shyamalan, 2004), em “Onde o Diabo se Esconde” (Where the Devil Hides, Dir. Christian E. Christiansen, 2014), e no “The Season” (Dir. Adam Edward Brooks, 2008) – sem título brasileiro. Também podemos ter uma noção de como viviam as pessoas no século XVII no meio rural dos Estados Unidos, como em “A Bruxa” (The VVitch: A New-England Folktale, Dir. Robert Eggers, 2015). Ou, ainda, como é a vida de jovens estudantes em campi universitários, como em “Pânico 2”

(Scream 2, Dir. Wes Craven,1997). Segundo Hanich (2010), filmes como esses satisfazem a nossa epistemofilia, ou seja, nosso impulso humano natural de conhecer, de querer compreender algo de uma certa maneira. Sobre esse assunto discorre Hanich:

Pense em informação e conhecimento: O fato de que podemos obter informações e aprender com os filmes não só serve para documentários ou filmes de ficção sofisticados. Embora os filmes que causam medo muitas vezes não possam ser tomados a priori, esses filmes podem, no entanto, satisfazer a epistemofilia – nosso desejo por conhecimento – criando esteticamente impressões vívidas de lugares, tempos e obras de arte desconhecidos. Por exemplo, podemos adquirir percepções sociológicas de como vivem outras classes ou grupos da sociedade. Os exemplos incluem o Amish no thriller de Peter Weir “A Testemunha”(Witness, Dir. Peter Weir, 1985), a América rural em “Sinais” (Signs, Dir. M. Night Shyamalan, 2002), a classe baixa em “Retrato de um Assassino” (Henry: Portrait of a Serial Killer, Dir. John McNaughton, 1986), a jovem elite urbana em um 'filme de terror yuppie' como “Instinto Selvagem” (Basic Instinct, Dir. Paul Verhoeven, 1992), a vida nos projetos como em “O Mistério de Candyman” (Candyman, Dir. Bernard Rose, 1992) ou cultura do campus “Pânico 2” (Scream 2, Dir. Wes Craven,1997). (HANICH, 2010, p. 06).

Através dos filmes também podemos entrar em contato com outras formas de arte, principalmente a literatura. Isso se dá quando os filmes fazem versões – umas mais fiéis aos originais do que outras – de obras literárias, é o caso de “Drácula de Bram Stoker” (Bram

Stoker’s Dracula, Dir. Francis Ford Coppola, 1992), e “Frankenstein de Mary Shelley” (Mary Shelley’s Frankenstein, Dir. Kenneth Branagh, 1994). Filmes como esses no contam e fazem

interpretações dos clássicos romances.

5.2.4 Hipótese do Deslumbramento

De todas as quatro, essa é a mais simples de todas as minhas hipóteses, porém acho válida trazê-la à discussão mesmo assim. A Hipótese do Deslumbramento diz respeito à parte do público do horror que vai ao cinema para ser deslumbrado, para sentir um emaranhado

de sensações que não saiba nem explicar direito, nem compreender. Fazem parte desse público os espectadores que preferem filmes com muitos efeitos especiais, muita ação, muito movimento de câmera, muito sangue, muitos gritos, muito sofrimento, muitas mortes, muitas explosões, muitos ataques, muitos monstros e criaturas estranhas, tudo “de muito e ao mesmo tempo agora”, visando serem mergulhados num oceano de emoções e que seus sentidos sejam bombardeados a todo o momento. Esse fascínio é descrito por SIPOS (2010) de uma forma bem direta e que ajuda a compreender essa minha abordagem:

O apelo do horror é pessoal. Para alguns pode ser principalmente catarse. Mas os melhores filmes de horror enervam, e até mesmo fascinam, as audiências de maneiras profundas. Assistir a um filme de horror é como ficar em pé na beira de um precipício. Você sente medo, mas também uma sensação de maravilhamento e assombro. (...). Ameaças não naturais evocam uma qualidade diferente de medo comparada a ameaças naturais. Encarar o não natural é ter um vislumbre do divino. (SIPOS, 2010, p. 249).

Esse maravilhamento e assombro provocado pelos filmes de horror nos coloca numa posição de inferioridade com relação ao que pode existir na natureza e ainda não conhecemos e, portanto, também não compreendemos. Ocorre um atordoamento dos sentidos diante do inexplicável horrífico e sangrento.

Podemos comparar essa hipótese do deslumbramento com o efeito obsessivo que alguns thrillers provocam no espectador. Quando as pessoas assistem sem se preocupar muito com o resultado da descoberta inerente ao enredo. É a saga pela saga. Grodal (1997) explica um pouco isso:

Existem alguns tipos de ficção criminosa e “thrillers” nos quais o espectador se torna cada vez mais alienado de uma identificação com a ação fictícia e com o protagonista fictício. Os atos perdem seus aspectos voluntários e tornam-se obsessivos, como quando, por exemplo, uma perseguição a um objeto parece ser conduzida por mecanismos involuntários e não-conscientes. (GRODAL, 1997, p. 168).

Os espectadores que fazem parte dessa hipótese não procuram racionalizar muito sobre o enredo que estão assistindo, inclusive, arrisco a dizer que eles preferem mesmo não pensar sobre isso. O plot necessariamente precisa ser o mais simples possível para não dar muito trabalho para sua compreensão e não perder tempo fazendo descobertas ou conjecturando justificativas.

Os espectadores que estão dentro desse espectro da Hipótese do Deslumbramento são afeitos aos subgêneros mais sangrentos do cinema de horror, como o gore (também chamado de splatter) e o torture porn. Além do exagero visual e da exacerbação dos sentidos, o fator primordial para que essa hipótese seja aplicada é o público sair totalmente deslumbrado, extasiado da sala do cinema pelo simples deleite da violência explícita, gratuita. E a estética plástica visual dos filmes contribui totalmente para este feito.

Bem, todas as teorias citadas por mim nesta tese, inclusive as hipóteses que elaborei, são apenas tentativas para explicar a nossa atração pelo horror. E, concluo afirmando que apesar de todos os esforços, meus e de outros intelectuais, este é um assunto tão vasto que parece não ter fim, logo, estejamos preparados para o surgimento de ainda mais novas teorias do horror em um futuro próximo.