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Capítulo IV – A EDUCAÇÃO NO JORNAL “O PANORAMA”

2. Propostas de Reorganizar o Ensino

2.2. Proposta de Silvestre Pinheiro Ferreira

Referente à proposta apresentada por Silvestre Pinheiro Ferreira, sabemos que, entre todas as que foram apresentados, é a mais completa. Era defensor de um verdadeiro sistema nacional de educação, salientando que “só mediante um sistema arrazoado da educação nacional, é que se pode esperar pôr um termo à deplorável anarquia” (Pan 1844: 79).

S. P. Ferreira mostra como são compostas as diversas profissões e, refere que, todas podem ser apresentadas mediante três classes de pessoas: uns, com uma enorme habilidade, muito dotados; outros, que não sendo génios, conseguem, contudo, realizar o trabalho que lhes é destinado; por últimos, aqueles que são considerados inaptos, que não conseguem realizar seja o que for. Esta realidade revela-se negativa, uma vez que são estes últimos que se encontram em maior número. Mas são estes os que as pessoas preferem, uma vez que praticam preços mais baratos. Assim, os bons, ficam mais desfavorecidos em prol dos que não têm habilidade para nada e apresentam obras más.

Este tipo de situação gera descontentamento, uma vez que são estas pessoas as causadoras da desmoralização das famílias devido ao seu comportamento, não conseguindo, deste modo, transmitir os valores necessários aos filhos. Por outro lado,

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ocupam lugares de Estado sem possuírem conhecimentos necessários para lá continuarem e desempenharem um bom papel.

E era esta a realidade que existia em 1844, gerando necessidade de remodelações urgentes para bem do país e para bem de todos.

Entre as propostas apresentados, Pinheiro Ferreira salienta a urgência de, para realizar as reformas, classificar as ciências em teóricas e práticas, isto é, “em ciências propriamente ditas e as artes e ofícios relativamente ao modo de se eles ensinarem e por eles se distribuírem, como meios de subsistência para os particulares e como mananciais de riqueza pública para o Estado” (Pan, 1844: 79). E refere que, embora o discurso do governo esteja cheio de boas intenções, estas não bastam, não chegam para provocar alterações que levem o país ao nível de outros no que respeita à educação e respetivo desenvolvimento daí advindo.

A instrução primária, na opinião do mesmo autor, deve ser prática e intuitiva, de maneira a que, em vez de cansar os alunos, sirva antes para os distrair, para os fazer gostar do que aprendem, para os motivar a continuar. Ora como competia aos pais, à família, a responsabilidade de educar os filhos e ao Estado a contratação e colocação de professores bem como a construção de edifícios escolares, era urgente corrigir toda esta situação. Deste modo, Silvestre P. Ferreira invoca o seu Projeto de Código Político para a Nação Portuguesa (1839) e o Sistema de Leis Orgânicas (1843).

Nestes dois trabalhos são apresentados os principais traços do sistema a adotar, tanto no ensino das artes e ofícios como no estudo da natureza, tudo feito de maneira que, cada aluno, ao chegar à idade adulta, tenha desenvolvido as competências necessárias para exercer este ou aquele cargo com vocação, uma vez que ao longo dos anos se preparou para tal.

Da mesma maneira, não indica com que idade deve iniciar-se a instrução, mas faz recuar aos anos da infância o estudo da natureza, como que querendo indicá-lo como sendo a base de toda a instrução. Salienta que o ensino primário, isto é, a primeira fase da instrução, deve ir até aos catorze anos de idade, caraterizando-se, por um lado, pela aplicação de métodos intuitivos com evidência para a faculdade dos sentidos e a retentiva da memória e, por outro, o interesse e a enorme curiosidade com que as crianças, desde muito cedo, se aplicam a conhecer os diferentes objetos que existem na natureza (Rodrigues 2008).

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Da mesma maneira, seria de toda a utilidade que, lado a lado com estes conhecimentos, os educandos aprendessem a conhecer a diversidade de utensílios e máquinas que na época existiam e estavam disponíveis, uma vez que serviriam para desenvolver as suas aptidões a par com a curiosidade inerente pelas mesmas.

É quase como uma noção de formação profissional, onde, de um modo generalizado, a prática precede a teoria e os alunos vão aprendendo pelo manuseamento.

Do mesmo modo, o estudo das línguas revelou-se também muito importante e fazia parte do plano do autor que temos vindo a referenciar. Tratava-se de uma proposta que, à época, parecia ser bastante ousada, visando a aprendizagem das mesmas desde a infância.

No estudo da geografia, S. P. Ferreira propunha os estudos intuitivos, uma vez que estavam imbuídos de cariz lúdico, e em vez de serem cansativos eram apelativos e do gosto dos alunos. Da mesma maneira, o autor propôs que a partir dos nove anos de idade, os alunos deveriam ser introduzidos no estudo das leis da física e nos principais fenómenos da química. Quanto ao estudo da história, o mesmo defende que esta deveria ser substituída por uma cronologia, baseada numa ordem sistemática, “tanto no que diz respeito às pessoas como aos acontecimentos” (Pan 1844: 150).

Aposta, do mesmo modo, na educação musical e na educação religiosa e moral, tal como defende a escolha dos brinquedos de caráter lúdico, dando preferência a jogos onde os alunos pudessem demonstrar e exercitar a destreza e a agilidade corporal. Assim, não é de admirar que o autor defenda a educação física como um exercício que aperfeiçoa os sentidos.

Foi este o modelo defendido por Silvestre Pinheiro Ferreira para a instrução primária, salientando a sua importância, uma vez que a partir da mesma poderiam ingressar em estudos mais avançados e que lhes dariam um outro saber e um desenvolvimento necessário para poderem exercer cargos futuros com perfeito conhecimento dos mesmos.

No que respeita à instrução secundária, o mesmo apresenta uma síntese do seu Projeto de Código Político no que se direciona para a progressão dos estudos. Na sua opinião, deveriam ser os alunos a mostrar vontade de ingressar na mesma, pois esta era a porta para ingressarem nos estudos superiores.

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Fica também a ideia de que o Estado, na opinião de S.P. Ferreira, é o responsável número um pela instrução.

Fica-nos a ideia de que a escola justifica-se como sistema difusor e criador de cultura nos indivíduos desde que seja capaz de difundir, eficientemente, aquela tradição, aqueles conteúdos e habilidades para os quais está mais preparada que as demais esferas de socialização: a família e a comunidade. A instrução/educação prepara para compreender e participar no mundo ao proporcionar a cultura que o compõe e a sua história, transformando-se em cultura assimilada subjetivamente, a qual dá a forma que a nossa presença tem perante os bens culturais. Aprende-se cultura nas escolas não para reproduzi-la nem para ser deslumbrado por ela, mas para que seja alimento da subjetividade. A isto chamamos saber, a forma da apropriação pessoal da cultura. E a qualidade na experiência cultural vivida é a preparação mais real e útil que pode e deveria proporcionar a educação.

Acreditamos que, pertencente a outra época, S.P. Ferreira sabia bem vincar aquilo que pretendia, aquilo em que acreditava e, para tal, expressou-o nas páginas de O Panorama, legado que nos fica para a vida.

Quanto aos estudos superiores, o autor reforça o mesmo critério do anterior, isto é, deve ingressar-se nos estudos superiores com vista a adquirir uma profissão e aptidão para a exercer; para tal acontecer, nos últimos anos do ensino secundário o aluno deveria alcançar a classificação de “distinto”. Desta maneira, só os melhores alunos, aqueles que se esforçassem, poderiam continuar os estudos.

Silvestre Pinheiro Ferreira, no artigo baseado no seu Código, sugere quatro academias para o país com a seguinte distribuição: Lisboa, Évora, Coimbra e Porto. Por sua vez, cada academia seria formada por quatro faculdades:

• Ciências físico-matemáticas. • Ciências morais e políticas. • Literatura.

• Belas Artes.

• Por sua vez, estas faculdades seriam divididas em seções, distribuídas da seguinte forma:

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• Matemáticas puras; Matemática aplicada à mecânica, às artes e à astronomia; Zoologia e Ciências Médicas; Agricultura e Botânica; Química e Ciências Mineralógicas; Ciências Militares; Ciências Marítimas.

• Ciências Filosóficas; Ciências Jurídicas; Estatística e Ciências Comerciais. • Antiguidades; Linguística e História.

• Desenho, gravura e litografia; Escultura; Pintura; Arquitetura; Artes Teatrais. Ficavam, pois, distribuídas em quatro categorias-

Embora sujeitas à Direção Geral dos Estudos, estas academias trabalhariam independentemente umas das outras.

Acordando com o Projeto de Código Político, as atribuições destas academias seriam:

• Dirigir o progresso do ensino público, cada seção na respetiva especialidade, salva a subordinação hierárquica, tanto aos conselhos da correspondente faculdade, como da direção geral.

• Prover ao estabelecimento, conservação e regime das livrarias, museus, gabinetes, e mais objetos concernentes ao ensino e cultura das ciências e das artes.

• Expedir os competentes diplomas, tanto aos que obtiveram graus académicos, como aos que forem eleitos membros das academias.

• Prover a que os literatos e artistas, a quem faltar emprego por via da indústria privada, o obtenham em objetos de público serviço e por conta do Estado.

• Sustentar correspondência com as outras sociedades literárias, e com os sábios e artistas, nos países estrangeiros; e fazer viajar pessoas escolhidas, a fim de coligirem as notícias que os conselhos das seções entenderem que cumpre obter a benefício da respetiva repartição.

• Propor, e repartir pelos seus sócios, trabalhos úteis ao ensino ou ao desenvolvimento e progressos de cada ramo dos conhecimentos humanos.

• Propor anualmente programas com prémios proporcionados, a que concorram os nacionais e os estrangeiros que para isso se julgar habilitado.

Deste modo, esta organização teria como resultados primeiros, a formação de habilidosos opositores em todos os ramos da instrução, de onde sairiam os substitutos e

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os docentes- lentes, como eram conhecidos então- de acordo com as necessidades das diferentes cadeiras a lecionar. (Rodrigues 2008).

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