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Capítulo IV – A EDUCAÇÃO NO JORNAL “O PANORAMA”

2. Propostas de Reorganizar o Ensino

2.3. Proposta de José de Torres

Este autor radicava na ideia de que na cultura do espírito residia toda a civilização. Acreditava que o desenvolvimento e a civilização de um povo alicerçavam-se na instrução. Esta ideia, também já foi por nós referida ao longo destas páginas.

Com efeito, a identidade é tudo aquilo pelo qual acreditamos que somos alguém determinado, que nos singulariza e faz com que nos sintamos diferentes, total ou parcialmente, dos demais. É algo que adquirimos como consequência da nossa passagem por grupos sociais e por termos experiências diversas. Sentir-se alguém que tem uma determinada identidade é uma característica e uma necessidade básica da personalidade, que dá consistência ao “eu”, que dá continuidade e estabilidade à nossa presença nas relações sociais que a nossa instrução nos permite manter, que é a base da estima que sentimos por nós próprios e que serve para entender os demais, uma vez que nos assemelhamos ou nos diferenciamos deles.

A instrução, para vários autores entre os quais poderemos referir Elias (1994), foi considerada um referente para a identidade no sentido moderno, devido à insuficiência radical do ser humano no nascimento, que nos converte em seres culturais, especialmente dotados e dispostos a aprender.

Rosseau (1963: 36), na sua obra Emílio, afirmava: “Nascemos fracos, temos necessidade de força; (…); nascemos estúpidos, temos necessidade de juízo; tudo o que não possuímos pelo nosso nascimento e do qual temos grande necessidade quando formos maiores é-nos dado pela educação”. Esta maneira de pensar mostra-nos as raízes originais do projeto moderno de educação, construtor da racionalidade e de todo um modelo, radicando na assimilação racionalizada da cultura.

Deste modo, podemos afirmar que e educação e a escolarização dotam o ser humano de identidade, segundo o sentido moderno dado a esta. Através da instrução desenvolve-se um processo de socialização secundária de tal relevância, que deixa marcas definitivas no ser humano, passando a fazer parte da nossa identidade, no sentido ilustrado.

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Assim, José de Torres referia que, “na cultura do espírito, (…), na moralidade de um povo, está toda a sua civilização” (Pan 1853: 266).

Do mesmo modo, depositava todas as esperanças na nova geração, geração que tinha como responsabilidade instruir os mais jovens, dotá-los de educação, de saber, de novos e melhores conhecimentos. Deveria olhar-se para cada um não como mais um número mas sim como um homem, um homem capaz de respeitar as regras, a sociedade, o seu semelhante, visto que a educação conferia-lhe todas estas faculdades.

Uma vez mais reiteramos a importância da escolarização, da instrução, da educação, sendo que as instituições escolares responsáveis pelo ensino, são meios ecológicos de socialização especializada, cuja influência é complementada por outros ambientes: família, sociedade a que se pertence, amigos, etc. No seu sentido amplo, a educação não se esgota nas aulas, uma vez que é a soma da concorrência de todos esses âmbitos socializadores.

Desta maneira, era necessário derrubar determinadas barreiras para a apropriação e difusão dos conhecimentos, e, por isso mesmo, cada homem deveria ser considerado como único e não entendido como mais um número para engrossar estatísticas.

O mesmo autor reforça a importância do ensino primário, pois é dele que partem todas as bases futuras, e funciona como uma porta de entrada para outros estudos que se lhe seguirão. Para tal, muito haveria ainda a fazer para que a mesma se revelasse eficaz, muitas arestas teriam ainda de ser limadas e aperfeiçoadas.

Portugal encontrava-se numa fase de um elevado atraso em diversos parâmetros; neste caso, interessa-nos a educação pois é ela que temos vindo a referenciar. Assim, haveria que trabalhar para preencher as lacunas, para aperfeiçoar práticas, e todos os esforços deveriam convergir no mesmo sentido.

Contudo, apesar da promessa feita pelo autor de mostrar “como por meio da Associação se deve e pôde secundar a ação do Corpo Legislativo, no mesmo sentido da reforma e propagação da instrução elementar”, não o fez, pelo menos através das páginas do jornal em questão e de que temos vindo a falar.

De qualquer modo, apresenta quatro pontos essenciais a ter em consideração: - Multiplicação de escolas.

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- Boa escolha de livros.

- Obrigação de fazer educar a infância.

A lei teria de fazer respeitar estes quatros pontos, que estavam relacionados com a bondade e eficácia dessa mesma lei orientada para a instrução primária.

Quanto ao primeiro ponto, o autor diz que não podemos evocar a falta de recursos para não se construírem mais escolas. Embora eles não abundem, com boa vontade consegue fazer-se milagres.

Quanto ao segundo, a escolha de bons professores, este critério deve prevalecer, uma vez que é deles que partem os ensinamentos para as crianças. São eles que colocam, por assim dizer, a primeira pedra, de onde mais tarde irá nascer um novo edifício. Os maus professores não podem originar boa obra, então há que ser-se muito criterioso nas escolhas a fazer. Uma vez que os ordenados que estes auferiam eram muito baixos, defendeu também a revisão dos mesmos. Se por um lado se cantavam as virtudes da educação, por outro, não deveriam restringir-se os recursos a ela dedicados nem as políticas educativas poderiam ceder as suas prioridades a outras prioridades.

A atuação do professor depende de considerações sobre a sua formação pedagógica, a sua bagagem cultural, as suas qualidades pessoais, as condições e regulações do seu trabalho, a sua ética profissional e a perceção que têm de si mesmos e do ensino.

Se não forem salvaguardados todos estes parâmetros, como poderemos ter profissionais de qualidade, como poderemos ter os mestres que exigimos para os nossos filhos?

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