• Nenhum resultado encontrado

3 SOCIALISMO, PODER POPULAR E PARTICIPAÇÃO: A FORMAÇÃO DO PT

3.4 O PT na Constituinte 54 

3.4.3 A proposta do PT 63

O PT se destacou na Constituinte por ter sido o único partido a apresentar uma proposta completa de Constituição, projeto esse que foi rapidamente derrotado e serviu muito mais como um demarcador político, dando o tom do que se seria a postura do Partido durante todo o processo. Elaborar uma proposta de Constituição é um trabalho bastante mais complexo, pois envolve pensar em detalhes o funcionamento de todo o país. O PT poderia ter optado apenas por apresentar algumas diretrizes ou propostas gerais, mas, em vez disso, se colocou o desafio de elaborar um projeto completo de Constituição para o país. Para tal, a Direção Nacional solicitou ao jurista Fábio Konder Comparato61 a elaboração de proposta em 1985, que foi entregue em fevereiro do ano seguinte.

Nas resoluções do seu IV Encontro Nacional, realizado em maio/junho de 1986, após definir seu plano de ação política para o período 1986-1988, que passava pelos desafios das eleições municipais, das eleições da bancada constituinte e da atuação política nesse espaço, o PT não consegue entrar no debate do documento elaborado por Comparato e delega para um próximo encontro extraordinário a deliberação sobre o que seria o seu texto final de Constituição, orientando as Direções Estaduais e Municipais e debater a proposta. Tal

61

O projeto foi publicado como COMPARATO, Fábio Konder. Muda Brasil: uma constituição para o desenvolvimento democrático. São Paulo: Brasiliense, 1986.

encontro acaba não ocorrendo e os debates acabaram se concentrando no espaço nacional, sendo o projeto final aprovado em reunião da Direção Nacional ampliada em abril de 198762.

Na proposta de Comparato, as inovações do ponto de vista da participação centravam- se em mecanismos de participação direta, como a possibilidade de emendas à constituição por iniciativa popular e a necessidade de referendo para ratificar emendas relacionadas a direitos e liberdades civis, políticas e sociais e de plebiscito para autorização de criação de novos Estados. Também são previstos mecanismos jurídicos em que qualquer cidadão poderá propor Ação Popular contra atos lesivos do poder público a patrimônio e bens comuns.

O que mais se aproxima da ideia de mecanismos participativos é a noção de um “Conselho Nacional de Planejamento”, bem como a previsão de participação de representantes sindicais nos órgãos da Previdência Social e a participação da comunidade na elaboração do Plano Nacional de Educação. Em todo caso, certamente não refletia o debate e o acúmulo partidário sobre o tema, não havendo qualquer menção ao conceito de Conselhos Populares.

Já na proposta aprovada pelo Diretório Nacional do PT e encaminhada ao Congresso, há uma mudança substantiva no que se refere à temática da participação. Para além dos mecanismos de participação direta, como plebiscito e referendo, e de mecanismos de participação judicial, como a ação popular, o texto ganha um tom mais petista, isto é, muito mais próximo do que eram os debates do PT à época. Cabe destacar que, além da menção explícita aos Conselhos Populares, o texto já prevê a participação e controle social da gestão pública em duas áreas: uma de serviços públicos em geral, com menção explícita a transporte; e nas áreas da saúde, educação, seguridade social e trabalho.

Título I - A Federação

Capítulo 2º. - As Funções e os Servidores Públicos Seção 1 - As Funções Públicas

Conselhos populares

Art. 78. A participação popular nas funções públicas, ao lado de outras formas previstas nesta Constituição, se dará por conselhos populares, na forma do disciplinado em lei.

Título II - Os Serviços Públicos Capítulo 1º. - Disposições Gerais

62Boletim Nacional nº. 27, São Paulo, maio 1987, p. 8. . In: Centro Sérgio Buarque de Holanda (2007). Perseu:

Controle popular na prestação dos serviços públicos

Art. 227. A lei assegurará o controle popular na prestação dos serviços públicos, através de conselhos de usuários eleitos diretamente e que terão competência decisória em questões atinentes aos requisitos fixados no artigo 225.

Parágrafo único. As pessoas responsáveis pela prestação dos serviços públicos, sempre que solicitados por órgãos públicos, sindicatos, ou associações de usuários, prestarão informações detalhadas sobre planos, projetos, investimentos, custos, desempenho, e demais aspectos pertinentes à sua execução.

Capítulo 2º.- A Saúde Sistema Nacional de Saúde Art. 229. É dever do poder público:

III - assegurar, através de órgão específico da União, a formulação, execução e controle da Política Nacional de Saúde segundo as seguintes diretrizes:

d) participação, a nível de [sic] decisão, de entidades representativas da sociedade na formulação e controle das políticas e das ações de saúde em todos os níveis.

Capítulo 3º.- A Educação Plano nacional de educação

Art. 237. Compete à União elaborar o plano nacional de educação, prevendo a participação harmônica da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, no sistema nacional de educação, em todos os níveis.

Parágrafo único. A elaboração do plano nacional de educação contará com a participação de representantes da comunidade, na forma da lei.63

Título III - A Seguridade Social Sistema Nacional de Seguridade Social

Art. 240. As atividades pertinentes à seguridade social serão prestadas exclusivamente pelo poder público através de sistema nacional, coordenado por órgão da União.

Parágrafo único. O sistema nacional de seguridade social será organizado de forma unitária, com desconcentração de funções, garantida a participação, com poder decisório, das organizações de trabalhadores na sua gestão e no controle de suas atividades.

Título IV - O Trabalho

Direitos fundamentais dos trabalhadores

Art. 242. A Constituição assegura a todos os trabalhadores, inclusive os servidores públicos, indistintamente, independente de lei, os seguintes direitos, além de outros que visem a melhoria de sua condições sociais:

63

XXXIII - participar das decisões da política econômica governamental e da gestão dos fundos sociais. 64

Tendo o projeto sido imediatamente rejeitado, o PT se esforçou por manter sua pequena bancada bastante atuante, sempre intervindo e apresentando emendas, cujo foco centrava-se em diretos políticos e sociais, destacando-se os temas do trabalho, reforma agrária, saúde e seguridade. Quanto à participação, ao longo do processo da ANC, o PT apresentou diversas emendas, muito próximas do que está expresso nesse primeiro projeto de Constituição, eventualmente com maior grau detalhamento, mas expressando a criação de mecanismos de controle social, com a previsão de espaços de participação de organizações da sociedade civil, para serviços públicos em geral, planejamento urbano, saúde, reforma agrária, entre outros65. Essa diversidade de conselhos já é indicativa da ação que o PT terá no decorrer dos anos 1990, de constituição de conselhos municipais ligados a políticas sociais, conforme veremos no capítulo seguinte.

É interessante notar que, nos textos elaborados nos casos da saúde e seguridade66, já é possível visualizar as diretrizes do que posteriormente viria a se tornar o SUS e o Sistema Único de Assistência Social (SUAS)67, respectivamente. Nesses dois casos, há que se destacar a incorporação, por parte do PT, das resoluções da 8ª Conferência Nacional de Saúde, conforme mencionado acima.