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Proposta pedagógica, planejamento e prática docente: no vai e vem da

4. E DUCAÇÃO INFANTIL DE QUALIDADE NA ESCOLA DE TEMPO INTEGRAL : POR UMA

4.1. Qualidade e prática pedagógica: textos, contextos, visões e vivências

4.1.5. Proposta pedagógica, planejamento e prática docente: no vai e vem da

Como indicador de qualidade da EITI, a articulação se constitui em um movimento que possibilita a interação direta de três elementos chave na prática pedagógica. Primeiro, o desenvolvimento de um projeto pedagógico participativo, segundo, um planejamento integrado e colaborativo, e terceiro, uma prática docente coerente, que poderá tornar-se perceptível através da consistência do trabalho realizado com as crianças. Nessa parte do texto a intenção foi entender que sentido as professoras davam à articulação no contexto escolar, a partir do que era possível perceber esse movimento, e como se dava a articulação entre elas, que afinal, mesmo se localizando em turnos diferentes, trabalhavam com as mesmas crianças. Machado (2010) faz referência à interação no processo ensino-aprendizagem, argumentando que, para um processo interativo ocorrer, não basta que as pessoas estejam juntas num mesmo espaço, é preciso entender como, onde e quando ocorre a interação que promove a aprendizagem e o desenvolvimento. Nessa perspectiva, assim como a interação é importante na sala de aula, a articulação o é na escola como um todo, a sua prática é fundamental para uma educação de qualidade.

Durante as entrevistas, a palavra articulação não fazia parte do vocabulário comum das professoras, algumas preferiram utilizar termos de significação aproximada como interação, vinculação, união, ligação, considerando-os como essenciais para não haver dicotomia ou fragmentação no trabalho. Ao se questionar se na escola havia essa articulação e através de que aspectos a percebia, as posições oscilaram entre presença, ausência e necessidade desse movimento.

As participantes “A”, “C” e “D” disseram, com poucas variações de fala, que a sua prática pedagógica precisa estar de acordo com o que é cobrado para trabalharem. Mesmo com dificuldades para exemplificar, elas citaram que percebem a articulação na escola através de três elementos: os projetos de trabalho, o trabalho do supervisor pedagógico e o planejamento.

O primeiro refere-se aos eixos temáticos solicitados pela Secretaria Municipal de Educação, e aos projetos paralelos ou “projetinhos” que elas desenvolvem ao longo do ano

letivo. Estes tem curta duração, e estão voltados para temas emergentes relacionados a datas comemorativas e necessidades das crianças como higiene, nutrição, boas maneiras, entre outros. O segundo se anuncia como aspecto mediador do trabalho pedagógico, em virtude de ser a supervisora, aquela que participa das reuniões junto à Secretaria, e que ao conhecer com maior profundidade a proposta, tenta adaptá-la ao contexto escolar. O planejamento aparece como elemento que vincula a prática docente ao projeto da escola, “eu só tenho minha prática bem feita se o planejamento for feito, então eles estão juntos, um ligado ao outro, (...) Então essa é a prática, tem que haver essa articulação, isso é importante senão o trabalho fica solto” (Professora “D”). Ao que indica as falas, parece prevalecer para elas, a avaliação ou as solicitações externas como elementos impulsionadores da articulação, e não as especificidades presentes na escola de horário integral. Outra participante assim se expressa:

Infelizmente eu não vejo essa interação, se eu te falar que vejo eu estaria mentindo porque, não sei se é o sistema, não sei se é porque é o que tem que se cumprir pra secretaria, mas eu não vejo essa interação (...) eu volto a dizer, nossa realidade não é igual a de outras instituições, (...) a realidade de tempo integral não é igual as outras e nós temos muito que mudar pra que ela seja de qualidade (...) nós temos que ter número de funcionários suficientes, nós temos que ter aquele apoio que eu falei no inicio, apoio na hora dormir, apoio às aulas especializadas, diferenciadas (...) que o professor tem condições de fazer isso tudo, tem, nós temos a rotina que tem todos os horários de tudo, mas o professor não é preparado pra tudo, pra ser tão polivalente e se desdobrar desse jeito numa escola (...) (Professora “B”).

Essa fala evidencia que a articulação, como movimento integrador dos diversos elementos da prática educativa, está passando por certa fragilidade. As recomendações contidas no referencial da educação infantil no município (SME, 2008) são para que o trabalho prime pela integração em todas as suas etapas. Embora a fala represente a impressão individual de uma professora, serve como alerta para que a escola repense o seu planejamento, de maneira a abrir mais espaços para o diálogo, visando construir um trabalho mais consistente.

Para aprofundar um pouco mais a questão, a próxima pergunta buscava abordar como se dava a articulação entre elas como duplas de trabalho em horários diferentes. Elas reforçaram os três elementos anteriormente citados, e acrescentaram que os principais modos de se comunicarem são o caderno de campo, bilhetes e telefonemas. O caderno de campo, no qual fazem relatórios sobre as principais dificuldades encontradas e sobre as necessidades dos alunos para que possam mutuamente se ajudar, fica na sala de aula acessível a ambas. A prática de “bilhetagem” implica em pequenos recados que se escrevem e afixam no armário

da sala, e os telefonemas são trocados, esporadicamente, se preciso for. Esses caminhos, em busca de melhorar a qualidade do trabalho, podem ser considerados iniciativas interessantes, uma vez que, segundo as mesmas, encontrar-se pessoalmente é muito complicado, e não faz parte da cultura escolar. Citaram ainda que fazem reuniões, quando surgem necessidades para tal. Mas ao que parece, reuniões para planejamento conjunto dos dois turnos, ou não tem sido realizadas ultimamente, ou não se realizaram de maneira satisfatória para todas. A professora “B” novamente se manifestou levantando algumas questões:

é super importante que aconteça essa interação, principalmente entre os dois professores, e isso não acontece, não vou mentir porque não acontece, a não ser por bilhete, tal aluno tá com febre, tal aluno não tá bem hoje, é bilhetinho pra lá, bilhetinho pra cá, e olhe lá. Na escola de tempo integral tem que ter interação entre todos os funcionários desde quem faz a merenda até quem é o secretário da escola (Professora “B”).

Na percepção dela existe uma distância entre os envolvidos no processo, onde cada um faz a sua parte, e a articulação deixa a desejar.

A Professora “D” disse que a comunicação entre elas acontece, e que a parceria entre a dupla dentro da sala de aula busca atingir os mesmos objetivos para o sucesso do aluno. Para ela, o trabalho que desenvolvem tem uma continuidade, não é isolado. O referencial municipal traz orientações nesse sentido, recomendando que o trabalho das professoras ocorra de maneira articulada e integrada, “se não acontecer essa articulação nas turmas de tempo integral, um trabalho desarticulado poderá trazer prejuízos à aprendizagem da criança, tornando a rotina cansativa e enfadonha para ela.” (SME, 2008, p. 149). Por isso, a organização do tempo da instituição deverá ter abertura à realização de encontros coletivos. Esses encontros, ao fazer parte da formação continuada de professores, gestores, bem como de toda a equipe de profissionais, poderão se constituir como possibilidades para discussões coletivas sobre o trabalho no geral. Para Campos, Fullgraf, Wiggers (2006), essa formação é muito importante, e vários aspectos podem ser colocados em pauta tendo como finalidade melhorias contínuas no contexto escolar.

A preocupação com o arranjo do espaço e com o uso de um leque mais diversificado de equipamentos e materiais precisa também fazer parte dos cursos de formação prévia e em serviço de professores e gestores da educação infantil, para que essas melhorias revertam em benefício para as crianças, em seu cotidiano nas creches e pré-escolas. Compondo-se com essa situação de carência de material pedagógico, de instalações inadequadas e de preparo insuficiente do pessoal, nota-se uma certa despreocupação com a programação educativa desenvolvida com as crianças. Vários estudos apontam para o descompasso entre as concepções defendidas pelos documentos oficiais de orientação curricular, o discurso das equipes de

supervisão, o planejamento das unidades, quando existente, e as práticas observadas no cotidiano (Campos, Füllgraf, Wiggers, 2006, p. 119-120).

As pesquisas dessas autoras apontaram, ainda, que essas situações apesar de serem muito preocupantes nas pré-escolas, parecem mais agravadas nas creches. Constatando também, falta de familiaridade e resistência às situações de avaliação institucional. Os aspectos citados podem ser indícios de um quadro maior de desarticulação do trabalho realizado na educação infantil.

Ao finalizar esse tópico de discussão, é importante ressaltar, que talvez a articulação não deva ser apontada apenas como um indicador de qualidade na EITI, por se constituir em um fenômeno mais amplo, e intimamente relacionado a diversos aspectos componentes do trabalho. Ele é um movimento quase silencioso, mas que ao se analisar, observar, avaliar essa prática, será possível perceber se o trabalho ocorre ou não de maneira articulada. Esse fenômeno não poderia se reduzir a um indicador, ele pode, ou não estar presente em vários indicadores, na forma como eles se relacionam, e na maneira como são colocados em prática no dia a dia da escola. Mas como as coisas não acontecem do nada e nem de forma tão natural, a articulação entre proposta, planejamento e prática docente é considerado na presente pesquisa como um indicador fundamental para a construção de uma prática pedagógica de qualidade nessas escolas, e que é um movimento presente, também, em outros indicadores.

Proposta pedagógica participativa, por exemplo, é um indicador de qualidade na EITI. Isso implica em dizer que a simples existência de um documento denominado PPP na escola não é o bastante, é preciso avaliar: como ela foi construída? Quem participou, e de que forma participou? Que concepções retratam? É possível perceber essas concepções traduzidas na prática? Essas são algumas questões que poderão ser feitas e mesmo observadas no cotidiano escolar na tentativa de capturar se a proposta expressa o pensamento coletivo. Nesse documento, a articulação poderá ser identificada também na forma como prevê o planejamento, a formação dos profissionais, a relação com as famílias, a rotina e a avaliação como um todo. Dessa forma, se houver articulação, o processo educativo poderá se apresentar mais consistente em virtude da busca por coerência tanto nos discursos, quanto nas práticas.

Pelo que vem demonstrando essa pesquisa, a articulação, como fenômeno integrador que prima, entre outras coisas, pelo diálogo no trabalho escolar, pode estar se constituindo em um dos desafios enfrentados à organização de uma prática de qualidade no cotidiano da escola pesquisada. Dando continuidade a essa linha de raciocínio, caberá ao próximo tópico ampliar a discussão, abordando, entre outras coisas, os possíveis desafios enfrentados nesse contexto.