• Nenhum resultado encontrado

Tais análises geraram apontamentos diferentes de alternativas para o desenvolvimento econômico do Brasil, principalmente no que tange ao desenvolvimento do campo brasileiro. Resumidamente, para os cepalinos, a reforma agrária contribuiria para a criação e ampliação do mercado interno e para o desenvolvimento das forças produtivas e, assim, o capitalismo poderia avançar. Para o PCB a reforma agrária ajudaria a realizarmos a etapa nacional- burguesa da revolução brasileira. Para a Escola da dependência, na versão de FHC, os latifúndios improdutivos e, portanto, atrasados tenderiam a desaparecer (serem integrados aos grupos estrangeiros) com a abertura do mercado brasileiro e com o estabelecimento do chamado “Estado Mínimo”. Para Ruy Mauro Marini, a superação do subdesenvolvimento brasileiro

somente seria possível através da via revolucionária não-etapista33.

Destacam-se ainda as análises de Florestan Fernandes e Caio Prado Jr. já que ambos abordam o processo de desenvolvimento no Brasil na perspectiva das lutas e conquistas democrático-populares pelos trabalhadores e trabalhadoras. Segundo eles, as tarefas de cunho democrático-popular, e das medidas necessárias para o desenvolvimento econômico-social do país, eram

de inteira responsabilidade da classe trabalhadora34.

Isto implica dizer que todo o progresso das forças produtivas do campo, que caracterizou a passagem da agricultura brasileira de um período a outro do desenvolvimento capitalista brasileiro, ocorreu sobre a base inalterada da produção de monocultura, para exportação, baseada na exploração do trabalho

33 Isto é, o Brasil não precisaria realizar todas as etapas do desenvolvimento como os países centrais, para sair da condição de subdesenvolvimento.

34 Ver a respeito FERNANDES, Florestan. A revolução burguesa no Brasil. Rio de Janeiro: Editora Guanabara, 1987. PRADO Jr., Caio. A revolução brasileira. São Paulo, Brasiliense, 1966.

88

alheio e na concentração e apropriação privada de terra e de riqueza. A divisão social e internacional do trabalho apresenta-se, portanto, como pilar que determinou e determina os rumos do desenvolvimento do campo brasileiro em geral. O aumento significativo da produtividade acompanha esse desenvolvimento, apesar de não ser acompanhado pelas expressões formais e legais que determinam os índices de produtividade satisfatórios para o cumprimento da função social da propriedade fundiária.

A produtividade econômica não pode subordinar e excluir a produtividade ambiental e social. No atual modelo produtivista, mais do que subordinar e excluir, o agronegócio somente obteve e vem obtendo resultados produtivos “satisfatórios” às custas do meio ambiente e do trabalhador e/ou trabalhadora.

A questão aqui não é de prevalência do critério econômico sob os demais, mas sim do agronegócio necessitar da devastação ambiental e da “superexploração” do trabalho para ser produtivo. É colocar o social e o ambiental a serviço do estritamente econômico, pois do contrário este não seria eficiente e competitivo no mercado internacional.

Para tanto, perdura e prevalece no ordenamento jurídico a posse civil (individual, natural e sagrada) e sua proteção em detrimento da função social da posse agrária, que coloca o critério ambiental, social e econômico no mesmo patamar, devendo serem observados conjunta e simultaneamente.

89 6 - INDICES DE PRODUTIVIDADE

O aumento de produtividade real, verificados nas tabelas em anexo (ANEXO IV) em especial nas lavouras de cana da região de Ribeirão Preto-SP, encontra-se em dissonância com os índices de produtividade estabelecidos, por lei, com base no censo agropecuário do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística de 1975/76.

Em 1975, foram colhidos, em 1 milhão e 900 mil hectares, 88 milhões e 920 mil toneladas de cana, gerando, portanto, uma produtividade de 46,82 toneladas de cana por hectare colhido. Já em 2006, ainda conforme o mesmo material, colheu-se, em 6 milhões e 190 mil hectares, 457 milhões e 980 mil toneladas de cana, gerando uma produtividade de 74,05 toneladas por hectare colhido35.

90

Para alguns especialistas, a produção, por hectare, passou de 60

toneladas de cana para os cerca de 90 e até 100 toneladas atuais.36

Este anacronismo entre os índices de produtividade estabelecidos e os índices de produtividade real tem provocado reações e mobilizações de movimentos sociais que lutam pela terra, em especial o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), conforme divulgado inclusive na grande mídia. Segundo reportagem do Jornal O Globo (2010):

A atualização do índice de produtividade das propriedades rurais é um dos itens da pauta de negociação do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) com o governo e está na justificativa das ocupações de prédios públicos realizadas nesta segunda-feira (19/04/2010) pelos sem-terra. O movimento aponta o Ministério da Agricultura como principal entrave para a atualização do índice. Apesar de a Constituição Federal determinar que a cada dez anos esses índices sejam atualizados, a última modificação foi em 1976.

Tal reivindicação sustenta-se numa hermenêutica jurídica acerca dos índices de produtividade a serem atingidos por um imóvel rural que o exclua da possibilidade de serem desapropriados para fins de reforma agrária.

A Constituição da República Federativa do Brasil, em seu art. 5º, inciso XXII, estabelece que “toda propriedade deverá atender uma função social”. No que tange à propriedade rural, determina, no Capitulo III – Da Política Agrícola e Fundiária e Da Reforma Agrária, em seu art. 184, que “compete à União desapropriar por interesse social, para fins de reforma agrária, o imóvel rural que não esteja cumprindo sua função social”. Em seu art. 186, do mesmo capítulo, discrimina os critérios necessários para que um imóvel rural cumpra a função social: “aproveitamento racional e adequado; utilização adequada dos recursos naturais disponíveis e preservação do meio ambiente; observância das disposições que regulam as relações de trabalho; exploração que favoreça o bem-estar dos proprietários e dos trabalhadores”. (BRASIL, 1988).

A Lei n.8629 de 1993 regulamenta o dispositivo constitucional estabelecendo os cálculos a serem realizados para determinar o nível de produtividade (aproveitamento adequado e racional) de um imóvel rural. E para

36 Folha de S. Paulo, ”Pesquisa triplica espécies de cana e eleva produção” 27 de maio de 2007.

91

isso determina dois índices, o grau de utilização da terra e o grau de eficiência na exploração. Na íntegra:

Art. 6º Considera-se propriedade produtiva aquela que, explorada econômica e racionalmente, atinge, simultaneamente, graus de utilização da terra e de eficiência na exploração, segundo índices fixados pelo órgão federal competente.

§ 1º O grau de utilização da terra, para efeito do caput deste artigo, deverá ser igual ou superior a 80% (oitenta por cento), calculado pela relação percentual entre a área efetivamente utilizada e a área aproveitável total do imóvel. § 2º O grau de eficiência na exploração da terra deverá ser igual ou superior a 100% (cem por cento), e será obtido de acordo com a seguinte sistemática:

I - para os produtos vegetais, divide-se a quantidade colhida de cada produto pelos respectivos índices de rendimento estabelecidos pelo órgão competente do Poder Executivo, para cada Microrregião Homogênea;

II - para a exploração pecuária, divide-se o número total de Unidades Animais (UA) do rebanho, pelo índice de lotação estabelecido pelo órgão competente do Poder Executivo, para cada Microrregião Homogênea;

III - a soma dos resultados obtidos na forma dos incisos I e II deste artigo, dividida pela área efetivamente utilizada e multiplicada por 100 (cem), determina o grau de eficiência na exploração.

§ 3º Considera-se efetivamente utilizadas: I - as áreas plantadas com produtos vegetais;

II - as áreas de pastagens nativas e plantadas, observado o índice de lotação por zona de pecuária, fixado pelo Poder Executivo;

III - as áreas de exploração extrativa vegetal ou florestal, observados os índices de rendimento estabelecidos pelo órgão competente do Poder Executivo, para cada Microrregião Homogênea, e a legislação ambiental;

IV - as áreas de exploração de florestas nativas, de acordo com plano de exploração e nas condições estabelecidas pelo órgão federal competente;

V - as áreas sob processos técnicos de formação ou recuperação de pastagens ou de culturas permanentes, tecnicamente conduzidas e devidamente comprovadas, mediante documentação e Anotação de Responsabilidade Técnica. (Redação da MPV 2.183-56, de 24/08/01).

Atingidos estes dois índices, o imóvel rural, conforme a Constituição e a Lei 8629/93, não pode ser desapropriado para fins de reforma agrária. Conforme a referida Lei, em seu art. 11, os índices devem ser revisados periodicamente de modo a levar em conta o progresso científico e tecnológico

92

da agricultura e o desenvolvimento regional, pelo Ministro do Desenvolvimento Agrário e pelo Ministro da Agricultura, Abastecimento e Pecuária.

A última instrução normativa do Ministério do Desenvolvimento Agrário (BRASIL, 2003), estabelece os parâmetros, índices e indicadores, que informam o conceito de produtividade, reafirmados com base nos dados técnicos do censo agropecuário do IBGE de 1975/1976, contrariando tanto os dispositivos constitucionais quanto a lei complementar citados acima.

Por sua vez, as entidades patronais do campo brasileiro, principalmente a CNA – Confederação Nacional da Agricultura – argumentam que a desapropriação para fins de reforma agrária não deve se sustentar na obtenção do grau de eficiência na exploração da terra, pois, inúmeras e repetidas vezes o agricultor é penalizado por duas intempéries naturais da atividade agrícola, quais sejam: as alterações climáticas e a lei de mercado. Ambas alteram significativamente os preços agrícolas, obrigando os agricultores a alterarem

sua rotina produtiva, o que traz prejuízos momentâneos para a produtividade37.

Partindo do exposto até o momento, entende-se que os critérios estabelecidos para se avaliar a produtividade de um imóvel rural, com base em estatísticas da década de 70, desconsideram todo o avanço tecnológico produzido no campo, com sua industrialização e financeirização, e mais do que isso, as contradições deste modelo produtivo, que dizem respeito às suas expressões na relação jurídica de posse e de sua proteção.