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4 PROBLEMÁTICA DA CONCRETIZAÇÃO DOS DIREITOS DA

4.3 INAFASTABILIDADE DA PRESTAÇÃO JURISDICIONAL

4.3.3 Proteção através da norma de direito material

Como antes se observou, o dever de proteção dos direitos da personalidade no que pertine as normas infraconstitucionais, pode ser consignado na própria norma de direito material. Nesse caso, a regra processual atuará na hipótese de ameaça ou de efetivo descumprimento dessa norma material. Destro desse raciocínio, MARINONNI153 adverte que esse dever de proteção do Estado é implementado, antes de tudo, “...por meio de normas de direito material, e apenas em um segundo plano, por meio de normas processuais”.

Desse modo, além da tutela administrativa, conforme anteriormente declinado, desponta a proteção jurisdicional, decorrente da busca pelo cidadão, de uma ação positiva de natureza fática ou normativa. No âmbito do direito a essa última proteção, destinguem-se as normas de direito material e as de direito processual, sendo que entre as primeiras, destacam- se os próprios direitos fundamentais, elencados no art. 5° da Constituição de 88. Alí, encontram-se protegidos bens como a vida, a saúde, a educação e o meio ambiente, dentre outros direitos igualmente assegurados.

Ao que se procura demonstrar, a proteção aos direitos da personalidade pode vir (e normalmente vem) expressa na própria norma de direito material, prestando, assim, a tutela primária. Essa, inclusive, constitui-se a mais básica forma de tutela dos direitos da personalidade, uma vez que não só dotadas de caráter protetivo, como também capazes de impedir um não fazer ou a adoção de determinada conduta, tanto aos particulares como ao poder público.

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Como exemplo de normas de direito material que trazem íncitas a proteção aos direitos da personalidade, emergem alguns artigos constantes do capítulo II do atual Código Civil. Entre eles, desponta o já citado art. 11 que, expressamente, assegura a irrenunciabilidade dos direitos da personalidade. Outros existem ao longo do nosso ordenamento, como o art. 18 do decreto n. 88.381/83, que confere proteção ao meio ambiente, ou o art. 1 da Lei 10.744/2002, que dispõe sobre a assunção, pela União, de responsabilidade civil perante terceiros no caso de atentados terroristas, atos de guerra ou eventos correlatos nas hipóteses que menciona.

Enfim, algumas normas de direito material são, efetivamente, regras de proteção dos direitos fundamentais do cidadão. Fato que torna imperiosa a existência de uma ação voltada para a tutela da própria norma, ou seja, uma ação que vise efetivar a norma protetiva. No caso, oportuno lembrar, que a noção de tutela de um direito é bem mais ampla do que a simples referência legal de resguardo desse direito.

A tutela efetiva de um direito, supõe uma estruturação de meios e a definição de uma orientação, de uma direção. No caso dos direitos da personalidade, não há como negar que a vigente ordem constitucional adotou o modelo de acesso irrestrito ao provimento jurisdicional. Dentro desse quadro, o direito processual tem se mostrado atento aos princípios da efetividade e da instrumentalidade.

O primeiro vem de tal forma se destacando no sistema processual que, hoje, lhe é conferido o status de princípio autônomo, diverso da idéia de economia ou lógica, embora permaneça a convicção de que, quando se propõe uma demanda, busca-se uma contemplação de máxima efetividade do direito pleiteado.

Não há como negar que, no campo dos direitos da personalidade, revela-se de maior premência a necessidade dessa efetividade. Daí, autores como Jonatas de Paula, defenderem ponto de vista de que a jurisdição, modernamente, deve ser definida de modo crítico já que compreendida “como sendo a real e efetiva solução do litígio posto a conhecimento do poder judiciário...”154.

Dentro desse binômio realidade / efetividade, adequado revela-se o uso da expressão “tutela vertical exauriente e plena”155, como forma de atender a exigência dessa nova realidade. Referida proposição repousaria na questão de se saber qual o meio que possibilita probabilidade de “resolver” o litígio de forma mais completa. Esse meio, ainda segundo esse mesmo autor, repousa na teoria da individualização da causa de pedir que pode ser utilizada nas ações de qualquer natureza.

Desse modo, a solução para esse impasse (realidade/efetividade) estaria na abrangência do provimento jurisdicional e seus atributos, uma vez que, diante da teoria da individuação, o juiz preocupa-se em analisar somente a existência da relação jurídica. Por outro lado, sob a ótica da teoria da substanciação, adotada por nosso código de processo civil o juiz deve analisar os fatos e fundamentos, ampliando, assim, o objeto da demanda.

Mas voltando a tutela de direito material, já que a proteção através da norma de direito processual será desdobrada na sequência, remarque-se que o nosso ordenamento jurídico nunca esteve tão aparelhado para defesa dos direitos da personalidade. No âmbito do código civil, por exemplo, revela-se promissora a iniciativa de sepultar a desregrada liberdade de contratar, em detrimento do bem estar geral da coletividade.

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154 – PAULA, Jonatas Luiz Moreira de. A Jurisdição como elemento de inclusão social: revitalizando o jogo

democrático. Barueri: Nandle, 2002, p. 45.

155 – Na mesma obra e página o referido autor atribui a expressão “tutela vertical exauriente e plena” a Luiz Guilherme Marinoni.

Oportuna, nesse passo, a atitude do legislador ao fazer o princípio da socialidade alcançar os principais ângulos das relações contratuais, em proveito do interesse social. Assim, desde a gênese dos negócios jurídicos, passando pela execução dos mesmos e até às respectivas resoluções, observa-se presente essa preocupação com o interesse processual.

A referência que aqui é feita ás restrições ao princípio da liberdade de contratar deve- se ao fato da mencionada mudança haver sido sentida, com bastante nitidez, no âmbito dos direitos da personalidade. Circunstância esta que decorre da sua característica de indisponibilidade, no caso, tão fortalecida, que leva a interpretação dos contratos envolvendo os direitos da personalidade, a serem interpretados restritivamente como no caso dos contratos que envolvem direitos autorais. Nesses contratos, se uma cláusula é posta no sentido de permitir, por exemplo, a utilização da imagem de um modelo ou de uma obra de um autor em certo evento ou determinada revista, não há como se interpretar essa disposição no sentido de ampliar a exposição como já decidiu o STJ no propalado caso Maitê Proença156.

Ainda no tocante a tutela de direito material, por fim, é de se chamar a atenção para o fenômeno da descodificação, representado pela normatização da matéria atinente aos direitos da personalidade em corpos legislativos autônomos, muitas vezes tratando diretamente de aspectos processuais e materiais, de forma isolada na ordem infraconstitucional. Esses microsistemas se relacionam com outras leis de igual hierarquia de forma independente, embora sua relação com a Constituição seja derivada e vinculada, já que tem como função dar letra a aspiração constitucional, fonte primária do ordenamento jurídico.

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156 – Nesse caso, o STJ decidiu que o contrato celebrado com a revista Play Boy, cingia-se á exposição da atriz, somente naquela revista, condenando o veículo responsável pela segunda exposição á reparação material e moral.

Aliás, nunca a diferenciação entre ordem e ordenamento jurídico se fez tão presente, com a Constituição representando a própria ordem ou forma como se ordenam os valores jurídicos políticos e sociais do país. Nesse contexto, o direito civil tendo em vista sua ligação com o direito constitucional passou a ser denominado passou a ser denominado de direito civil constitucional.

Aceitos ou não essa adjetivação, qualquer análise que se faça do direito civil não pode independer da reflexão sobre as bases de sua estruturação constitucional, pois como constatou Gustavo Tepedino157:

A doutrina debruça-se na tarefa de construção de novos modelos interpretativos (...) Afinal, o momento é de construção interpretativa e é preciso retirar o elemento normativo todas as suas potencialidades, compatibilizando-a a todo custo, a Constituição da República (...). As revéz, parece indispensável manter-se um comportamento atento e permanentemente crítico em face do Código Civil, para que, procurando conferir-lhe a máxima eficácia social, não se percam de vista os valores consagrados no ordenamento civil constitucional.

O fato é que, como já salientado no capítulo 3.3, o Código Civil brasieliro, principalmente na sua parte geral, reflete uma substancial mudança no direito civil, hoje, reconhecidamente, parte de um ordenamento cujo valor maior é voltado para a proteção da pessoa humana. Ainda que os direitos da personalidade possam ser associados a um conteúdo mínimo, a efetivação desses direitos conforme assinala Adriano de Cupis158. Verbis:

Existem certos direitos sem os quais a personalidade restaria uma susceptibilidade completamente irrealizada, privada de todo o valor concreto: direitos sem os quais todos os outros direitos subjetivos perderiam todo o interesse para o indivíduo o que equivale a dizer que se eles não existissem a pessoa não existiria como tal. São esses os chamados direitos essenciais, com os quais se identificam precisamente os

direitos da personalidade.

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157 – TEPEDINO, Gustavo. A Tutela da personalidade no ordenamento civil-constitucional, in: Temas de direito civil, 3 ed. Rio de Janeiro, Renovar, 2004.

Nesse mesmo sentido, Carlos Alberto da Mota Pinto159, bem mais recentemente, também refere-se a essa essencialidade, aludindo aos direitos da personalidade que integram “...um círculo de direitos necessário; um conteúdo mínimo imprescindível na esfera jurídica de cada pessoa”. Ressalte-se que o registro que agora se faz, impõe-se em razão do objetivo específico do presente trabalho. O esforço em se demonstrar a eficácia e efetividade dos