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Proteínas envolvidas na adesão e formação da interface simbiótica

3.3 DISCUSSÃO

5.1.1 Simbiose ectomicorrízica

5.1.1.3 Proteínas envolvidas na adesão e formação da interface simbiótica

Para que se verifique a formação de estruturas ectomicorrízicas (manto e rede de Hartig) é necessário que ocorra o contacto físico entre o fungo ectomicorrízico e a superfície radicular (o designado, contacto célula-célula). Logo após contacto com a planta hospedeira, verificam-se alterações morfológicas ao nível do crescimento do fungo ectomicorrízico, que se caracteriza por um aumento da ramificação e do intumescimento das hifas (Figura 5.3). Estas alterações morfológicas são ainda acompanhadas por um aumento da divisão nuclear (Martin & Tagu, 1995). Não se

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conhece ao certo qual o sinal ou o mecanismo responsável por estas alterações morfológicas. No entanto, e considerando que no caso dos fungos patogénicos a virulência parece ser induzida pela limitação de azoto, a deficiência de nutrientes na zona envolvente da raiz poderá constituir um dos sinais desta modificação morfológica (Barker et al., 1998). Exsudados radiculares e a topografia da superfície radicular podem igualmente potenciar a ramificação e o intumescimento das hifas (Tagu et al., 2002). Estas modificações morfogénicas parecem constituir um indicador da compatibilidade da interacção entre os parceiros simbióticos (Peterson & Bonfante, 1994).

No processo de adesão do fungo à raiz da planta hospedeira estão envolvidas várias classes de proteínas com propriedades específicas ao nível da adesão celular, secretadas pelo fungo ectomicorrízico (Figura 5.3). Estudos de análise ultraestrutural da zona de interface fungo ectomicorrízico-raiz, nos estádios iniciais de colonização, revelaram a presença de um material fibrilar rico em glicoproteinas (adesinas), proveniente da parede fúngica em direcção à raiz (Lei et al., 1990a; Lei et al., 1990b; Martin et al., 1999; Rincón et al., 2001). As adesinas são complexos proteicos que reconhecem e se ligam a receptores na superfície das células da planta, participando na adesão das hifas à superfície radicular no desenvolvimento ectomicorrízico (Martin et

al., 1999; Gross et al., 2004). Estas adesinas desempenham igualmente um papel

importante na agregação do micélio, aquando da formação do manto, nos estádios finais da micorrização (Martin & Tagu, 1995).

As lectinas parecem ter uma função semelhante às adesinas, no processo de adesão fungo-raiz nos estádios iniciais da formação ectomicorrízica, podendo também intervir nos estádios finais da micorrização. Em raízes de Picea abies inoculadas com

Lactarius deterrimus foi detectado um aumento de secreção de lectina pelo fungo

ectomicorrízico, a qual se acumulava preferencialmente junto aos pêlos radiculares e aos ápices das raízes secundárias da planta hospedeira (Giollant et al., 1993). Contrariamente, a expressão diferencial de genes, durante o desenvolvimento ectomicorrízico estabelecido entre Betula pendula e Paxillus involutus, evidenciou uma repressão dos genes de lectina fúngica durante os estádios iniciais da micorrização, os quais eram induzidos aos 14 dias após inoculação (Le Quéré et al., 2005).

A pesquisa de genes diferencialmente expressos durante as interacções ectomicorrízicas tem contribuído muito para a identificação de outras classes de

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proteínas com funções de adesão. Na interacção ectomicorrízica Pisolithus – Eucalyptus foi possível detectar a expressão diferencial de genes fúngicos que codificam proteínas hidrofóbicas - as hidrofobinas (Tagu et al., 1996; Duplessis et al., 2001; Voiblet et al., 2001; Peter et al., 2003; Duplessis et al., 2005). Estas proteínas são normalmente secretadas pelo fungo para o meio extracelular ou são depositadas sobre a superfície da parede celular fúngica. As hidrofobinas apresentam uma distribuição conservada de oito resíduos de cisteína na sua sequência aminoacídica, os quais estabelecem ligações dissulfureto entre si (Linder et al., 2005). Cada molécula possui duas partes nitidamente diferenciadas, uma porção hidrofílica (que se encontra ligada à superfície celular fúngica) e outra porção hidrófoba (projectada para o meio exterior). Dado tratarem-se de moléculas anfipáticas, conferem hidrofobicidade à superfície fúngica que se encontra em contacto com o ar e também medeiam a ligação entre as hifas e as superfícies hidrófobas. Sendo assim, as hidrofobinas parecem promover a adesão das hifas à superfície da célula hospedeira e por outro a agregação das hifas (Kershaw & Talbot, 1998; Wösten, 2001). A presença de vários tipos de hidrofobinas numa mesma espécie fúngica, como acontece no caso do Pisolithus tinctorius, onde já foram identificados sete genes (designados por HydPt-1 a HydPt-6 e HydPt-8; Tagu et al., 1996; Duplessis

et al., 2001; Voiblet et al., 2001; Duplessis et al., 2005) pode ser relevante na

complementação de funções (Linder et al., 2005). As diferentes hidrofobinas possuem pequenas diferenças estruturais, associadas provavelmente a funcionalidades diferentes, para além de serem diferencialmente expressas durante o desenvolvimento do fungo ou como resultado das condições ambientais (Linder et al., 2005).

A presença de hidrofobinas foi já descrita em pelo menos 20 espécies de fungos pertencentes às classes ascomycetes, basidiomycetes e zigomycetes (Wessels, 1996). Estas proteínas encontram-se ainda descritas como estando envolvidas noutros processos de desenvolvimento dos fungos, como seja, no crescimento aéreo das hifas, na agregação das hifas aquando da formação dos corpos de frutificação (carpóforos), na esporulação e dispersão de esporos em fungos filamentosos, e ainda na infecção de alguns fungos patogénicos de plantas e insectos (Wessels, 1996; Kershaw & Talbot, 1998; Wösten, 2001; Linder et al., 2005). Neste último caso, as hidrofobinas desempenham um papel essencial, uma vez que a penetração e a posterior infecção dependem da adesão do patogéneo à superfície hidrófoba do hospedeiro (Wessels, 1996; Wösten, 2001). Para além do seu papel na adesão entre raiz-fungo no processo de

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colonização das raízes pelo fungo ectomicorrízico, as hidrofobinas têm sido recentemente implicadas no processo de reconhecimento da planta hospedeira e na especificidade do fungo em relação ao hospedeiro (Mankel et al., 2002).

No estabelecimento de ectomicorrizas com Pisolithus tinctorius, a análise da expressão dos genes de hidrofobinas sugerem que estas proteínas provavelmente participam apenas na adesão das hifas à superfície radicular e não na formação do manto fúngico ou da rede de Hartig (Martin et al., 1999), apesar de terem sido detectadas hidrofobinas nas hifas que constituíam o manto e a rede de Hartig da associação Pisolithus–Eucalyptus (Tagu et al., 2001). De qualquer modo, nesta interacção ectomicorrízica, o nível de RNAm codificante de hidrofobinas é induzido nos estádios iniciais do desenvolvimento ectomicorrízico e suprimido ao fim de 4 dias de micorrização (Tagu et al., 1996; Martin et al., 1999). Resultados semelhantes foram obtidos por Sebastiana (2006) ao verificar a sobre-expressão de HydPt-2 e HydPt-3, 12 horas após contacto entre raízes de Castanea sativa e o fungo P. tinctorius. Curiosamente, outros estudos de expressão diferencial de genes, durante o estabelecimento de outras interacções ectomicorrízicas, descrevem resultados contraditórios quanto à expressão de genes que codificam hidrofobinas (Mankel et al., 2002; Johansson et al., 2004; Le Quéré et al., 2005). Existem indícios de que esta expressão possa variar de espécie para espécie fúngica ou planta hospedeira, ou mesmo ser influenciada pela presença de certos nutrientes no substrato, sugerindo uma regulação complexa dos genes de hidrofobinas durante o processo de micorrização (Martin et al., 1999; Santos, 2006).

Uma outra classe de proteínas de adesão foi identificada em P. tinctorius, após a detecção da sua sobre-expressão ao quarto dia de colonização de raízes de Eucalyptus

globulus (Laurent et al., 1999). Estas proteínas - symbiosis-regulated acidic polypeptides (SRAPs) – apresentam pelo menos seis isoformas com uma massa

molecular que varia entre 31-32 kDa. As SRAPs que possuíam uma massa molecular correspondente a 31 e 32 kDa foram designadas, respectivamente, por SRAP31 e

SRAP32. Caracterizam-se por apresentarem a sequência aminoacídica Arginina-Glicina-

Ácido aspártico (RGD) (Martin et al., 1999), vulgarmente associada à adesão em células animais (Critchley et al., 1999) e vegetais (Mellersh & Heath, 2001; Meinhardt

et al., 2002). Em conformidade, estudos efectuados para a localização celular das

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preferencial sobre a superfície das hifas, na interface fungo-raiz e na superfície das hifas que formam a rede de Hartig (Laurent et al., 1999). A sugestão de que as proteínas SRAP estão associadas à agregação das hifas aquando da formação do manto fúngico e também no desenvolvimento da rede de Hartig é ainda corroborada pela análise de genes diferencialmente expressos durante o estabelecimento de ectomicorrizas. Ao fim de quatro dias de micorrização de E. globulus com P. tinctorius é detectado um aumento de transcritos codificantes de SRAP32 (4,1 vezes) e de um novo gene (4,7

vezes) que codifica uma proteína de pequena massa molecular (17 kDa), denominada SRAP17 (Voiblet et al., 2001). Contudo, a participação de SRAPs no desenvolvimento

ectomicorrízico parece decrescer nos estádios finais da micorrização, sendo detectada uma repressão dos genes que codificam SRAP32 e de SRAP17 a partir dos 7-12 dias de

desenvolvimento da simbiose E. globulus-Pisolithus microcarpus (Duplessis et al., 2005).