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Provincialismo: os conselhos do Brasil Império

2 CONSELHOS NO BRASIL

2.1 Provincialismo: os conselhos do Brasil Império

No período colonial, havia no Brasil formas de administração colegiada das municipalidades, como as Câmaras, inspiradas nos conselhos do povo, e assembleias de aldeia reconhecidas nos Forais e extintas com as Ordenações. Havia ainda as Juntas Gerais, funcionando ao lado do vice-rei ou do governador, que eram compostas por autoridades civis, militares e religiosas e deviam ser convocadas e ouvidas sobre assuntos de interesse geral das capitanias ou governadores, como meros conselhos consultivos (OLIVEIRA VIANA, 1999). No entanto, segundo Oliveira Viana (1999, p. 149-150), “o povo-massa nunca teve participação, nem direta, nem de direito, no governo destas comunas, no período colonial. [...] Quando fomos descobertos e colonizados, já dominava a aristocracia dos ‘homens bons’”.

A Constituição Política do Império do Brazil, outorgada em 25 de março de 1824, estabeleceu as bases para a organização político-administrativa da Nação Brasileira, constituída na forma de monarquia constitucional. O território nacional era submetido à autoridade do imperador, com a previsão de repartição formal de funções entre o Executivo, o Legislativo e o Judiciário, além de um Poder Moderador. Muito embora houvesse um nítido centralismo decisório na figura do imperador, essa Carta

Constitucional previa a divisão territorial em províncias, administradas por um presidente da província e um Conselho de Presidência:

A lei constituinte de 20 de Outubro de 1823, deu nova fórma provisoria aos Governos provinciaes.

Confiava o Governo das Provincias a Presidencias e Conselhos que organisava. Erão tratados pelos Presidentes e Conselhos os objectos de demandavão exame e juizo administrativo (SOUZA, 1865, p. iv-v).

Além deles, integrava o governo provincial a figura dos Conselhos Geraes de Provincia, previstos nos artigos 71 a 89 da Constituição de 1824, que formaram a origem histórica das atuais assembleias legislativas estaduais. Eram compostos por representantes eleitos para cumprimento de mandato, entre os cidadãos com idade mínima de 25 anos, probidade e meios de subsistência. Segundo a Assembleia Geral de 4 de dezembro de 1830, “os empregados publicos, civis, ecclesiasticos ou militares, emquanto assistissem ás sessões dos Conselhos geraes de Provincia, de que fossem membros, ficarião isentos de exercer os empregos que tivessem” (SOUZA, 1865, p. 123). Cabia ao presidente da província dirigir fala ao Conselho, na reunião de sua instalação.

Apesar dessas características, que aproximam os Conselhos Geraes dos órgãos legislativos, os elementos referentes às suas atribuições sugerem que eles foram também os precursores dos atuais Conselhos Nacionais de Gestão de Políticas Públicas. Um primeiro aspecto é o reconhecimento do direito do cidadão de intervir nos negócios públicos (SOUZA, 1865, p. 206), como uma forma de exercício da democracia:

Art. 71. A Constituição reconhece, e garante o direito de intervir todo o Cidadão nos negocios da sua Provincia, e que são immediatamente relativos a seus interesses peculiares.

Em seguida, a descrição das atribuições desses Conselhos os torna mais próximos dos mecanismos deliberativos:

Art. 81. Estes Conselhos terão por principal objecto propôr, discutir, e deliberar sobre os negocios mais interessantes das suas Provincias; formando projectos peculiares, e accommodados ás suas localidades, e urgencias.

Por fim, as normas referentes à relação entre os Conselhos Geraes, as Camaras dos Districtos e a Assembléa Geral informam que esses órgãos colegiados locais atuavam por meio de resoluções referentes a negocios e projectos e não contavam com competência legislativa própria:

Art. 81. Estes Conselhos terão por principal objecto propôr, discutir, e deliberar sobre os negocios mais interessantes das suas Provincias; formando projectos peculiares, e accommodados ás suas localidades, e urgencias. Art. 82. Os negocios, que começarem nas Camaras serão remettidos officialmente ao Secretario do Conselho, aonde serão discutidos a portas abertas, bem como os que tiverem origem nos mesmos Conselhos. As suas resoluções serão tomadas á pluralidade absoluta de votos dos Membros presentes.

Considerando que as discussões legislativas cabiam à Assembléa Geral e a execução dos negócios públicos competia ao imperador e aos presidentes das províncias, os Conselhos Geraes constituíam uma figura intermediária, sem poder efetivo e terminativo de decisão, mas com atribuições de analisar e planejar as políticas públicas de interesse local. Dessa forma, atuavam como órgão de assessoramento do presidente da província, autoridade por meio da qual poderiam apresentar projetos de lei ao órgão nacional competente. Nessas relações, os Conselhos Geraes compensavam a sua fraca autonomia decisória com uma ampla capacidade de articulação com as outras instâncias, locais e nacionais, dotadas de efetivo poder político.

Além disso, se as Resoluções dos Conselhos Geraes formalmente não eram vinculantes do ponto de vista jurídico, tinham força suficiente do ponto de vista político, social e econômico. Nesses órgãos estavam representados os membros das classes econômicas mais favorecidas, bem como os membros das classes populares dotados de suficiente capacidade de articulação para disputar e vencer as eleições. Eram, portanto, amostras das lideranças regionais, dos mais diversos tipos.

Os Conselhos Geraes, portanto, funcionavam como um espaço público de corresponsabilização: o cidadão era chamado a exercer sua participação política, por meio de regras alterônomas, emprestando legitimidade e concordância com as estruturas estatais existentes, mas, ao mesmo tempo, ganhava direito de voz e voto em deliberações públicas que, sob a forma de resoluções, exerciam forte influência sobre as decisões políticas da nação. Esses espaços de participação social foram tão apropriados e utilizados pelas lideranças regionais que, em 12 de agosto de 1834, por meio de Ato Adicional à Constituição, suas atribuições foram ampliadas para constituir as Assembléias Legislativas Provinciais, como narra Theophilo Ottoni (1860, p. 30) na época:

Nem por se me haver desviado do congresso constituinte deixei de applaudir as suas deliberações.

Ao contrario, foi com grande enthusiasmo que vi consignado no acto addicional, e conseguintemente fazendo parte da constituição do imperio, o

programma que tres annos antes eu havia offerecido à consideração publica em o n. 43 da Sentinella do Serro, que já transcrevi nesta carta.

Das tres bases propostas por mim só não tinha vingado a abolição da vitaliciedade do senado, que aliás fôra regeitada pela maioria de um voto apenas em sessão promiscua da assembléa geral legislativa.

Os conselhos geraes de provincia estavão convertidos em assembléas legislativas com amplas faculdades.

O Ato Adicional de 1834, que também extinguiu os Conselhos de Presidência, refletiu as contradições do período. Após a abdicação de D. Pedro I, em 7 de abril de 1831, e os levantes armados dos dois anos seguintes, a reforma constitucional foi uma difícil tentativa de alinhar o interesse dos exaltados e moderados acerca dos rumos do império, situação que durou até a edição da Lei Interpretativa do Ato Adicional, na regência de Pedro de Araújo Lima, que manteve as assembléias provinciais, mas diminuiu muitas das suas prerrogativas de autonomia.

Diante de todo esse percurso histórico, o que se pretende ressaltar é que a forma de organização dos Conselhos Geraes de Provincia, em especial as suas atribuições, era bastante próxima dos espaços de participação social direta que existem hoje. Com vinculação territorial, essa pode ser considerada a primeira experiência brasileira institucionalizada de reconhecimento de órgãos colegiados deliberativos de características não legislativas e com participação social. Essa experiência durou até o Ato Adicional de 1834, mas o modelo viria a ser retomado no Período Republicano, em outros contextos.