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3. Psicologia Analítica

3.1 Psicologia Analítica e Religião

“Deus é um mistério, e tudo que dizemos sobre esse mistério é dito e acreditado pelos seres humanos. Fazemos imagens e conceitos, porém quando falo de Deus sempre quero dizer a imagem que o homem fez dele. Mas

ninguém sabe com o que se parece, pois quem o fizesse seria, ele próprio, um deus” (Jung, apud Aranha, 2004).

Jung acredita que “todas as religiões são válidas na medida em que recolhem e conservam as imagens simbólicas oriundas das profundezas do inconsciente e elaboram seus dogmas, promovendo assim conexões com as estruturas básicas da vida psíquica”. (SILVEIRA, 1997:125) Entende religião pelo latim Religio (re – ligare), que quer dizer tornar a ligar, ou seja, ligar o consciente com fatores do inconsciente; fatores estes que têm grande carga energética e intensos dinamismos. “Aqueles que os defrontam falam de uma emoção impossível de ser descrita, de um sentimento de mistério que faz estremecer (mysterium tremendum)”.(SILVEIRA, 1997: 126)

Com concentração da atenção do inconsciente, as religiões provocam também um extravasamento de conteúdos e forças inconscientes na vida consciente, influenciando-a e alterando-a (...) Confere ao conteúdo inconsciente um valor considerável, através de um dogma de fé ou de uma superstição, isto é, por meio de um conceito carregado de emoção. (JUNG, 2007:23)

Para Jung é uma acurada e conscienciosa observação do que Rudolf Otto denomina de numinoso – “ato ou efeito dinâmico não causado por um ato arbritário. Pelo contrário, o efeito se apodera e domina o sujeito humano, mais sua vítima do que seu criador (...) constitui uma condição do sujeito e é independente de sua vontade”. (JUNG, 1987b: 9) A religião é entendida como uma atitude do espírito humano, pois designa uma atitude da consciência, particular, transformada pela experiência do numinoso. Essa vivência do numinoso e a realização de opostos proporcionada pelo diálogo entre o Ego e o Self seria a religiosidade. E o numinoso, segundo Zeni (2005:22), é uma “energia capaz de provocar grandes mudanças através da ativação de emoções conscientes ou não”.

Ainda Jung, diz que as religiões provocam um extravasamento de conteúdos e forças inconscientes na vida consciente, influenciando-a e alterando-a. E que as mesmas se incumbem dessa compensação (material inconsciente em consciente) de diversas formas, “tomando as manifestações do inconsciente como sinais, revelações, ou advertências divinas ou demoníacas”. (JUNG, 2007:23)

O mesmo autor quando fala de religião não diz respeito a uma Igreja ou crença em particular, fala sobre a experiência religiosa como processo psíquico e a atitude religiosa como função psíquica natural. Interessa-se pela simbologia das religiões, pois a linguagem das mesmas é feita de símbolos que atuam sobre a vida dos homens, cada vez mais profundamente. Tais símbolos têm a função de promover o processo de individuação e favorecer a ampliação da consciência através da comunicação entre o inconsciente e o consciente, por isso têm um significado diferente para cada um dos homens (SILVEIRA, 1997; ZENI, 2005)

Gostaria de deixar claro que, com o termo “religião”, não me refiro a uma determinada profissão de fé religiosa. A verdade, porém, é que toda confissão religiosa, por um lado, se funda originalmente na experiência do numinoso, e, por outro lado, também na pistis, na fidelidade (lealdade), na fé e na confiança em relação a uma determinada experiência de caráter numinoso e na mudança de consciência que daí resulta. (Jung, 1987b: 10).

Segundo Aranha (2004), para Jung a numinosidade encontrava expressão ou correspondência na “imagem de Deus” (Imago Dei) de indivíduos que expressassem o conteúdo arquetípico de forma reconhecível. Sendo assim, a função religiosa passava a estar intimamente ligada ao conceito de arquétipo, ou seja, aos elementos primordiais da psiquê humana que “se apresentam como idéias e imagens” (Jung, 1971d: CW 8ii, par. 435 apud ARANHA, 2004).

Jung (1987b) afirma que a experiência do arquétipo da divindade apresenta-se como um impacto violento ao ego a ponto dele correr risco de se desintegrar. E que, como meio de defesa a esse encontro violento com essa existência forte, o homem criou rituais como as cerimônias religiosas, onde as energias existentes no psiquismo dirigem-se e articulam-se em busca à totalidade. “Grande número de práticas rituais são executadas unicamente com a finalidade de provocar deliberadamente o efeito do numinoso, mediante certos artifícios mágicos como p. ex. a invocação, a encantação, o sacrifício, a meditação, a prática de ioga, mortificações voluntárias de diversos tipos, etc.” (JUNG, 1987b: 9) Pois estas se originaram como necessidade de proteção e funcionam como anteparo entre o divino e o humano, “isto é, entre o arquétipo da imagem de Deus, presente no inconsciente coletivo, e ego”. (p 133)

Para Jung, o arquétipo de Deus tem grande relação com o self, instância que abriga a imagem divina na psique, que seria um princípio organizador da personalidade capaz de dar significado ao símbolo. Segundo Zeni (2005), “assim como Deus, o arquétipo do Self só pode ser conhecido pela sua expressão no mundo concreto, uma vez que está além dos limites da consciência racional e da sua capacidade de apreensão”. (p 25) O que mostra que a vivência desse arquétipo (Self) é ao mesmo tempo vital e perturbadora para o homem, pois é carregada de intensa e profunda experiência, assim como a vivência do arquétipo da divindade (citado acima).

Quando acima foi mencionado o self como estrutura totalizadora deste processo, quis-se evidenciar que para tanto é necessário o engajamento do ego que irá responder às solicitações do processo de individuação, o qual Jung conceitua como sendo “o processo pelo qual os seres individuais se formam e se diferenciam; em particular, é o desenvolvimento de um indivíduo psicológico como um ser distinto da psicologia geral e coletiva”. (Jung, 1971b: CW 6, par. 825). Esta “individuação”, ou seja, este “ato auto- realizador” se torna um ato de significação religiosa, uma vez que confere significado ao esforço individual. De outro modo, poder-se-ia dizer que o “ato de viver” se dá por meio de uma dinâmica dialética onde conflitos e resoluções interagem constantemente dando significado a existência humana. No âmbito das interações entre indivíduo e psique coletiva, entende Jung que a existência de uma atitude religiosa viva e válida é o único meio capaz de promover esta conciliação. (Aranha, 2004)

Ao tratar a questão do arquétipo, Jung relata a importância dos sonhos em sua obra Psicologia e Religião. Pererius, citado por Jung, diz que os sonhos têm quatro causas: “1) doença física; 2) afeto ou emoção violenta, produzidos pelo amor, pela esperança, pelo medo ou pelo ódio; 3) o poder e a astúcia do demônio, isto é, de um deus pagão ou do diabo cristão; 4) sonhos enviados por Deus” (JUNG, 1987b: 21)

Por ser o impulso religioso arquetípico, ele pode mudar de imagem, como, por exemplo, quando acontece o empoderamento do ego, e através dele, a ruptura do mesmo com o self, quando o ego passa a poder tudo. A responsabilidade não vem mais de fora, tudo está nas mãos do indivíduo e com isso outras questões são tratadas como divinas. Como por exemplo, observa-se hoje o “endeusamento” em relação ao dinheiro e à ciência. “Essa fé cega, antes atribuída ao ‘Assim disse o Senhor’, encontra-se hoje transferida para o ‘a ciência ensina’, com toda a sua antiga inviolabilidade mantida intacta” (WHITMONT, 1991:114)

Junto com essa mudança em relação à idéia de Deus, onde o Deus religioso muda para um deus laico como o dinheiro ou o poder, verifica-se a mudança em relação à forma de lidar com a fé e com os outros indivíduos. É possível ver e viver a individualização da sociedade junto com a necessidade de pertencimento a um grupo, ou seja, um período de transição com grandes dificuldades onde se age, muitas vezes, pelo dinamismo matriarcal, onde tudo acontece de forma mágica ao mesmo tempo em que os indivíduos vivem e são regidos pelo dinamismo patriarcal.

Em conjunto com essas modificações e dificuldades encontradas nas relações sociais, a visão sobre a religião e a relação entre o homem e Deus sofreu mudanças; principalmente quando citadas algumas Igrejas, como as neopentecostais (um dos grupos de Igreja dentre as Igrejas Evangélicas), que tratam essa questão de uma forma que aproxime Deus das pessoas e faça com que ele seja obrigado a dar o que é pedido através de um pagamento. Ou seja, hoje existe um novo perfil do sagrado, onde a fé é o grande instrumento e o Reino de Deus que,

não distribui necessariamente justiça, mas benesses, principalmente materiais e individuais (...) Eclesiologicamente há formas de neopentecostalismo que combinam os temas congregacionalista e episcopal de governo, num modelo de administração eclesiástica centralizado nas figuras do “bispo”, “missionário” ou “apóstolo”. Tais personagens se configuram como líderes carismáticos, que governam de uma maneira personalista, centralizadora e autoritária seus movimentos, às vezes designando a si mesmos como “apóstolos” ou “missionários”, e as seus empreendimentos como “Igreja”, “Comunidade” ou “Ministério” (CAMPOS, 1997:12-19)

Segundo Zeni (2005), a vivência religiosa permeia o processo de individuação uma vez que remete o sujeito às experiências que facilitam a ampliação da consciência através do contato entre os aspectos individuais e coletivos oriundos da psique. (p 23) Essa vivência pode ser comparada à experiência do inconsciente coletivo, pois coloca o homem em contato com a sua própria essência e é entendida através de seu simbolismo, possibilitando “uma maior apreensão do arquétipo que lhe dá sua energia”. (p 24)

O processo de individuação é permeado pela vivência religiosa, uma vez que as religiões têm o objetivo de proporcionar o desenvolvimento psíquico através da relação consciente – inconsciente, ou seja, o diálogo entre Ego e Self (que é indispensável para o

desenrolar deste processo), possibilitando então, o desenvolvimento psíquico, fortalecendo o psiquismo e aumentando a confiança que cada um sente em si mesmo. (ZENI, 2005)

Por fim, as religiões são vistas como manifestações arquetípicas pela Psicologia Analítica, já que falam da correlação entre seus símbolos e o significado atribuído individualmente pelas pessoas, além de propiciar a comunicação Ego-Self num espaço protegido pela presença do Outro no interior do homem. E o numinoso só pode ser vivenciado quando há ressonância dessa vivência no mundo interno, demonstrando, então, que o encontro com o sagrado não pode ser satisfatório quando focado apenas no mundo externo.(ZENI, 2005: 26-27)

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