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O material discursivo coletado para este estudo foi analisado a partir do referencial teórico da Psicologia Discursiva. Dessa maneira, consideramos de fundamental importância explicitarmos aqui o que é a Psicologia Discursiva, além de apresentarmos uma breve história de sua constituição e seus principais conceitos.

Segundo Wiggins e Potter (2008), a Psicologia Discursiva estuda a maneira como os conceitos psicológicos são construídos, entendidos e compartilhados nas interações cotidianas e em situações institucionais.

Descrições de estados psicológicos não são apenas observações soltas que as pessoas fazem, e sim versões localizadas, retóricas, performáticas que estão conectadas a outros detalhes dos relatos narrativos (Edwards, 2005, p. 196).

Ao contrário do que ocorre com a maioria das teorias psicológicas, os autores afirmam que essa perspectiva não está interessada em processos mentais, regularidades comportamentais ou eventos neurais que acontecem por trás das interações entre os sujeitos.

Mais do que isso, essa perspectiva objetiva explicar a maneira como as categorias, construções e orientações utilizadas nas interações entre os sujeitos podem construir um senso de agenciamento, por exemplo, ou na maneira através da qual ocorre o processo de significação em um momento particular de um processo de interação através do discurso (WIGGINS; POTTER, 2008).

Potter e Hepburn (2007) afirmam que a Psicologia Discursiva surgiu de uma vertente específica de análise do discurso desenvolvida na Psicologia Social durante a década de 1980. O primeiro artigo sobre essa perspectiva teórica foi publicado, segundo Potter (2003), em um jornal de psicologia no ano de 1985 e sua obra fundamental foi publicada logo em seguida, no ano de 1987, sob o título de Discourse and Social

Psychology1 (POTTER; WETHERELL, 1987).

Esta obra abordou uma série de conceitos fundamentais para a Psicologia Social, tais como atitude, categorização e self, tentando demonstrar as vantagens de analisar tais conceitos a partir de uma perspectiva discursiva. Por exemplo, ao invés de considerar as categorias enquanto esquemas para processamento de informação, elas poderiam ser compreendidas a partir de seu papel interacional numa conversa (POTTER, 2003).

Outra contribuição que esta obra trouxe, e que foi posteriormente aprofundada em Wetherell e Potter (1992), foi o desenvolvimento do conceito de repertórios interpretativos: um conjunto de termos utilizados pelos sujeitos para descreverem a realidade e que freqüentemente estão organizados ao redor de metáforas (POTTER; HEPBURN, 2007). O interesse nesse conceito estava relacionado com a tentativa de compreender como a organização de narrativas, e a utilização dos termos que

1Tradução do autor: Discurso e Psicologia Social. Vale ressaltar aqui que, apesar dessa obra ser

fundamental para a compreensão da Psicologia Discursiva, até o momento de publicação dessa dissertação ela não havia sido traduzida para o português.

construíam tais narrativas, podiam ser utilizados para manter a reprodução social da iniqüidade e do privilégio entre diferentes grupos sociais (POTTER, 2003).

Paralelo ao desenvolvimento dessa perspectiva de análise do discurso ocorreu a emergência de estudos retóricos dentro da Psicologia Social. No seu primeiro artigo publicado em 1985 e na obra Argumentando e Pensando2, publicada originalmente em 1987, Billig analisou a dimensão retórica de diversos conceitos utilizados na Psicologia Social. Por exemplo, a expressão de atitudes pode ser analisada enquanto discurso orientado para a ação em contextos nos quais haja a possibilidade de argumentação. Dessa forma, um sujeito pode, simultaneamente, justificar uma determinada posição e, combater discursos alternativos (POTTER, 2003; BILLIG, 2008).

Já na década de 1990, ocorreu o desenvolvimento da Psicologia Discursiva fora da análise do discurso. Em parte, isso ocorreu enquanto uma tentativa de distinguir essa perspectiva de outras formas de análise do discurso, tais como a lingüística, sociolingüística, pós-estruturalismo e psicologia cognitiva. Por outro lado, também houve a tentativa de enfatizar que a Psicologia Discursiva não era apenas uma nova teoria sobre a comunicação face-a-face mas, mais do que isso, era uma reestruturação do objeto de estudo da Psicologia (POTTER, 2003).

A Psicologia Discursiva compreende, por exemplo, conceitos como os de memória e de atribuição de causalidade não enquanto entidades ou processos mentais mas, ao contrário, busca compreendê-los enquanto práticas discursivas: relembrar um fato pode ser compreendido em termos de uma descrição contextualizada e a atribuição pode ser vista como uma maneira do falante manejar a responsabilidade e o agenciamento (POTTER; HEPBURN, 2007).

Atualmente, a maioria dos trabalhos na Psicologia Discursiva tem focado a maneira pela qual as descrições são construídas pelos sujeitos de modo a se tornarem factuais e a forma pelas quais os conceitos cognitivos e psicodinâmicos podem ser compreendidos sob novas perspectivas a partir de seu papel na interação (POTTER, 2003).

Porém ao adotarmos uma perspectiva discursiva, faz-se necessário também especificarmos o que compreendemos por discurso. Segundo Iñiguez (2005), existem diferentes maneiras de se compreender o que é discurso, sendo este um campo

polissêmico. Conceituar o que é o discurso se torna necessário, então, para marcar um posicionamento relativo às diferentes tradições de análise do discurso.

De maneira geral, o discurso é apresentado das seguintes maneiras nas ciências sociais:

a) Discurso como enunciados ou conjunto de enunciados efetivamente falados por um/a falante.

b) Discurso como conjunto de enunciados que constroem um objeto.

c) Discurso como conjuntos de enunciados falados em um contexto de interação – nesta concepção ressalta-se o poder de ação do discurso sobre outra ou outras pessoas, o tipo de contexto (sujeito que fala, momento e espaço, história, etc.). d) Discurso como conjunto de enunciados em um contexto conversacional (e, portanto, normativo).

e) Discurso como conjunto de restrições que explicam a produção de um conjunto de enunciados a partir de uma posição social ou ideológica específica.

f) Discurso como conjunto de enunciados em que é possível definir as condições de sua produção. (IÑIGUEZ, 2005, p. 123).

Encontramos várias dessas noções de discurso na conceitualização das práticas de análise do discurso. Apesar de diferentes, essas concepções de discurso não se excluem mutuamente: mais do que incompatibilidade, elas apresentam possibilidades de se superporem umas às outras.

Na tentativa de firmar um caminho que se situe entre os interesses e as demandas das diversas concepções sobre o discurso, Iñiguez e Antaki optam pela seguinte definição:

Um discurso é um conjunto de práticas lingüísticas que mantêm e promovem certas relações sociais. A análise consiste em estudar como essas práticas atuam no presente, mantendo e promovendo essas relações: é trazer à luz o poder da linguagem como uma prática constituinte e reguladora (IÑIGUEZ; ANTAKI, 1994, p. 63).

Tal como ocorre com o conceito de discurso, a compreensão do que é análise do discurso também é permeada por diferentes perspectivas. Iñiguez (2005) afirma que,

originalmente, o termo análise do discurso designava uma área da lingüística. Atualmente, encontramos contribuições de diversos campos de conhecimento na análise do discurso: psicologia, antropologia, sociologia, filosofia, comunicação, entre outros. Todos esses saberes, de diferentes maneiras e utilizando métodos específicos, incorporaram a prática da análise do discurso.

Iñiguez (2005) afirma que, apesar de encontrarmos as mais diferentes tradições de análise do discurso, cada uma com seu método e objetos distintos, existiria algo em comum entre todas elas: o interesse em analisar o idioma em seu uso, quer seja o idioma falado ou escrito. Já para Gill (2008), apesar de existirem, no mínimo, cerca de 57 formas de análise do discurso, o que todas essas perspectivas apresentariam em comum seria a rejeição da idéia de que a linguagem é uma forma neutra de descrever a realidade, apostando na idéia de que a linguagem e, conseqüentemente, o discurso ocupam papel central na construção da vida social.

Dessa forma, apresentaremos, ainda que de maneira sucinta, as correntes de análise do discurso consideradas mais importantes, de acordo com Iñiguez (2005): a) a Sociolingüística Interacional; b) a Etnografia da Comunicação; c) a Análise Conversacional; e d) a Análise Crítica do Discurso.

A sociolingüística interacional possui como matrizes a antropologia, a sociologia e a lingüística. Tal como apontado por Iñiguez (2005), essa tríplice filiação ocorreria devido ao interesse pela cultura, pela sociedade e pela linguagem.

Tendo como principais expoentes Goffman e Gumperz, a sociolingüística interacional busca focar a linguagem e o seu contexto de produção. Para os autores, a linguagem não seria apenas um meio de comunicação, mas seria também um meio de se construir significados a partir do contexto em que ela é utilizada. Para essa corrente, o foco da análise está em compreender o contexto no qual os significados foram produzidos.

A etnografia da comunicação possui como referenciais a antropologia e a lingüística e apresenta como principal foco o interesse pela competência comunicativa. Tal interesse está baseado na tentativa de compreender como o conhecimento social, psicológico, cultural e lingüístico orienta o uso adequado da linguagem.

Baseados no conceito de Chomsky de gramática generativa, a qual busca explicar como um falante possui a capacidade de compreender um número ilimitado de frases inéditas para ele, etnógrafos da comunicação, como Hymes, acrescentaram a idéia

de buscar compreender as regras que permitem que uma pessoa interprete o significado de um enunciado.

Mais recentemente, essa corrente passou a se denominar de antropologia lingüística, sendo definida enquanto “o estudo da linguagem como recurso da cultura e da fala como prática cultural” (Iñiguez, 2005, p. 113).

Já a análise da conversação possui suas origens vinculadas à etnometodologia. Para a análise da conversação, o que deve estar em foco é “descobrir como a sociedade está organizada e como funciona a partir das próprias ações das pessoas que nela interagem” (Iñiguez, 2005, p. 115).

Para tanto, a análise da conversação abdica da idéia de que os significados estejam aprisionados no interior das palavras pronunciadas pelos falantes. Para os pesquisadores dessa corrente, a atenção deveria estar centrada nos contextos em que as pessoas criam seus relatos.

A análise da conversação busca compreender a forma como as pessoas organizam seus discursos na vida cotidiana objetivando determinados fins. O discurso é considerado não como uma manifestação de um conceito, mas como um meio através do qual as pessoas produzem determinados efeitos sobre as outras pessoas, quer de maneira oculta ou óbvia.

A análise crítica do discurso, por sua vez, não seria, a rigor, uma modalidade de análise do discurso, mas uma perspectiva diferente. Tal perspectiva estaria relacionada, principalmente, à forma de análise e a teoria que embasa a análise crítica: os analistas dessa corrente tentam não pré-configurar a maneira de realizar a análise e o campo de indagação. A teoria é aqui utilizada enquanto ferramenta para que o pesquisador possa abrir novas perspectivas a partir de sua interação com aquilo que estuda.

A análise crítica do discurso enfoca o caráter constitutivo da linguagem a partir da análise de três dimensões: o discurso enquanto texto (oral ou escrito); o discurso como prática discursiva produzido numa situação concreta; o discurso como constituinte de e constituído pelas instituições (IÑIGUEZ, 2005).

A Psicologia Discursiva, então, seria uma perspectiva de análise do discurso que estaria mais próxima às perspectivas que Iñiguez denomina de análise conversacional e de análise crítica do discurso. Por compreender o discurso enquanto estância fundamental para compreensão da vida social é que essa perspectiva se opõe à maneira tradicional de explicar os fenômenos psicológicos. Segundo Potter (2008), as

perspectivas da psicologia tradicional objetivam explicar a vida social a partir de teorias sobre os estados, processos e entidades psicológicas “reais” que sustentam e subjazem à ação.

Dessa forma, a Psicologia Discursiva propõe uma nova maneira de conceber diversos conceitos oriundos, principalmente, da Psicologia Cognitiva, a qual compreende as ações humanas como produto de processos cognitivos. Na visão do cognitivismo, o discurso é tratado como a expressão de pensamentos, intenções ou alguma outra entidade cognitiva (POTTER, 2006).

Edwards (2006) afirma que a Psicologia Cognitiva compreende o discurso como: 1) um input para ou output de categorias e esquemas usados nos processos e modelos mentais; e 2) uma ferramenta metodológica para pesquisar os estados mentais e as representações.

Em contraste com essa perspectiva, a Psicologia Discursiva, ao invés de tratar o discurso enquanto dependente de e explicável por processos cognitivos, busca estudar a maneira pela qual o discurso é construído enquanto tópico de interesse para os participantes. Assim, ela compreende a mente, personalidade, as emoções, intenções, etc, na forma como esses conceitos são construídos e orientados para a interação (POTTER, 2006).

Potter (2008) afirma que a Psicologia Discursiva não está baseada na idéia de que existe um espaço mental verificável e comprovado por investigações científicas, mas que existem interações humanas que constroem conceitos psicológicos que estão presentes no cotidiano das pessoas.

Dessa forma, enquanto os psicólogos cognitivos apresentam suas teorias baseadas numa história de comportamentos produzidos a partir do processamento de

inputs perceptuais, os quais seriam originados a partir de uma realidade exterior ao

sujeito, os psicólogos discursivos estudam como o discurso realiza ação a partir de práticas situadas, através da construção de diversos conceitos como, por exemplo, os de “realidade” e “mente” (POTTER; EDWARDS, 2001).

Ao invés de tentar investigar as idéias que as pessoas trazem dentro de suas cabeças, como fazem os psicólogos cognitivistas na tentativa de estudar essas entidades, o foco dos psicólogos discursivos está na visão de que falas e textos são práticas sociais (POTTER; HEPBURN, 2007).

Podemos exemplificar, ainda que de maneira sucinta, tais diferenças mostrando como as duas perspectivas abordam um conceito central para a psicologia social, a noção de atitudes.

Segundo Potter e Wetherell (1987), existem diversas concepções sobre atitudes. Porém, os autores dirigem sua atenção especificamente para o conceito utilizado por McGuire, o qual sugere que é possível formular uma definição com algum grau de consenso: quando as pessoas expressam suas atitudes elas estão localizando o objeto julgado em alguma escala de julgamento. Ou seja: as pessoas possuem alguma idéia sobre algum objeto em questão e elas posicionam tal objeto em alguma hierarquia de valores através da fala. Subjacente a essa visão, encontramos a idéia de que as atitudes são entidades mentais de caráter duradouro que programariam os comportamentos dos sujeitos diante dos objetos.

No entanto, numa perspectiva discursiva, podemos definir a atitude não como uma entidade mental, mas como uma construção que serve para produzir julgamentos e os possíveis efeitos realizados por tais julgamentos.

Vamos tomar como exemplo uma resposta a uma pesquisa hipotética nas quais os sujeitos fossem questionados se são favoráveis ou não ao fechamento dos hospitais psiquiátricos. Tal resposta poderia ser: “não sou favorável ao fechamento dos hospitais psiquiátricos por que lá é o local de tratamento da loucura”.

A partir da visão da Psicologia Cognitiva, a atitude expressa por nosso sujeito imaginário categorizá-lo-ia enquanto um sujeito não-simpatizante ao processo de Reforma Psiquiátrica, alguém que possuiria uma predisposição comportamental agressiva em relação a essa temática.

Ao contrário, na perspectiva discursiva, tal atitude poderia ser compreendida enquanto produtora de um julgamento contrário aos ideais preconizados pela Reforma Psiquiátrica, produzindo o possível efeito de impedir o retorno dos loucos a suas comunidades, por exemplo. Mais ainda, podemos afirmar que esta resposta pode ser compreendida a partir do contexto na qual foi produzida. Em outra ocasião, o sujeito poderia, por exemplo, defender o retorno dos loucos à comunidade desde que haja ajuda financeira para as famílias.

Assim, tal como afirmam Potter e Hepburn (2007), mais do que considerar as atitudes enquanto entidades mentais que orientam o comportamento, a Psicologia Discursiva reorienta tal conceito para as questões da construção de julgamentos e da

maneira através das quais esses julgamentos são utilizados para produzir determinados efeitos.

Diferentes perspectivas teóricas contribuíram, a partir de determinados conceitos, para a construção da Psicologia discursiva. Nesse sentido, podemos citar a Análise da Conversação, a Etnometodologia, o Construcionismo, a Filosofia Analítica, a Semiologia e a Retórica. Potter e Wetherell (1987) utilizaram as perspectivas citadas na elaboração e justificação de quatro tópicos centrais para a Psicologia Discursiva: função, construção, variabilidade e retórica.

A seguir, abordaremos a forma como cada perspectiva teórica contribuiu para a construção dos tópicos supracitados.

3.1 Função

Segundo Potter, Wheterell, Gill e Edwards (1990), diferentes tradições teóricas que estudam a linguagem tem apontado que ela é um meio orientado para ação. Segundo os autores, as mais óbvias são a Filosofia Analítica e, em particular, a Teoria dos Atos de Fala, assim como a Análise da Conversação e a Etnometodologia.

De acordo com Potter e Wetherell (1987), a principal idéia apresentada pela Etnometodologia e pela Teoria dos Atos de Fala é a idéia de que as pessoas usam a linguagem para fazer diferentes coisas: através da linguagem as pessoas ordenam, questionam, solicitam, acusam, se defendem, etc. Mas como essas duas teorias contribuíram para a construção do conceito de função?

Potter e Wheterell (1987) afirmam que a etnometodologia está preocupada com o estudo dos métodos cotidianos utilizados pelas pessoas para produzirem sentido no cotidiano. Dito de outra maneira, os etnomedologistas afirmam que, assim como os pesquisadores sociais, as pessoas comuns também procuram compreender o que está acontecendo e utilizam essa compreensão para produzir comportamentos apropriados para aquela determinada situação.

Um conceito central para compreendermos a idéia apresentada acima é o de reflexividade. Tal conceito destaca o fato de que as descrições de mundo realizadas pelas pessoas não são apenas descrições, mas que elas também produzem algo: as descrições não se limitam a representar o mundo, mas a construí-lo (POTTER, 1998).

um simples comentário sobre a futura ação de ficar calado e não denunciar, pois ela constitui essa realidade de conivência com o crime, assim como o próprio ato de ficar calado.

No tocante à Filosofia Analítica, Potter (2001) afirma que existem dois autores fundamentais para compreender as contribuições advindas desse ramo da Filosofia: Wittgenstein e Austin.

As Investigações Filosóficas, uma das principais obras de Wittgenstein, possuíam como um de seus objetivos combater a imagem tradicional da linguagem na qual a linguagem é vista como uma pintura. Nesta visão, a linguagem seria concebida como um meio para raciocínios abstratos e seria, também, uma série de nomes relacionados a cada objeto existente. Já a posição defendida por Wittgenstein, ao contrário, apontava que a linguagem seria heterogênea e também seria orientada para a ação.

Ainda de acordo com Potter (2001), Wittgenstein propôs uma visão alternativa de linguagem enquanto caixa de ferramentas: ao pensarmos numa caixa de ferramentas, afirma Wittgenstein, pensamos em pregos, martelos, cola, régua, etc, sendo as funções das palavras tão diversas quanto as funções desses objetos.

Nesse sentido, o conceito de descrição desenvolvido por Wittgenstein também contribui para a visão da linguagem enquanto orientada para a ação. Para o autor, ao descrevermos alguma coisa nós não apenas reproduzimos as palavras. Mais do que isso, descrições são atos que são usados para realizar diferentes performances. Assim, as descrições não apenas descrevem, como também produzem algo.

Outro autor que também compartilha dessa visão da linguagem enquanto ação é Austin. Para Austin a linguagem não seria um sistema abstrato cuja função central seria a de descrever o mundo. Nesse sentido, o autor buscou ressaltar a natureza prática da linguagem, compartilhando com Wittgenstein a perspectiva de que a linguagem é um meio de ação (POTTER, 1998).

Para desenvolver sua teoria, denominada de Teoria dos Atos de Fala, Austin iniciou com a observação de que existe uma classe de sentenças cuja principal função é

fazer coisas, ao invés de apenas descrever coisas. Por exemplo, a sentença “Eu declaro

guerra às Filipinas” não é uma descrição do mundo que pode ser confirmada enquanto verdadeira ou falsa, mas é um ato com conseqüências práticas: quando dita nas

circunstâncias corretas, ela origina uma guerra entre estados. A esse tipo de sentenças, Austin denominou de performativos (POTTER; WHETERELL, 1987; POTTER, 2001).

Austin também afirma que existe um segundo tipo de sentenças, as quais a primeira vista, parecem ser apenas sentenças descritivas e que podem ser verificadas enquanto verdadeiras ou falsas. A esse tipo de sentenças, Austin nomeou de constativos. Ao contrário das sentenças constativas, as performativas não são passíveis de verificação em relação a sua falsidade ou veracidade. No entanto, elas podem apresentar outras formas de fragilidades. Ao pensarmos, por exemplo, na sentença “Eu te nomeio Sir Lancelot”, encontramos diversas maneiras da mesma falhar enquanto nomeação do

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