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Nas produções discursivas dos cuidadores dos SRTs, os moradores das residências terapêuticas são posicionados algumas vezes como pessoas “carentes”, pessoas marcadas pela falta de carinho, de cuidado e de atenção. As intervenções de Tiago, Fernanda e Silvana ilustram bem esse modo de posicionar subjetivamente os moradores.

Então assim, eles são dóceis, são carinhosos, e também carentes, né? Da, da simpatia (Tiago, 42 anos, ensino médio completo, atua na residência mista).

Aqui eles são mais carência. Eles vêm de muitos anos de hospital, né? Aí quando eles vêm pra residência eles querem mais o que? Carinho, atenção, querem passear, as vezes a gente vai sair: “me leva!, deixa eu ir”. Fica pedindo as coisas pra gente: “tia, traz isso pra mim, eu queria isso, eu queria aquilo”, mais assim, essa carência que eles têm (Fernanda, 40 anos, ensino médio completo (técnica de enfermagem), atua nas duas residências)

Eu vejo como pessoas necessitadas de amor, de atenção, de carinho. Porque pessoas que viveram quinze, vinte anos no hospital, elas precisam disso! Então são pessoas que a gente tem que tá ali, acompanhando, tá do lado, dar atenção, amor, carinho, eu vejo como pessoas necessitadas, né? Da atenção da gente. Eu vejo dessa forma (Silvana, 28 anos, ensino médio completo (técnica de enfermagem), atua na residência feminina).

É interessante observar como Fernanda e Silvana explicam essa suposta carência. Na fala de Fernanda, ela é atribuída implicitamente ao hospital. Depois de falar da carência dos moradores, ela afirma que “eles vêm de muitos anos de hospital...”. O hospital, nessa fala, portanto, produz carência afetiva ou pelo menos torna mais intensa uma carência pré-existente. Em contraposição ao tratamento oferecido pelo hospital, os cuidadores das residência seriam provedores de “carinho” e “atenção”.

Assim como Fernanda, Silvana busca explicar a carência dos moradores recorrendo ao fato de terem vivido “quinze, vinte anos no hospital”, levando-a a concluir que “elas precisam disso”. De maneira mais explícita do que Fernanda, ela apresenta os cuidadores como atentos provedores do carinho e atenção necessários para suprir as carências afetivas dos moradores: “Então são pessoas que a gente tem que tá ali, acompanhando, tá do lado, dar atenção, amor, carinho...”.

Nas falas de Fernanda e Silvana, o hospital e a residência terapêutica formam um par dicotômico: o hospital psiquiátrico produz carência afetiva e a residência terapêutica supre as carências afetivas produzidas ou acentuadas pelo hospital.

Há que se ressaltar que posicionar insistentemente os moradores de residências terapêuticas como seres marcados pela falta, pela carência e pela docilidade é algo muito próximo de colocá-los na posição de seres infantilizados que sempre necessitam de um excesso de proteção dos cuidadores, postura que pode dificultar o processo de desenvolvimento da autonomia dos moradores. Nesse sentido, o trabalho dos cuidadores dos SRTs deveria ser importante para os moradores não necessariamente pelo exercício da proteção, por si só, mas pelo exercício da autonomia.

A (re)produção dessa imagem dos moradores nos serviços substitutivos é um bom indício das dificuldades encontradas no caminho da desospitalização dos internados e desinstitucionalização da loucura, na medida em que os que lutam por esses objetivos entendem que um dos principais obstáculos no caminho de sua realização é justamente a permanência da imagem do louco como um ser marcado pela falta (SILVA; EWALD, 2006).

As falas analisadas corroboram conclusões de autores como Kinoshita (2001) para os quais o doente mental, de maneira geral, é caracterizado a partir de sua negatividade, ou seja, daquilo que lhe falta, o que torna nulo seu poder contratual e impossibilita o desenvolvimento do processo de habilitação psicossocial.

Outra posição identitária construída para os moradores é a de pessoas caracterizadas pela instabilidade emocional em decorrência da vulnerabilidade às crises.

As meninas são um doce. Quando elas não tão em crise, são um doce (...) As meninas são maravilhosas assim, agora quando elas entram em crise (GISELE, 28 anos, cuidadora da residência feminina).

O mais complicado assim é quando eles estão no momento de crise, né? Mas fora isso... (Verônica, 40 anos, ensino superior incompleto (biologia), atua na residência mista).

Jardim e Dimenstein (2007), baseadas em Foucault (2006), afirmam que o conceito de crise era bastante utilizado na medicina no início do século XIX por ser simultaneamente uma noção teórica e um instrumento prático. No entanto, ainda de acordo com as autoras, este conceito torna-se obsoleto devido ao surgimento da anatomia patológica.

A anatomia patológica permitiu a individualização das doenças de acordo com as lesões que os sujeitos apresentavam, permitindo o desenvolvimento de um diagnóstico diferencial.

Ocorre que a psiquiatria, sendo uma especialidade médica, desenvolveu-se através de outro movimento: para esta disciplina importa o estabelecimento de um diagnóstico absoluto. Dito de outra forma, é a partir do estabelecimento de um diagnóstico absoluto que a psiquiatria atua e não a partir do diagnóstico diferencial.

No mais, a psiquiatria também é uma disciplina caracterizada pela ausência de corpo. Neste sentido, a anatomia patológica com sua busca incessante entre a doença e seus correlatos orgânicos, não seria útil à psiquiatria, apesar de variados esforços na tentativa de estabelecimento de tais relações.

Sendo assim, pode-se questionar: como a psiquiatria pôde ser exercida com a utilização do diagnóstico absoluto e sem a presença do corpo? A resposta está justamente na crise, a qual era compreendida como a “verdade da doença” revelada, proporcionando ao médico a sua legitimação para intervir na doença mental, por um lado, e construindo essa doença mental enquanto demanda que chega a ele.

Este modelo de atuação psiquiátrica também foi reforçado pela Psiquiatria Preventiva. Essa disciplina promoveu a construção de uma rede de atendimento extra- hospitalar em saúde mental nos Estados Unidos, tendo como objetivo reduzir os gastos do Estado com essa população (AMARANTE, 2007).

Nesse momento, com os loucos fora dos hospitais, eram as crises que importunavam a comunidade e a família, devendo ser controladas a partir da utilização de remédios. Segundo Jardim e Dimenstein (2007, p.176), “a medicação instrumentaliza a norma e passa a ser item indispensável para uma pseudoconvivência em sociedade, visto que o louco não é acolhido por ela, mas sobrevive a sua margem”.

A situação de crise é definida, de maneira geral, pelas pessoas que acompanham o louco. Neste sentido, é a família, a sociedade e, algumas vezes, o paciente que decide se a crise se configura enquanto urgência psiquiátrica ou não. “A crise é vista enquanto urgência a partir do momento que afeta diretamente a rotina da família (ou do responsável) e que se decide denominar o acontecimento enquanto tal” (JARDIM; DIMENSTEIN, 2007, p. 178).

Vale ressaltar que, no caso das residências, quem define o que é crise ou não são os próprios cuidadores que lidam no cotidiano com os moradores, o que pode tornar tal definição um instrumento de poder utilizado pelos cuidadores cotidiano, afinal definir uma situação como uma situação de crise pode legitimar a utilização de medicamentos que apaziguam ou mesmo o retorno, mesmo que temporário, a ambientes mais institucionalizados como o hospital psiquiátrico.

Outra forma de posicionar os moradores, sempre cercada de excessivos cuidados, é fazer alusão a supostos comportamentos agressivos ou de insubordinação.

Tô trabalhando com eles, é, as vezes eles são agressivos, as vezes não, as vezes eles são, eles distratam a gente, mas faz parte, né? (Fernanda, 40 anos, ensino médio completo (...) As vezes ela fica agressiva, aí não quer... (Fernanda, 40 anos, ensino médio completo (técnica de enfermagem), atua nas duas residências).

Como eu definiria? Tem uns que é fácil de lidar, são cooperativos, alguns, tem outros que é meio difícil, que a gente tem que... Aos poucos, trabalhar, né? (Joana, 36 anos, ensino médio completo, atua na residência feminina).

É como eu lhe disse, que tem uns que é mais fácil de se trabalhar e outros mais difíceis assim. É assim, tanto faz ter a aceitação deles como, de repente, também ter recusas, né? Então fica fácil e ao mesmo tempo não fácil (Bruna, 30 anos, ensino superior completo (pedagogia), atua nas duas residências).

Em sua fala, Fernanda descreve os moradores como às vezes “agressivos, às vezes não”. Ao fazer isso ela, ao mesmo tempo que destaca a agressividade potencial dos moradores, apresenta-se como alguém que é atenta para a complexidade das pessoas com transtorno mental. Afinal ela reconhece que nem sempre eles são agressivos, que não podem ser definidos somente a partir dessa característica.

Se em Fernanda há uma dicotomia intrapessoal, já que a mesma pessoa pode ser às vezes agressiva e às vezes não, nas falas de Joana e Bruna a dicotomia é intragrupal. Há duas categorias no interior do grupo de moradores, os “fáceis” e os “difíceis”.

Para Joana, existem moradores que são fáceis “de lidar”, que “são cooperativos, alguns”. É importante observar como ela busca ressaltar que não são todos os moradores que são do tipo “fácil” ao utilizar a expressão “alguns”. Já existem outros “que é meio difícil” e que é justamente esses moradores que devem ser trabalhados, “aos poucos”.

Bruna, assim como Joana, também posiciona os moradores como “fáceis” e “difíceis”. Para a entrevistada, “tem uns que é mais fácil de se trabalhar e outros mais difíceis”. Ela complementa sua fala afirmando que “tanto faz ter a aceitação deles como, de repente, também ter recusas”. Tal fato faria com que o trabalho de cuidador ficasse “fácil e ao mesmo tempo não fácil”.

Nas falas de Bruna e Joana, em resumo, os moradores são classificados em duas categorias. Há os que ajudam nas atividades da casa, que não causam problemas, os “fáceis”, aqueles que foram retratados nas falas anteriores como “dóceis” e “carinhosos”, e há os que são “difíceis”, desobedientes, “agressivos”, aqueles que precisam ser trabalhados.

É interessante observar que Bruna relaciona: I) o fato dos moradores serem “fáceis” ou “difíceis” ao fato do trabalho ser “fácil e ao mesmo tempo não fácil”; e que II) ela utiliza a expressão “não fácil” ao invés da expressão “difícil” para se referir ao seu trabalho. Ao utilizar a expressão “não fácil”, a entrevistada busca minimizar os possíveis efeitos produzidos pela expressão “difícil”, tentando construir a imagem do trabalho de cuidador como algo que, apesar das dificuldades, é possível de ser realizado. Outra posição identitária construída para os moradores é aquela na qual aparecem como pessoas essencialmente sofredoras.

Então, como é que eu vou definir elas? Eu vou definir... São o sofrimento em pessoa. Todas elas. Elas sorriem, elas, elas... Elas conversam, elas... Tem uma que, ela recebe o filho dela, tudinho. Mas, na verdade, elas não sabem o que é alegria não. Elas não sabem, elas vivem no constante delírio. Não, não... Sei não... Eu acho que, eu acho que elas podem viver uma alegria momentânea, sabe? Um carinho, um gesto... Mas daqui a pouco elas já pensam em outra coisa, já passa pra... Sabe? É isso. Elas

são o sofrimento (Gisele, 28 anos, ensino superior completo (psicologia), atua na residência feminina).

No discurso de Gisele os moradores são pessoas com um histórico de sofrimento, pessoas que desconhecem o sentimento de alegria, pessoas que vivem em “constante delírio”. Quando muito, teriam uma “alegria momentânea”, originada pela presença de um filho, por uma conversa, por um carinho, mas tudo seria fugaz.

A construção de uma identidade essencializada para as pessoas com transtorno mental, na qual o sofrimento mórbido é uma constante, intencionalmente ou não, termina por colocar essas pessoas numa posição de fragilidade, impotência, dependência.

Vale ressaltar, ainda, que o processo de habilitação psicossocial, segundo Saraceno (2001a), não é uma tecnologia, é uma abordagem ou estratégia que deve objetivar mais do que simplesmente passar o usuário de um estado de desabilidade para um estado de capacidade. Neste sentido, consideramos que posicionar os moradores como seres essencialmente sofredores é promover o processo de cristalização de uma imagem associada à debilidade, dificultando, assim, a sua inserção social.

Por sua vez, os discursos produzidos por Claudia e Roberta ressaltam, entre outras coisas, a perda dos vínculos familiares.

(Claudia) – (...) Eu definiria, assim: são pessoas que... São pessoas que perderam todos os seus vínculos familiares, né? A maioria. São pessoas que precisam de cuidado, que precisam de alguém o tempo inteiro na casa. São pessoas muito dependentes, extremamente dependentes, né? Não saem só, não fazem nada só, é nesse sentido que eu falo de dependência. (Entrevistador) - Humrum.

(C) - E pessoas abandonadas... São pessoas abandonadas, inclusive eu escutei até uma, uma, a gente conversando, eu escutei uma moradora dizer que foi enterrada viva e que isso não é cuidado. Ela tava falando referente aos hospitais psiquiátricos, ela: “minha família me enterrou viva e ainda dizem que me entendem, eu não entendo como eles dizem que me entendem, que cuidam de mim, se me enterraram viva durante tantos anos”, né? Isso fala de uma revolta, isso fala de um, um, de algo que dói de alguma forma nela, né? E por isso que eu falo de abandono. Eu definiria eles assim (Claudia, 22 anos, ensino superior completo (psicologia), atua na residência feminina).

São pessoas que não tem vínculo afetivo com a família, que antes viviam em hospitais psiquiátricos, que conseguiram uma vaga de residência terapêutica, e que é como se fosse o lar deles, a casa deles, eles cuidam como se fosse a casa deles (Roberta, 47 anos, ensino médio completo (auxiliar de enfermagem), atua na residência feminina).

Claudia inicia seu discurso afirmando que os moradores “são pessoas que perderam todos os seus vínculos familiares”. Observe que no trecho citado ela inclui todos os moradores na categoria “moradores que perderam vínculos familiares”. Logo em seguida, ela utiliza um recurso retórico bastante comum que possui o efeito de tornar o discurso mais factual: ela aponta exceções, com o uso do termo a “maioria”, logo após uma generalização.

Prossegue afirmando que “são pessoas que precisam de cuidado”, “muito dependentes, extremamente dependentes”. Nesse sentido, o efeito produzido por discursos com esse teor seria o de manter os moradores numa posição de dependência, o que poderia ser útil aos cuidadores por dois motivos: I) tal discurso legitimaria o exercício de um maior controle sobre os mesmos; e II) o discurso sobre a dependência dos moradores justificaria a própria presença dos cuidadores, já que os moradores “não saem só, não fazem nada só”.

No segundo trecho de seu discurso, a cuidadora enfatiza a questão de serem “pessoas abandonadas”, retratando tal abandono a partir da citação literal de uma conversa realizada com uma moradora a qual teria afirmado que foi enterrada viva em um hospital psiquiátrico: “minha família me enterrou viva e ainda dizem que me entendem, eu não entendo como eles dizem que me entendem, que cuidam de mim, se me enterraram viva durante tantos anos”.

Podemos perceber, neste trecho do discurso, outra estratégia retórica utilizada na tentativa de tornar verdadeira, factual, a descrição que faz dos moradores. Tal estratégia consiste na utilização do discurso direto, na reprodução de uma fala supostamente literal produzida por uma das moradoras ao relatar seu abandono pela família.

Podemos observar, ainda no discurso construído por Claudia, a maneira como ela busca justificar a presença e/ou a ausência da família na vida dos moradores.

(Claudia) – (...) Tem uma outra moradora aqui que tem um vínculo mas inclusive a gente teve que brigar na justiça porque era uma pessoa que ficava com a curatela dela, né? E... Dava

pouquíssimo dinheiro a ela, ficava com bem mais pra ele que era o tio e agora ela recebe o dela, não tem mais visita de ninguém, acho que a ligação deles era mais ligada ao financeiro. (Entrevistador) - Humrum.

(C) - Tem uma outra, a que tem mais visita familiar é uma que tá aqui que o filho vem vê-la toda sexta-feira, passa cinco, dez minutos aqui, vai embora. É a que mais tem. E as vezes vem irmã, as vezes alguém... Tem uma outra que as vezes... Então são pessoas que, as vezes, vem alguém, pode ser uma vez no ano, duas ou três vezes no ano, mas, as vezes, entende? Perdido, assim. A maioria delas não tem ninguém. Ninguém, ninguém mesmo. Não... Enfim. Tanto que uma faleceu mês passado e não tinha ninguém além da gente no velório. Nenhuma pessoa, que ela não tinha nenhum vínculo. Né? Então são pessoas assim que... E esse contato com a família é esse contato com que eu falei assim. Alguém vem aqui, passa dez minutos e vai embora. Quanto se tem é assim, né? Ou como essa que tinha por causa do dinheiro (Claudia, 22 anos, ensino superior completo (psicologia), atua na residência feminina).

Segundo a entrevistada, havia “uma outra moradora” que possuía vínculo com um tio. No entanto, ele “dava pouquíssimo dinheiro a ela, ficava bem mais pra ele”. Após uma briga na justiça, “agora ela recebe o dela” e, no entanto, a moradora não “recebe mais a visita de ninguém”. Tal fato leva a cuidadora a supor que “a ligação deles era mais ligada ao financeiro”.

“Tem uma outra, a que tem mais visita familiar” é uma moradora cujo “filho vem vê-la toda sexta-feira, passa cinco, dez minutos aqui, vai embora”. Destaca que essa moradora “é a que mais tem” visitas. No caso da moradora que faleceu, “não tinha ninguém além da gente no velório”, o que levou a entrevistada a afirmar que “ela não tinha nenhum vínculo”.

Dessa maneira, Claudia constrói seu discurso com o objetivo de justificar a presença e/ou ausência de vínculos, argumentando que o contato com a família ou é inexistente ou é superficial e baseado em interesses financeiros: “esse contato com a família é esse contato com que eu falei assim. Alguém vem aqui, passa dez minutos e vai embora. Quanto se tem é assim, né? Ou como essa que tinha por causa do dinheiro”.

Em consonância com o discurso produzido por Claudia, Roberta aponta que os moradores de SRTs são pessoas que “viviam em hospitais psiquiátricos”, que “conseguiram uma vaga de residência terapêutica”, a qual se tornou “o lar” deles e que não possuem “vínculo afetivo com a família”.

Em contraponto às produções discursivas de natureza mais essencialista que diferenciam os moradores das pessoas sem histórico de transtorno mental atribuindo aos primeiros uma ou mais características que lhes seriam próprias, o sofimento, a docilidade, a falta de vínculos, encontramos outras que aproximam os moradores dos mortais comuns, algumas vezes produções discursivas de entrevistados que em outros momentos descreveram os moradores com traços mais essencialistas. Os sofrimentos, as crises, a instabilidade ainda estão presentes nesses discursos, mas, nesses momentos, apresentam-se como características de todos os seres humanos, e não como características exclusivas de um grupo em particular.

E aqui, é... As pessoas aqui são muito, são tranqüilas, né? A maior dificuldade, assim, é quando eles estão, assim, em crise, né? Que as vezes tem uma parte, assim, eu me vejo, assim, em crise, né? É até normal isso, né? (Verônica, 40 anos, ensino superior incompleto (biologia), atua na residência mista). (Entrevistador) - Certo. Mas de maneira geral, tem alguma característica que juntasse todos eles, assim, que passasse por todos?

(Marcos) - Não, no geral não tem, não. Porque assim, como eu falei pra você, cada um tem sua personalidade, tem aquele que é mais preguiçoso, tem aquele que é mais trabalhador, tem aquele que fica na dele, não quer fazer nada ou faz quando quer. (E) - Humrum.

(M) - Então não tem como fechar um grupo... (E) - Humrum.

(M) - Com todas pessoas. Porque assim, uns são totalmente instáveis, né? Tanto faz tá bem quanto tá... Com alguma... (E) - Humrum. Certo.

(M) - Alteração de... (Marcos, 32 anos, ensino superior incompleto (enfermagem), atua na residência mista).

Era tudo um só, quer dizer, eram todos, eram pessoas que tinham transtorno mental. Com o passar do tempo, na convivência a gente vai percebendo, vai tendo afinidade mais com um do que com outros, vai criando mais carinho por uns, vai criando antipatia por outros. Então assim, hoje eu consigo perceber a personalidade de cada um, consigo me identificar mais com uns do que com outros, mas assim, que... Que... Assim, eu vejo todos assim como pessoas ainda desejantes, pessoas que ainda tem vontade de sair daqui, de levar uma vida, tem planos de casar, de formar uma família, de voltar para sua família. São pessoas assim, que tão além do transtorno em si, assim, que a gente costuma ver pacientes, principalmente esses de longa data como só um paciente com transtorno mental. E não, assim, na residência, no convívio, a gente vai percebendo

uma pessoa fora daquela doença (Paula, 29 anos, ensino superior completo (psicologia), atua na residência feminina).

Segundo Verônica, as “pessoas” que moram na residência são muito

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